Melhor que nada?
Luiz Araujo
Na última sexta-feira (5 de junho) participei de um debate sobre financiamento da educação, com destaque para a efetivação da proposta de 10% do PIB para a educação. Ao meu lado estava o professor Luiz Dourado e o deputado federal Wadson (PCdoB-MG). A atividade fez parte do 54º Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes, realizado na cidade de Goiânia.
No meio do debate me chamou a atenção a fala de uma aluna de Minas Gerais. A estudante se identificou como cotista (do Prouni) e discordou das minhas críticas a prioridade do governo para este programa e para o FIES. Disse que será a primeira universitária na família e que isso deve ser considerado uma vitória do período Lula e deve ser preservada. Não foram exatamente estas as suas palavras, mas o sentido certamente foi esse.
A resposta da estudante se deveu a ter dito que a UNE (e todo movimento social) deveria voltar a ter coerência e todos deveríamos defender RECURSOS PÚBLICOS EXCLUSIVAMENTE PARA ESCOLA PÚBLICA, da mesma forma que defendíamos no processo constituinte.
Acertadamente a referida estudante entendeu nesta afirmação uma crítica a postura permissiva do movimento estudantil para com programas que direcionam recursos para o setor privado, mesmo que tenham viés inclusivo na distribuição das bolsas concedidas.
Esta, certamente, é uma polêmica a ser enfrentada. Ao me despedir relembrei de uma experiência vivida quando Secretário de Educação de Belém (1997 a 2002), quando incorporamos todas as matrículas em escolas conveniadas com entidades comunitárias de educação infantil na rede pública. O que está em jogo?
1. O Estado Brasileiro vem oferecendo aos mais pobres uma escola mais pobre e se vale de um discurso que reforça a vaga oferecida, mesmo que precária, como uma dádiva e não como um direito. Assim, reforça o senso comum de que uma vaga precária é uma vaga de acesso ao ensino superior, atendendo a expectativa popular. Afinal de contas isso É MELHOR DO QUE NADA.
2. Ao aceitarmos algo precário, como esse fosse o nosso direito como cidadãos, ajudamos ao Estado a economizar com a educação e direcionar recursos públicos para as áreas prioritárias (ao juízo dos governantes). No caso brasileiro, oferecer uma vaga em troca de isenção fiscal em entidades precárias é uma via que, ao mesmo tempo:
a. Alivia a pressão social por acesso dos mais excluídos e que não podem pagar por uma vaga em instituição particular e muito menos conseguem acessar vagas nas instituições públicas;
b. Salva da falência as instituições precárias;
c. Gasta menos com educação superior.
3. Que o governo aja dessa forma, mesmo discordando, compreendo a sua lógica. E ela ajuda a entender as diferenças entre FHC e Lula, pelo menos neste ponto programático:
a. FHC praticou a liberalização da oferta privada, apostando na inclusão via pagamento dos cidadãos por uma vaga e via financiamento estudantil; e
b. Lula apostou suas fichas em crescimento do setor público associado a aportes de recursos para o setor privado, mesmo que condicionados a inclusão social. Ou seja, um no cravo e outro na ferradura.
4. O que estamos vivenciando é, nas duas experiências de governo das últimas duas décadas, é uma noção que nega o DIREITO À EDUCAÇÃO SUPERIOR como oferta pública.
Como todos, inclusive as lideranças estudantis da UNE, sabem que o país vive uma crise e que o governo Dilma se esforça a aprofundar um receituário conservador na economia, que estão sendo feitos cortes violentos nos recursos da educação, fica a pergunta:
1. Como viabilizar o cumprimento da Meta 12, que projeta duplicação das matrículas no ensino superior, sendo 40% delas na rede pública, se não houver forte pressão para que isso aconteça?
2. Como viabilizar um cumprimento do exposto no item 01 se o próprio movimento estudantil (pelo menos de forma majoritária) defende como VITÓRIA o aumento dos recursos para financiamento estudantil e bolsas no Prouni?
A mãe de uma criança que consegue matricular seu filho em uma creche comunitária precária na periferia de uma grande cidade se sente tão satisfeita com o MELHOR QUE NADA, como presenciei no depoimento da estudante mineira. Mas o seu filho, que não pode e não deve ser tratado como cidadão de quinta categoria, merece muito mais do que isso.
Por isso, fiz questão de dizer para a estudante mineira que ela (e os demais cotistas) possuem o direito de uma vaga pública de qualidade e que é melhor do que nada ela estar estudando, mas é insuficiente como política pública ou como bandeira do movimento estudantil.
O que está em discussão é a manutenção de conquista histórica, ou seja, manutenção do conceito de educação enquanto direito fundamental e não dádiva. É uma conquista que na Europa foi incorporada em Constituições ainda no século XIX (Suíça) e início do século XX (Dinamarca e Alemanha). E que levou Marshall classificar como um dos direitos sociais fundamentais para a cidadania. Nem quero citar que em 1536, em Genebra, a educação já era gratuita e obrigatória, que no Ducado de Weimar (1619) a regra era que todas as crianças de 6 a 12 anos frequentassem escolas ou citar as Colônias Americanas, como a de Massachusets, que em 1647 já valoriza o acesso educacional.
Abrir mão desta conquista histórica é um grave erro. E sem romper com o discurso do MELHOR QUE NADA é impossível conquistar 10% do PIB para educação pública.
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