Magistério e sacerdócio
Valmir Batista Corrêa
03/07/2017
O crescimento sócio-econômico de um país está necessariamente ligado ao seu desenvolvimento educacional e tecnológico.
Uma boa qualidade do ensino básico e de investimentos na área da pesquisa básica e de inovação, com certeza, tira do estágio da ignorância e do atraso parcelas importantes da população.
Tais premissas parecem óbvias, mas para os governantes nem sempre são prioridades, a não ser nos seus discursos. As volumosas verbas exigidas para a manutenção de todo o sistema de educação/pesquisa, à primeira vista, parecem ser um desperdício frente a outros graves problemas enfrentados pela administração pública.
Neste país do “toma lá, da cá”, foi preciso estabelecer a obrigatoriedade de transferências constitucionais de parcelas dos tributos arrecadados para a educação. Porém, os gastos com educação, que seriam práticas usuais, nem sempre foram levados a sério.
Para os governantes, o que se visualiza, infelizmente, é o alto volume de recursos despendidos com infraestrutura educacional e com a manutenção de professores e de funcionários administrativos. A obrigatoriedade desses gastos constitucionais tornou-se de fato uma arma para combater a falta de consciência dos políticos, que controlam a máquina de governo em todos os níveis, de federal a municipal.
A história sempre registrou os conflitos e os descasos dos governantes com a educação. Na República Velha, por exemplo, os docentes contratados pelo estado para o ensino das séries iniciais ficavam à mercê dos interesses dos coronéis e políticos ligados às administrações estaduais. Dependendo do humor dos políticos ou dos detentores de poder de plantão, os professores conservavam seus empregos ou não. Era comum encontrar em Mato Grosso “professorinhas” trabalhando apenas a cada quatro anos, conforme a gangorra política dos governadores eleitos e dos compromissos com os seus “eleitores”.
Isso sem contar com um irrisório salário, justificado pelo falso moralismo, com a desculpa de que a missão de ensinar era um “sacerdócio”, isto é, uma missão vocacional exigindo grandes sacrifícios e parca remuneração.
Ainda assim, por intermináveis anos nos sertões do país, a chegada de uma professorinha numa cidadezinha provocava uma grande comoção social por representar uma oportunidade de casamento, ou seja, um bom “partido”. A professora ganhava pouco, mas desfrutava de prestígio e crédito na comunidade. Com isso, era também um alvo dos malandros que desejavam viver às custas da esposa.
Com o passar do tempo, nada mudou para os educadores, melhor dizendo, a situação piorou. Ainda é uma categoria que enfrenta baixos salários, condições de trabalho nada condizentes com a sua importância na sociedade, convivendo com baixa estima e em muitos casos, com doenças crônicas e depressão.
Esta retrospectiva vem a propósito de mais um fato provocador de intranquilidade que atingiu o magistério estadual tempos atrás. Foram normas duras que provocaram, de um lado desemprego de professores convocados, e de outro, a aceleração de uma já preocupante evasão escolar.
A primeira situação, em nome de uma melhor equação dos gastos públicos, foi a extinção de salas de aulas com número inferior a 25 alunos. Isto provocou de imediato um remanejamento dos alunos para outras salas de aulas ou escolas, independente do seu estágio educacional desenvolvido até aquele momento. E os professores, passaram a “caçar” aulas em escolas distantes, para completar sua carga horária (isso no caso de professores efetivos). Os outros ficaram “a ver navios”.
A segunda situação de conflito foi a possibilidade (em debate ainda) da ampliação e duração das aulas do período noturno, propondo o início às 18hs30 terminando depois das 23hs00, esquecendo que aproximadamente 72% dos alunos trabalham durante o dia. Numa escola sem grandes atrativos, com certeza, a evasão escolar teria dimensões incalculáveis. Porém, o bom senso prevaleceu e a carga horária do período noturno continuará flexível, permitindo uma maior adequação da relação trabalho-escola- residência.
A questão fundamental é a qualidade do ensino para transformar a escola em instituição atrativa, e não os horários ou a aplicação de verbas. Técnicos e políticos adoram obras e tecnologia, especializando-se em construções de salas de aulas e compra de computadores. Mas tudo isso é inútil (e dinheiro jogado fora) se o professor não estiver devidamente preparado e aparelhado para cumprir o seu papel. Daí, é preciso com urgência rever as funções dos docentes da educação básica e, claro, valorizar este trabalho dignamente.
É necessário transformar a escola em um espaço a ser defendido, valorizado e preservado pela comunidade, para tornar-se edificante e digno para o professor (não é admissível que o professor vá à escola temeroso de sofrer uma violência) e, enfim, resgatar a função social do mestre, prioritária para uma sociedade democrática e pluralista.
O que se espera é uma profunda revolução na Educação, envolvendo professores, funcionários, alunos e comunidade. Porém, para tanto, é preciso ter coragem.
E sem essa de sacerdócio.
É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras
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