Lecionar na Educação Básica

Lecionar na Educação Básica

O sonho e os desafios de quem quer lecionar na Educação Básica

Salários baixos, sucateamento das escolas e descaso de governos são o cenário desmotivador que futuros professores encontra na carreira

Por: Fernanda da Costa      15/10/2016

O sonho e os desafios de quem quer lecionar na Educação Básica Carlos Macedo/Agencia RBS

Kaoni e Guilherme não desistiram da sala de aula como futuro profissional    Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS

Em um cenário cada vez mais desolador para os professores, principalmente para os que atuam na rede pública, escolher a profissão é quase um ato de resistência. Frente aos baixos salários e ao sucateamento das escolas, ainda há jovens que sonham com a sala de aula como local de trabalho. Mas o número deles está diminuindo.

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Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que, de 2009 para 2015, os cursos de licenciatura foram os únicos que tiveram queda no número de concluintes, na contramão do aumento dos formandos nos bacharelados e tecnólogos. Entre as licenciaturas, Matemática foi uma das que mais apresentaram queda: o número de formandos caiu 22% de 2009 a 2014 (dado mais recente curso a curso), passando de 9.278 para 7.216.

Apaixonada por cálculos desde o Ensino Fundamental, Kaoni Kenne, 24 anos, teve de enfrentar a contrariedade da família, de amigos e até de outros professores para ingressar na licenciatura em Matemática:

– Sempre tive o sonho de lecionar, desde pequena. Mas colocavam na minha cabeça que era horrível e não dava dinheiro. Todos com quem eu conversava diziam isso.

 

Devido ao desestímulo externo, a jovem resolveu prestar vestibular para Engenharia de Sistemas, na Uergs. Aprovada em 2010, entrou para o curso que possibilitava carreira com média salarial de R$ 6 mil, segundo levantamento do canal de empregos Love Mondays. Gostou das cadeiras de cálculos, mas se sentia insatisfeita. O desejo de ser professora só aumentava.

Em 2013, Kaoni prestou vestibular para Licenciatura em Matemática na UFRGS e foi aprovada. Abandonou a carreira ligada à informática, mesmo sabendo que poderá receber um salário quase três vezes inferior. Conforme o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2016, publicado pelo movimento Todos Pela Educação, a média de rendimento dos professores da Educação Básica era de R$ 2.214,90 em 2014, 70% menor do que a média dos profissionais de curso superior, de R$ 3.747,64. Comparado aos profissionais da área de exatas, os mais bem remunerados, cujo rendimento era de R$ 6,2 mil, o salário dos docentes era 180% menor.

Por causa da desvalorização da profissão, a acadêmica relata que é comum ouvir pessoas questionarem se ela tem certeza de que quer ser professora ou até a chamarem de "coitada", mas isso não a abala. Durante a faculdade, lecionou para escolas estaduais, adolescentes infratores, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e crianças com altas habilidades em matemática. As experiências confirmaram sua paixão pela docência, mas também mostraram a desmotivação dos professores diante da remuneração e da precariedade das escolas.

— Os professores saem da universidade cheios de vontade de mudar a educação e deparam com um sistema falido. O Estado encurrala de tal forma que você abandona a escola, se acomoda ou tenta lutar, que é o que pretendo fazer — afirma a jovem, que deseja lecionar na Educação Básica e fazer mestrado e doutorado, para trabalhar com a formação de professores.

Em março deste ano, ela foi aprovada para uma bolsa no Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI), em Portugal. Partiu para a Europa em setembro e retornará ao Brasil em agosto de 2017.

Valorização também durante a faculdade

Aluno da licenciatura em Ciências Sociais da UFRGS, Guilherme de Oliveira Soares, 29 anos, também integra o grupo dos acadêmicos que desejam atuar na Educação Básica, mas afirma que os professores precisam ser mais valorizados para que o número de alunos nas licenciaturas pare de cair.

– Salário e carga horária para planejamento das aulas é o mínimo, mas também é preciso trabalhar a valorização da docência por parte da universidade – diz.

Para isso, Guilherme defende uma mudança curricular que aproxime os acadêmicos das escolas. O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), do qual faz parte, é citado como exemplo de iniciativa para essa aproximação. O Pibid fornece bolsas para os licenciandos darem aulas e pesquisarem sobre a realidade escolar.

Escolas precárias e baixos salários afastam os estudantes da profissão

Titular da Coordenadoria de Licenciaturas da UFRGS, Roselane Zordan Costella afirma que o distanciamento dos candidatos da docência é motivado pelas condições precárias das escolas e pela baixa remuneração da carreira. Outros fatores que influenciam na decisão de quem quer cursar licenciatura são os problemas disciplinares dos alunos e a espera por concursos na área.

— Isso afasta os candidatos, porque eles preferem cursos que não dependam de concursos. A gente sabe que o universo das escolas privadas é muito pequeno, e a que oferece maior número de vagas é a pública — completa Roselane.

A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos, Elí Terezinha Henn Fabris, vê com preocupação o abandono da profissão pelos professores. Segundo a educadora, há muitas situações em que eles estão deixando a docência para se dedicar a qualquer outra atividade.

– Esse profissional está sofrendo. Se não tiver condições decentes dentro e fora da escola, não vai permanecer nela – avalia a pesquisadora.

Somente na rede estadual, de janeiro a 13 de outubro deste ano, 993 professores efetivos pediram exoneração. Se a debandada seguir no mesmo ritmo, será 13% superior a do último ano. Em 2015, foram 1.048. A falta de atratividade da rede também é demonstrada pela queda na procura pelos concursos. Em 1999, 85.427 docentes se candidataram a uma vaga no Estado. Em 2013, foram 66.296.

Para o Cpers, o problema é que o Rio Grande do Sul não paga o piso nacional do magistério, cujo valor atual é de R$ 2.135,64 para 40 horas semanais. A presidente do sindicato, Helenir Aguiar Schürer, reclama que o valor é repassado aos docentes apenas por meio de um complemento, garantido devido a um acordo entre governo e Ministério Público. Ou seja, como o piso não é o salário-base dos docentes, acaba não incidindo sobre as gratificações e o plano de carreira. O sindicato afirma que o salário-base para um professor recém-nomeado é de R$ 1.260,20 para jornada de 40 horas semanais, e de R$ 630,10 para 20 horas.

O secretário da Educação do Estado, Luís Antônio Alcoba de Freitas, afirma que o governo gostaria de "dar uma remuneração mais digna ao professor", mas "não consegue sequer pagar a folha em dia".

– Não há, neste momento, condição de os cofres públicos suportarem um reajuste de uma categoria tão grande. Se formos contar ativos e inativos, são mais de 170 mil professores. A curto prazo, não vislumbramos condições de o Estado suportar o pagamento do piso nos termos do Cpers – afirma Alcoba, acrescentando que a disputa sobre o piso ser uma referência ou apenas o salário básico ainda está em discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Salário, qualificação e compromisso de governos impulsionariam carreira

Uma pesquisa realizada pela Fundação Lemann e pelo Ibope Inteligência com professores da rede pública de todo o país, publicada no final de junho, mostrou que um em cada quatro professores acredita que o investimento dos governos na carreira é a ação prioritária para melhorar a educação.

— A gente precisa pensar na atratividade da carreira, fazer com que o salário seja bem valorizado e melhorar as condições de trabalho. Há vários aspectos ligados ao que engaja o professor na sala de aula, o que mais aparece na pesquisa é poder contribuir para o aprendizado dos alunos — comenta Ernesto Faria, economista especializado em educação e gerente de projetos da Fundação.

Além da valorização dos professores, a titular da Coordenadoria de Licenciaturas da UFRGS, Roselane Zordan Costella, elenca outras duas prioridades de investimento na educação: melhoria nas escolas e qualificação profissional.

– O professor não está sentindo a escola como lugar de ensino e aprendizagem. A precariedade é tão forte que não tem como – afirma.

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos, Elí Terezinha Henn Fabris completa que a educação precisa de políticas fortes, que não mudem conforme se altera o partido que está no comando.

— Todo governo que entra, municipal, estadual ou federal, muda tudo. As condições não são favoráveis para um trabalho profissional. Precisamos de políticas públicas com continuidade — avalia Elí Terezinha.

 

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