Lama em Mariana
Lama em Mariana e o VALE tudo do capital
Ricardo Alvarez e Gabriel Alvarez –
A terrível tragédia ocorrida em Mariana (MG) não é um caso isolado, ao contrário, multiplicam-se os exemplos de consequências trágicas das ações do grande capital em seu percurso: lucro fácil e rápido, acordos espúrios, exploração brutal do trabalho, competição predatória, apoio a tiranos e impactos ambientais incontornáveis, táticas que deixam uma longa trilha de destruição e mortes, mas garantem giro e rentabilidade.
A mística
O pensamento hegemônico tem por princípio exaltar a competência da iniciativa privada e as maravilhas do livre mercado em contrapartida promove estocadas periódicas contra os os serviços públicos, às ações dos movimentos sociais e à luta social por igualdade. Sua base é a desigualdade, logo, o contrário se torna ameaçador.
Habilmente costumam adjetivar o primeiro com qualificativos virtuosos, como liberdade, sucesso, conquista, avanços, dentre outros. O segundo vem acompanhado de baderna, desqualificação, preguiça, insucesso, etc.
Separar ambos, como se um não se completasse do outro, é trabalho da ideologia. Os grandes meios de comunicação, antes de atacarem ou defenderem os governos de plantão, são unânimes em exaltar cotidianamente a riqueza como conquista e a pobreza como derrota. Algumas pessoas chegam até a acreditar que riqueza e pobreza são resultados diferentes de coisas distintas. Engraçado é mostrar um mundo global para os negócios (todo relacionado e intrincado) mas ter que convencer, ao mesmo tempo, as massas de que as coisas de definem por dedicação e empenho individual: se ela trabalhar, ela chega lá.
Marx dizia que a pobreza é esporádica para alguns indivíduos dentre os trabalhadores, mas é perene para a classe como um todo no capitalismo. Nada mais certo.
O lucro nosso de cada dia
O centro da discussão é a questão do valor: a riqueza é produzida coletivamente e distribuída privadamente. Por isso uns ficam com nacos volumosos e a grande maioria passa necessidades. Em outras palavras, o PIB é gerado pelo coletivo da sociedade, mas a renda e a riqueza distribuídas ficam concentradas.
É preciso entender que os ricos não são maldosos por serem assim e nem os pobres devem ser santificados. O mecanismo se articula nas bases da estrutura produtiva, em especial, na propriedade privada da terra e dos meios de produção. E o lucro é exatamente isso: a parte da riqueza produzida socialmente e apropriada privadamente.
Eis que há um choque evidente entre as pregações fundamentalistas dos defensores do mercado e a realidade concreta que insiste em mostrar o contrário. O caso do rio de lama em Mariana é um desses episódios inequívocos.
Esconde-se que a mineradora Samarco, joint venture da Vale com a australiana BHP Billiton, é responsável pela tragédia, pois isso desmascara a máxima da competência da iniciativa privada. Coloca-se a culpa num tremor (natureza, portanto para além da nossa compreensão), num funcionário, nas chuvas, na lama ou no poder público, ou até nas pessoas que ocuparam a beira do rio, mas nunca no grande capital e no seu desejo incontido de lucro fácil e rápido.
É forçoso dizer que a barragem explodiu pois a empresa foi negligente e apostou na sorte. Enquanto a economia feita com manutenção e prevenção encheu as burras da sua conta corrente o lucro se fez privado. Quando a barragem veio abaixo as amargas consequências são coletivizadas. Os moradores e o meio-ambiente sabem disso.
Em resumo, as economias potencializadas em vários investimentos compensam eventuais desastres. O que se gasta com indenizações num episódio como este, soma valores bem abaixo do que se poupou no tempo e no espaço.
Mas a Vale não está sozinha. A lista de parceiros nesta estratégia é bem extensa.
O grande capital em transe
Vários diretores graúdos do grande capital nacional da empreitada está na cadeia. Compraram incessantemente e continuamente de vereadores a presidentes da República. Construíram o que devia e não devia, cobraram mais caro e repassaram para várias campanhas eleitorais, que vitoriosas, os contrataram novamente e novamente e novamente….
O grande capital das telecomunicações não fica atrás. No bordel da privatização se lambuzaram em lucros fáceis e vendem o que não entregam e entregam o que não vendem. São as campeãs, anos a fio, de reclamações dos consumidores brasileiros que pagam os preços mais caros do mundo de minuto falado e navegado, dentre outras práticas condenáveis. Não a toa o mexicano Carlos Slim figura entre os mais ricos do mundo. Você que tem celular é pai desta criança também.
E os bancos? Grande negócio rodeado de negociatas e vínculos espúrios com governos. Quando havia a inflação estratosférica enchiam as burras com o dinheiro do povo depositado em suas contas. De um dia para o outro, milhões a mais de lucros. Quando a inflação despencou, seus lucros explodiram. Absorveram a poupança social remunerando-a em 7% ao ano e, na outra ponta da negociata, cobram em seus empréstimos 12% ao mês. É a intermediação mais rentável do mundo. Barão de Itararé tinha razão quando dizia que “o banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro”. Brecht, na mesma linha afirmava: “O que é roubar um banco comparado a fundar um?”
Um outro caso recente confirma nossas especulações. A maior montadora de automóveis do mundo, a Volkswagen, assumiu que manipula os computadores dos carros para mostrar que poluem menos do que efetivamente o fazem. Trata-se de um caso explícito de busca de lucro. Muito lucro. Não bastasse isso, no Brasil a empresa assumiu diante de evidências incontestáveis apresentadas pela Comissão da Verdade, que torturou trabalhadores dentro da própria fábrica nos anos 70. O Führer deve ter ficado orgulhoso.
A Rede Globo apoiou e ajudou o Golpe Militar em 64. Recebeu em troco generosas concessões de canais de TV e rádio pelo Brasil a fora, que lhe foram muito úteis em sua história. Uma mão lava a outra. A disputa de mercado com outras emissoras ficou para as calendas. Além disso, sempre recebeu polpudas verbas federais de propaganda. Até hoje a Globo tem exclusividade de vários eventos, contradizendo seu discurso de defesa do livre mercado e da competição.
A lista das empresas que se beneficiaram nos governos militares é grande, não cabe aqui, mas os meios de comunicação são os melhores exemplos pelos serviços prestados: grupo Abril, grupo Folha, Estadão, etc..
Desmontar este castelo de mentiras sobre a eficiência do grande capital não é difícil.
Que tal chamar ao debate a confecção Zara (Amancio Ortega, seu proprietário, é o mais rico do mundo conforme a Revista Forbes), a Nike e a Apple (do idolatrado Steve Jobs), empresas que reconhecidamente utilizam mão de obra escrava em suas oficinas nos rincões mais distantes deste planeta, longe o suficiente de seus principais usuários. Ou as empresas de jóias que embelezam as dondocas às custas da exploração e morte na África, além das empresas de armamentos que traficam seus produtos alimentando guerras e mortes no Oriente Médio e na Ásia. Mas diante do deus lucro tudo se justifica e ganha razoabilidade.
Nazismo, Racismo e Guerra dão lucro também
A Volkswagen, lembra-se, também ganhou muito com Hitler vendendo os populares e iludindo a classe média com uma Alemanha que se reconstruía às custas de Campos de Concentração . A Kodak e a Siemens usaram mão de obra barata destes Campos, a Bayer produzia gases utilizados nas câmaras de extermínio em massa, a Hugo Boss fazendo uniformes para as tropas, a Coca-Cola criou a marca Fanta que foi o refrigerante oficial do III Reich (além de utilizar mão de obra escrava), Henri Ford foi condecorado por Hitler como um “empresário inovador”, a IBM fez equipamentos de controle e extermínio e, quanto mais se matava, mais ela lucrava.
Nos EUA e na África do Sul, onde por longa o apartheid foi uma política de estado, buscava-se isolar e desvalorizar o preço da mão de obra negra a ser contratada por salários menores pelas grandes empresas e, por consequência, aumentar seus lucros. É o que explica no Brasil salários diferentes para cores de peles diferentes na mesma função.
A guerra do Iraque contou com forte bombardeio aéreo da esquadra norte-americana. Depois de destruir, tem que reconstruir. Quem o fez? Um premio para os que citarem as empresas ianques, dentre elas a norte-americana de serviços petrolíferos Halliburton, que havia sido comandada pelo vice-presidente de George Bush, Dick Cheney. A coisa é feia, mas o nome é bonito: destruição criadora.
Não podemos esquecer das bombas de Hiroxima e Nagasaky, lançadas pelos EUA contra um Japão (temor com o inimigo externo) quase rendido e entregue. Mas sabia a Casa Branca que o efeito delas não seria o findar da Velha Ordem, mas sim o primeiro capítulo da Nova Ordem. As multinacionais bélicas amaram de paixão o período que se aproximava, conhecido como Guerra Fria.
Enfim, os exemplos são muitos e diversificados. Generalizam-se num ambiente de profunda competição e redução da margem de lucro (tendência histórica dos lucros médios decrescentes). O meio-ambiente paga esta conta. Os pobres também. Como explicar a fome num mundo de obesos, de grandes conquistas tecnológicas e de produção farta de alimentos?
A competência das grandes empresas é um mito que ganha corações e mentes. O livre mercado é outro fetiche, que desmorona diante do poder dos grandes conglomerados num ambiente monopolizado dos negócios. O mundo não funciona em tese. Ele é a exata medida da guerra que se estabelece pela obtenção do lucro, marcado pelo Vale tudo e o salve-se quem puder.
Ricardo Alvarez é geógrafo e editor do site Controvérsia. Gabriel Alvarez é graduando em Gestão e Planejamento do Território na Universidade Federal do ABC.