José de Alencar na escola
O que a escola ensina sobre José de Alencar?
As escolas ensinam tudo o que deveriam sobre nossos grandes escritores?
Ensinam que José de Alencar foi racista, escravista ferrenho e teórico da infâmia?
Ensinam que o autor de “Iracema” votou contra a lei do Ventre Livre? Em meu livro “Raízes do conservadorismo brasileiro: a abolição na imprensa e no imaginário social” (com desconto para assinante no Correio do Povo) mostro que se tentou dissimular o passado de Alencar dizendo que ele havia abandonado a política em 1870. O objetivo era esconder o seu odioso voto de 1871.
José de Alencar abusava de sua retórica literária de mau gosto para defender a escravidão: “Vós quereis a emancipação como uma vã ostentação. Sacrificai os interesses máximos da pátria a veleidades de glória. Entendeis que libertar é unicamente subtrair ao cativeiro e não vos lembrais de que a liberdade concedida a essa massas brutas é um dom funesto; é o fogo sagrado entregue ao ímpeto, ao arrojo de um novo e selvagem Prometeu!” O cativeiro, segundo ele, era de interesse cívico.
A responsabilidade deveria ser colocada acima da liberdade.
Num arroubo verborrágico, defendeu a escravidão como avanço social por meio legal: “É, pois, um sentimento injusto e pouco generoso o gratuito rancor às instituições que deixaram de existir ou estão expirantes. Toda a lei é justa, útil, moral, quando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova situação, embora imperfeita da humanidade. Neste caso está a escravidão”. Uma escola sem partido deve ensinar também esta parte da obra de José de Alencar ou apenas as suas caricaturas sobre tipos regionais brasileiros da sua época? Enquanto a Faculdade de Direito de São Paulo fervilhava de jovens abolicionistas, enquanto Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Castro Alves e tantos outros desembainhavam suas penas, Alencar escravizava.
Os seus elogios à escravidão não tinham limite: “É uma forma, rude embora, do direito; uma fase do progresso; um instrumento da civilização”. Sofismava como esmero de ficcionista: “Na qualidade de instituição me parece tão respeitável como a colonização; porém muito superior quanto ao serviço que prestou ao desenvolvimento social. De feito, na história do progresso representa a escravidão o primeiro impulso do homem para a vida coletiva, o elo primitivo da comunhão entre os povos. O cativeiro foi o embrião da sociedade; embrião da família no direito civil; embrião do estado no direito público”.
Não me lembro de ter ouvido uma só palavra sobre isso em todas as boas escolas por onde passei na vida. Só fui saber disso pesquisando por conta própria. Certamente há professores que abordam esses aspectos polêmicos nas suas aulas, mas devem ser exceções que confirmam o silêncio. O historiador é um repórter que cobre o passado. A sua missão, na esteira de uma famosa frase sobre o jornalismo, é publicar aquilo que alguém gostaria de continuar escondendo. A biografia de Alencar contamina a sua literatura? É uma boa questão. Em todo caso, se a biografia não explica a obra, a obra, mesmo que seja obra-prima, não apaga a biografia do autor. A infâmia não desaparece.
Tem partido a escola que esconde o pior de Alencar?