Aos 30, sem diploma
São quase dez da noite. Meu dia começou às seis da manhã e não vai parar até a uma - pra começar às seis de novo. Não tive tempo pra nada entre o trabalho e a faculdade e agora eu tô morto de fome, lutando contra o sono, ouvindo um professor falar pelo décimo quinto minuto seguido sobre amenidades que não têm qualquer relação com a disciplina. Sim, tá tudo errado.
Rotinas puxadas cansam, mas não me assustam. O que mais pesa é a frustração de caminhar sem sair do lugar; de saber com clareza o motivo que ainda me leva a continuar investindo as únicas horas livres do dia e uma boa fatia do salário numa faculdade de jornalismo: o mercado de trabalho.
Estar sem diploma aos 30 não foi opção. Já deveria ter me formado há anos, mas as circunstâncias me obrigaram a priorizar o salário pelo menos até os 27, quando parei definitivamente de labutar viajando (sim, eu faria tudo de novo) e pude me dedicar aos estudos a passos lentos, mas com um mínimo de regularidade.
Sou um aprendiz de jornalista vira-casaca. Caí de paraquedas no mundo da redação publicitária e fiquei. Apesar de estar num mercado que se mostra mais aberto que a média à substituição do diploma por capacidade criativa, segui com o curso de jornalismo. Além de me habilitar a fazer algo que sempre admirei, ele me daria o tal canudo - item básico da listinha para a vida segura de qualquer brasileiro médio, como a casa própria.
Enquanto minha carreira em publicidade avançava, eu vivia um dilema. Uma boa oportunidade surgiu, mas exigia trabalhar numa cidade vizinha e, consequentemente, deixar para trás, mais que o emprego como redator júnior, a vaga numa universidade federal onde eu adorava estar. Com aulas começando às quatro da tarde e sem opção de mudança de turno, o caminho mais curto era aceitar a realidade e terminar de cursar jornalismo numa universidade particular perto do novo trabalho.
Escolhi uma instituição que parecia oferecer ensino de qualidade por um preço que eu podia pagar e comecei com o mínimo de créditos. Dois períodos por lá foram suficientes para que eu passasse a questionar a necessidade de investir tanto tempo e dinheiro na conclusão do curso.
As aulas estão lotadas de zumbis aprisionados no Ensino Médio que não têm ideia do que fazem em sala - em muitos casos seres apáticos que não largam os smartphones por nada e deixam os professores falando sozinhos a maior parte do tempo. Pouco interesse, pouco debate, pouco aprendizado. Uma descrição espantosa para a realidade de um curso de comunicação, certo?
Alguns professores ainda se dividem entre suspiros de falta de motivação e tentativas de ressuscitar a turma, mas há outros que reforçam a minha indignação, seja por ministrarem disciplinas vazias de propósito (típica encheção de linguiça das particulares), seja por se perderem em bate-papos prolongados totalmente fora de contexto mesmo tendo um bom assunto a ser explorado.
Eu simplesmente não estou aprendendo nada que não possa absorver ou não tenha aprendido fora de sala, sozinho, pela internet ou no mercado de trabalho. E, não, nada me convence de que essas são as regras do jogo.
Seria fácil aproveitar essa situação para avançar pelos períodos cursando tudo na maciota e receber, enfim, o tal diploma -- que no fim das contas só vale o quanto falam enquanto você ainda não tem o seu.
Mas não, eu realmente me sinto sufocado por sacrificar uma fatia tão expressiva do meu tempo e do meu dinheiro para satisfazer uma exigência de um mercado burro e retrógrado, que deveria valorizar a iniciativa de quem sabe que pode produzir mais e melhor investindo nas coisas certas, especialmente numa área que permite isso, como a comunicação.
A internet está repleta de cursos MOOC (massive open online course) relativamente baratos, elaborados e ministrados por instituições reconhecidas mundialmente, com propostas infinitamente mais interessantes que muita ementa de disciplina de graduação; escolas criativas espalhadas por diversas cidades do país oferecem cada vez mais cursos de nicho com propostas boas e produtivas... e por que raios eu e tantos outros ainda precisamos conviver com as incertezas de um mercado que valoriza cegamente o diploma da graduação? Não bate.
Tirando uma disciplina, uma turma e um professor ou outros, a universidade se transformou numa máquina de produção de gente que nada questiona e pouco evolui. O diploma como única finalidade, fruto de uma exigência oca e sem sentido, precisa ser repensado.
Se, como dizem, é o aluno que traça a sua própria jornada, por que ainda não temos a liberdade de buscar algo realmente válido para a vida profissional?
Ou renovamos o sentido da vida acadêmica, ou paramos de submeter as pessoas à frustração de sacrificarem tempo e dinheiro em uma formalidade antiquada e contraproducente. É simples, é tendência e vai ser bom para todos.
Texto publicado originalmente no Medium.
http://www.brasilpost.com.br/rodrigo-sanchez/aos-30-sem-diploma_b_7102472.html?ncid=fcbklnkbrhpmg00000004