Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, de São Paulo. Foi secretário municipal de Finanças na gestão da prefeita Luiza Erundina na capital paulista (1989-1992). É consultor nas áreas fiscal, orçamentária e tributária
Fórum – A situação econômica atual é caótica como se pinta? Amir Khair – O Brasil é um país fortíssimo, tem economia de mercado forte, tem possibilidade de consumo maravilhosa, uma indústria diversificada, uma agricultura de ponta, um subsolo fantástico, enfim, reunimos condições espetaculares em um único país, isso é raro. Porém, esses recursos são muito mal utilizados. O que vem acontecendo, que causa todo esse mal que estamos assistindo há muitos anos, independentemente se o governo é de Fernando Henrique, Lula ou Dilma, é que, aqui no Brasil, foi eleita a inflação como fio condutor da economia. Qualquer coisa que se faça, alguém vai lembrar que isso vai dar inflação. Em função disso, o Banco Central, que foi eleito o guardião da inflação, usa a Selic como instrumento de controle dela, que está muito elevada para o padrão internacional. Ou seja, os outros países, há muitos anos, epraticam a Selic deles, que é a taxa base de juros, no nível da inflação do país. Se a inflação é zero, como no Japão e nos EUA, a taxa básica de juros é zero. Nos países emergentes, vai haver uma inflação de 5%, e a taxa básica é 5%. Não existe juro real, o juro real é zero.O Brasil não, aqui praticamos uma taxa de juro real de 6 pontos acima da inflação, estamos com a Selic próxima a 13% com uma inflação de 6% ou 7%. O que ocorre é que, ao se estabelecer pelo BC uma taxa de juros elevada, acaba fazendo com que as outras taxas de juros públicas sejam elevadas. Sou o investidor e vou comprar um título do governo, se a Selic sobe, pego esse título e vou trabalhar com a Selic. Se estou pegando um título que é corrigido pelo índice de inflação, estou sempre olhando se a Selic não vai ser melhor. Então, a Selic é quem baliza. Quando ela está muito elevada, a taxa de juros que incide sobre a dívida pública é muito alta. Não é que a dívida pública seja alta, ela está razoável, por volta de 60%, o que está errado é a taxa de juros. O Japão, por exemplo, tem 200% de dívida pública.
Fórum – Que tipos de medidas devem ser tomadas para se preservar o emprego e a renda no país? Khair – Isso é possível e está muito interligada uma coisa na outra. Por isso que minha tese é que o primeiro movimento imediato deve ser a Selic, o resto vai se encaixando. Ao reduzi-la – o que é uma decisão da Presidência, não depende do Congresso –, a conta de juros que o setor público paga, que bateu em 6,1% do PIB, vai caindo rapidamente para o nível de 3% ou 4%, e aí se faz uma revolução fiscal, mantendo um equilíbrio das contas públicas sem precisar de um superávit primário elevado. Quando você deixa de queimar dinheiro com juros, que beneficiam o rentismo do país e o setor financeiro, que aplicam em títulos do governo (os bancos principalmente) se está automaticamente abrindo espaço fiscal para as áreas da saúde, educação e segurança pública. Esse argumento de que não tem dinheiro para fazer as coisas é uma grande mentira, porque o dinheiro existe, mas é queimado pagando juros desnecessários. Para tudo isso, basta uma ordem da presidência.O segundo impacto, ao se mexer na Selic, é nas contas externas e na competitividade das empresas brasileiras. O Brasil está com o câmbio artificialmente baixo, estamos com R$ 3,10, mas historicamente esse câmbio deveria estar próximo de R$ 4 se considerarmos todas as condicionantes de exportação e competitividade internacional do Brasil. Então, nós estamos fora, completamente fora, e isso é uma política deliberada do Banco Central, de manter o câmbio valorizado. Quando a Selic está elevada, no padrão internacional, se atiçam as operações chamadas QR3, ou seja, o investidor internacional pega o dinheiro a custo zero praticamente, seja na Europa, no Japão ou EUA, traz esse dinheiro para cá, aplica o dinheiro em títulos do governo, ganha os 13% em cima disso e depois repatria. Como no resto do mundo ele não vai achar uma taxa tão alta, ao invés de repatriar, ele reaplica. Fica com uma montanha de dólares na economia brasileira, aproveitando essa alta taxa. Esse dinheiro não beneficia o país em nada, só rende juros para o capital internacional, com isso o real fica forte e as importações ficam baratas. Na hora de comprar um produto na vitrine, compro o importado que está muito barato.Com isso, passa a existir um rombo nas transações correntes do Brasil, que, não tendo exportação suficiente, fica impossível competir com o dólar a R$ 3. Dessa forma, não consigo exportar e importo muito mais do que devia, consequentemente minha balança comercial deixa de ser fortemente superavitária, como ano passado, e passa a ser deficitária. Como tenho outras contas externas como juros, como dividendos, como seguros e etc, que é a chamada balança de rendas e serviços, acabo ficando com o déficit, que no ano passado fechou com um rombo de U$$ 91 bilhões, ou 4,2% do PIB. Nesse ano, se o câmbio não melhorar, vamos novamente quebrar as contas externas.Quando se coloca a Selic no lugar, há uma série de benefícios como o equilíbrio nas contas internas e externas, além de equilíbrio econômico. Não preciso do Congresso e nem negociar nada, fujo das negociatas políticas. Só não se faz isso porque vai dar inflação e a equipe econômica do governo está sendo chantageada por todos os lados, no Congresso e no mercado financeiro. As minhas propostas para colocar a casa em ordem rapidamente em relação à questão fiscal: parar de emitir título público, emitindo moeda como faz EUA, Europa e Japão desde 2008; segundo, não precisa de U$$ 380 bilhões de reservas internacionais, essas reservas foram feitas com o endividamento em Selic, isso é um crime, não precisamos.
Fórum – Qual seria a importância, hoje, de uma reforma tributária que tornasse o sistema mais justo? Nesse cenário, como entre a taxação das grandes fortunas, por exemplo? Khair – Com esse Congresso e com essa sociedade que temos, a resposta é “não”. Defendo o imposto sobre grandes fortunas, isso deveria ser feito no Brasil desde muito tempo, mas não foi regulamentado porque os parlamentares são atingidos no bolso e essa é a razão. Nós temos um Congresso que só legisla em nome do interesse dos parlamentares, é um clube fechado que não legisla para a maioria da população. Não acredito em reforma tributária sem uma mudança de contexto político, com uma sociedade mais bem informada e sem essa mídia que é uma porcaria.
Fórum – O dólar em alta pode ser uma solução para um problema apontado por muitos economistas, a sobrevalorização cambial? Como o país pode aproveitar este momento? Khair – O benefício maior é o crescimento econômico, as empresas brasileiras passam a ter competitividade, elas foram tolhidas em sua competitividade porque, com um câmbio nessa faixa, impede-se que elas possam competir até aqui dentro, imagina lá fora. O maior benefício na mudança cambial, no meu ponto de vista, é permitir competitividade aqui no Brasil, com geração de emprego aqui.
Fórum – Qual a importância de uma eventual recessão no cenário político? Khair – A recessão já existe e está em curso, nesse ano vamos perder 1% do PIB e acho que estamos no limite dessa política econômica.
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