Conselho ao novo Minístro

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Cristovam Buarque: "O MEC tem de ser o ministério das crianças"

O senador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação, fala dos desafios de Renato Janine Ribeiro no novo cargo e dá um conselho ao novo ministro: "Aprenda com os meus erros. Não polemize, convença”

FLÁVIA YURI OSHIMA            06/04/2015 

O senador Cristovam Buarque conhece como poucos as estranhas da administração pública na área de Educação. Foi reitor da Universidade de Brasília, governador da capital do país e ministro da Educação entre 2003 e 2004, no primeiro mandato de Lula. Direto do Nepal, onde participa da reunião Parlamentares sem Fronteiras, o senador respondeu sobre os desafios que o novo ministro da Educação, o filósofo Renato Janine Ribeiro, deve encontrar a partir de hoje, quando toma posse. Para o senador, o MEC hoje é o ministério das universidades. "Ele deve voltar a cuidar da nossa educação de base. O CPF e o CEP da criança não pode definir o tipo de ensino que ela receberá. A boa educação pública tem de estar disponível para todos". Sobre o novo ministro, Cristovam afirma que a pouca experiência na gestão pública pode jogar a favor de Janine,  "por evitar os vícios dos que pertencem à máfia da gestão pública". Ele dá um conselho final: "Não cometa o mesmo erro que eu. Não polemize com a presidente, como eu fiz com Lula. Tente convencê-la".
 

Senador Cristovam Buarque (Foto: Divulgação)

ÉPOCA - Quais são os maiores desafios do Ministério da Educação?
Cristovam Buarque 
- Não há dúvida de que o Brasil avançou nas últimas três décadas na educação infantil. Conseguimos matricular muito mais crianças, quase universalizar a matrícula nas primeiras séries. Mas não conseguimos manter as crianças na escola até o final do ensino médio, nem oferecer a qualidade que os tempos atuais exigem. O resultado é que, apesar dos avanços, estamos mais atrasados, porque a necessidade de educação cresceu mais rapidamente do que o aumento na oferta e na qualidade. E a desigualdade aumentou porque embora a educação dos filhos dos pobres tenha melhorado, a educação dos ricos dispõe de recursos muitos superiores de há vinte anos.Nosso desafio tem três componentes: manter toda criança na escola até o final do ensino médio, elevar a qualidade média da educação ao nível dos melhores países, e igualar a qualidade da educação de cada criança independentemente da renda de sua família e da cidade onde mora.

O grande desafio político é fazer o Brasil entender a importância da educação na construção de um país eficiente e harmônico, ou seja, desenvolvido nos moldes que desejamos para a sociedade e a economia. O Brasil ainda não entendeu que a porta para o futuro está na capacidade de gerar conhecimento. Entendido isso, é preciso convencer o Brasil de que só teremos porta aberta para o mundo da inovação se não aceitarmos desperdiçar um único cérebro, dando a todos eles a chance de uma boa educação de base. E para que a sociedade consiga um grau de integração e harmonia satisfatório, todas as crianças devem ter acesso à educação com a mesma qualidade. O desafio, portanto, é apagar os dois carimbos colocados na testa de cada criança brasileira: o CPF da família e o CEP da cidade onde mora. Para isso, a educação pública deve ser de qualidade equivalente àquela dos melhores países do mundo, para todos.
Se este desafio político for superado, o desafio técnico será definir um calendário pelo qual a nação brasileira, através do governo federal, adotará as escolas públicas municipais e estaduais: com uma carreira federal para os professores, nos moldes das escolas federais atuais. Sem isso, será impossível fazer a revolução educacional de que o Brasil precisa. Sem isso, estamos condenando nossas crianças à realidade do município onde vivem e da família a que pertencem.

ÉPOCA - Há quem diga que a Educação é uma pasta de gestão complexa pela variedade do tipo de regras, avaliações e órgãos que compõem a área. O senhor concorda com isso?
Buarque - Não há tanta complicação legal. Outros ministérios são muito piores, inclusive o do Meio Ambiente, o da Justiça, o da Fazenda. O problema do MEC é a mistura entre  Ensino Superior e educação de base. A preferência brasileira por dar mais importância ao que interessa à população privilegiada e à economia fez com que o MEC se concentrasse no Ensino Superior e na formação de mão de obra de nível médio para a economia, cuidando das universidades federais e das escolas técnicas. Ele deixou a educação de base para os municípios e estados. O MEC, na verdade, é o ministério do ensino superior. Isso faz com que a gestão relegue os aspectos da educação de base.

ÉPOCA - O novo ministro, Renato Janine Ribeiro, não tem experiência em gestão pública. De que forma ele pode se movimentar com eficiência na área?
Buarque -
 Ministro tem de ter filosofia, estratégia e competência para ouvir os técnicos. Não fará falta sua experiência em gestão pública. Isso pode até ser positivo por evitar nele certos vícios dos que pertencem à máfia da gestão pública, que vêm os meios como se fossem os fins, e se dedicam mais a atrapalhar, criando dificuldades.

ÉPOCA - Algum conselho para o novo Ministro começar com o pé direito, baseado em sua experiência?
Buarque - Três conselhos. Primeiro, não esquecer que é o ministro das crianças. Outro: não diminuir sua importância. Ele  é certamente o ministro mais importante para o futuro do Brasil. Terceiro conselho: ser ambicioso, não se contentar em gerenciar os problemas do MEC. Ele deve querer ser o filósofo-estadista-operador que vai ajudar a abrir as portas do mundo da inovação para o Brasil. Um dos maiores problemas da gestão educacional no Brasil e da percepção dos professores é a modéstia ao  definir objetivos e fazer reivindicações. Finalmente, aprenda com meus erros: tente convencer a presidente, no lugar de polemizar com ela com fiz com Lula. E não esquecer de colocar na parede de seu gabinete uma frase: quero dar minha contribuição para que o filho do trabalhador e o do pobre estudem em escolas com a mesma qualidade que o filho do patrão e do rico. E que estas escolas estejam entre as melhores do mundo.

ÉPOCA - Quais são os assuntos de maior urgência na área de educação hoje?
Buarque -  
 O maior desafio é encontrar a resposta à pergunta: como fazer o Brasil estar entre os melhores países do mundo em educação, entre os 15 melhores do PISA em 20 a 30 anos?

 

http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/04/cristovam-buarque-o-mec-tem-de-ser-o-ministerio-das-criancas.html




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