Guarda compartilhada
O que muda com a guarda compartilhada?
As crianças precisarão viver em duas casas? O que acontece se os pais não entrarem em acordo? O que cada um pode decidir sem consultar o outro? Quem não paga pensão pode ficar com o filho? Saiba como funciona a nova lei para casais separados
Crianças que vivem sob a guarda compartilhada têm maior autoestima, menos problemas emocionais e se saem melhor na escola do que aquelas que são criadas sob o regime de guarda unilateral. Isso é o que diz uma revisão de estudos americanos do Departamento de Saúde e Higiene Mental de Baltimore, com mais de 2.500 famílias. Não deixa de ser uma boa notícia para pais e mães que ficaram cheios de dúvidas e preocupações depois da aprovação da lei que trata sobre a guarda dos filhos, no fim de 2014.
A modalidade existe no Código Civil Brasileiro desde 2008, mas raramente era aplicada por juízes. Em 2010, para se ter uma ideia, 87,3% das guardas foram concedidas às mulheres e só 5,5% eram compartilhadas entre o casal (em 2013, esse número subiu um pouco – foi para 6,8%). Agora, desde a sanção da nova norma, ela é regra e não exceção. Isso quer dizer que, daqui para a frente, a maioria dos pais dividirá as responsabilidades, as decisões e a rotina no que diz respeito aos filhos.
A ideia de guarda compartilhada tem origem na Inglaterra, na década de 1960, onde é regra, mas está se popularizando pelo mundo. Estados Unidos e Alemanha adotaramo modelo, enquanto a Austrália tem uma lei que encoraja a Justiça a conceder esse modelo. No Canadá, o formato também vem sendo adotado. No Brasil, há advogados que defendem a lei, alegando ser uma ótima oportunidade para os pais conviverem harmonicamente e para a criança ter a chance de estar em contato com os dois.
Outros acreditam que a decisão força um diálogo que nem sempre existe entre as partes e que, na prática, pouco irá mudar. Mas todos concordam em um ponto: ainda é cedo demais para prever com exatidão como a medida funcionará de fato e se facilitará, ou não, a convivência familiar.
Para começo de conversa...
Em que casa ficam as crianças
Compartilhar a guarda é dividir entre os pais as responsabilidades e as decisões sobre a vida do filho. É permitir que ambos estejam presentes na criação e no dia a dia. Mas isso não significa que ele terá de viver em uma casa a cada semana. A residência da criança será a mais bem estruturada para facilitar a rotina. O juiz pode estabelecer eventuais pernoites na casa do outro genitor, se isso for viável (dependendo da proximidade dos endereços e do interesse dos adultos), assim como apontará com quem o menor ficará em feriados, fins de semana e férias.
Quando o juiz entra em cena
A resolução pode acontecer de maneira consensual entre os responsáveis, ou seja, eles dialogam e concordam sobre o melhor modelo, passam a decisão a um advogado e o juiz apenas homologa. Para quem não consegue se entender, a mediação familiar é uma ferramenta que ajuda a resolver esse tipo de conflito, pois o mediador (um profissional com formação em serviço social) auxilia no diálogo até chegar a um consenso positivo para todas as partes, especialmente para a criança. Há diversos meios para isso. Um deles é o advogado solicitar, na petição, que o juiz encaminhe o caso para a mediação. Algumas ONGs também oferecem esse serviço .
A guarda compartilhada pode ser negada
Isso acontece se um dos pais é dependente químico, abusa física ou psicologicamente do filho, não deseja a guarda, está na prisão ou apresenta qualquer outra questão que o impossibilite de cuidar da criança. Problemas econômicos (como a baixa renda) não são impeditivos.
Revisão de guarda
Se a guarda unilateral já existe e uma das partes tem interesse na compartilhada, deve entrar na Justiça com uma ação revisional, pois ela não mudará automaticamente com a lei.
Avaliação dos pais
Ela é regra, ou seja, vale para a maioria dos casais. Mas, para ser aplicada, os dois genitores devem ter condições de cuidar da criança. Por isso, eles passam por perícias social e psicológica, para avaliar diversos aspectos da família. O juiz leva em conta esse procedimento para conceder a guarda mais adequada.
Pais que moram distantes
A guarda compartilhada visa estimular o convívio da criança com os pais em sua rotina. Se as casas deles ficam distantes, uma das partes não estará tão presente no dia a dia, mas isso não é impeditivo para estar na vida dos filhos. Um dos responsáveis pode se fazer próximo de diversas formas, mesmo morando longe: há comunicação por telefone e via internet. Um dos especialistas consultados citou o exemplo de um pai que gravou CDs com histórias que ele mesmo narrava para o filho escutar antes de dormir. Seu objetivo era fazer presente sua voz. Cabe à mãe, nesse caso, permitir o vínculo e colaborar com a construção do afeto.
Decisões em conjunto x separadas
Os pais devem se responsabilizar e estar de acordo sobre todas as decisões relativas à vida do filho. Tudo bem decidir sozinho sobre coisas simples, como autorizar a dormir na casa de um amigo ou ir a um passeio da escola, mas sempre levando em conta o que a outra parte pensaria. Resoluções como uma viagem internacional, mudança de colégio, cirurgias e escolha de religião devem ser acordadas em conjunto. Se acontecer, por exemplo, de um dos dois querer levar o filho para a Disney e a outra parte não autorizar, é possível entrar com ação para o juiz decidir o melhor para a criança. O mesmo vale para a saúde: se um deles tem dinheiro para bancar um tratamento médico de ponta, mas o outro se recusa a aceitar por mero capricho, o juiz poderá intervir.
Pais que mentem ou omitem
Quem mente comete um ato ilícito, um abuso do poder parental. É importante ressaltar que o filho não pertence a um dos dois. Se a criança caiu e se machucou com um deles, o outro deve ser informado. O pai ou a mãe que omite informações pode sofrer advertências do juiz e até ter de pagar multas caso isso aconteça com frequência. Sempre que possível, a outra parte deve reunir provas das mentiras, como mensagens de celular e e-mails. Dependendo do caso e da interpretação do juiz, o genitor pode ser impedido de conviver livremente com a criança, pois se mostra uma pessoa incoerente e incapaz de exercer o poder familiar.
http://revistacrescer.globo.com/Familia/noticia/2015/03/o-que-muda-com-guarda-compartilhada.html