Pedir paciência

Pedir paciência

 Pedir paciência é muito pouco

Confesso que não assisti o pronunciamento da presidenta Dilma (estava preparando minhas aulas da UnB), mas ouvi o panelaço feito pela classe média do meu bairro. Li atentamente o pronunciamento e apresento algumas reflexões.

O pronunciamento foi uma tentativa de sair do “corner político” em que o governo se encontra. Foi construído para dialogar com os segmentos sociais que continuam aprovando o governo e evitar uma perda ainda maior de densidade. O alvo não foi a classe média revoltada e que votou no Aécio, mas certamente foram os setores mais pobres.

A presidenta, entretanto, perdeu uma bela oportunidade de anunciar mudanças de rumo em seu segundo mandato, que breve em termos de dias, parece um governo bastante envelhecido e sem rumo. O eixo foi a explicação do inexplicável, ou seja, justificar que defendeu um rumo no segundo turno da campanha e está fazendo outra coisa após a vitória apertada que teve.


Em primeiro lugar, não é verdade que não era possível prever que a crise iria durar tanto tempo. A presidenta disse que “não havia como prever que a crise internacional duraria tanto”. Não é verdade e o governo disse várias vezes que havíamos passado incólumes pela crise mundial, fato vendido como grande mérito do segundo mandato de Lula e primeiro de Dilma. É verdade que temos algo sazonal (crise climática), mas essa também poderia ter sido evitado ou pelo menos minimizada nos seus efeitos. E mesmo admitindo a gravidade da crise, a presidenta continuou querendo enrolar o povo, dizendo que “passamos por problemas conjunturais, mas nossos fundamentos continuam sólidos”.

Em segundo lugar, não é verdade que os efeitos da crise estão sendo divididos igualitariamente, quando fala de “sacrifícios temporários para todos”. Os ajustes fiscais atingem de forma mais violenta os mais pobres, justamente os que não possuem meios para proteger seus recursos dos ataques governamentais. Os grandes empresários sempre conseguem se defender, mas aqueles que vivem do trabalho possuem poucos meios para isso. E existem setores diretamente beneficiados pelo ajuste, basta ver a situação dos bancos e dos credores de nossa dívida pública.

Em terceiro lugar, Dilma afirmou que nosso povo está protegido naquilo que é mais importante: sua capacidade de produzir, ganhar sua renda e de proteger sua família”. É óbvio que isso também não é verdade. O aumento das tarifas públicas e dos serviços impacta os preços dos produtos e aumenta os gastos mensais das famílias brasileiras. A paralisia na economia torna mais difícil a correção dos salários dos trabalhadores e os cortes orçamentários afetam a expansão e a qualidade dos serviços públicos. Soa falso afirmar que fazendo os pacotes de austeridade o governo está “protegendo de forma especial as classes trabalhadoras, as classes médias e os setores mais vulneráveis”.

Em quarto lugar, em um dos pontos mais sensíveis das críticas ao seu governo, que é o escândalo da Petrobrás, a presidenta foi genérica, como se nada tivesse a ver com a forma de se governar, com as alianças, com o acobertamento do toma-lá-dá-cá vigente na política brasileira. Verdade que a corrupção não começou com o PT (não podemos ser injustos com os governos anteriores, inclusive dos “éticos” tucanos), mas se esperava que a “faxina” anunciada no início do seu primeiro mandato tivesse surtido algum efeito. Apenas disse que está sendo aplicada “duramente a mão da justiça contra os corruptos”. Mas quem são os corruptos? O que o governo (que está há doze anos no poder) fez para desmontar os esquemas? E, sabendo dos mesmos, que providências estruturais decidiu tomar?

E, não menos importante do que os itens acima comentados, a presidenta, numa atitude claramente defensiva, reconheceu que o povo “tem todo direito de se irritar e de se preocupar”, mas pediu “paciência e compreensão porque esta situação é passageira”. E foi além, pediu para o povo brasileiro que confie “na condução deste processo pelo governo e pelo Congresso”.

Existe um clima de insatisfação contra o governo. De um lado, temos o rescaldo da polarização eleitoral, de um voto anti-petista de classe média, o que poderia apenas em parte o panelaço que ocorreu durante o pronunciamento presidencial. Porém, seria absurdo achar que os “irritados e preocupados” se resumem aos que ficaram frustrados com o resultado da eleição. As medidas econômicas do governo, todas tomadas após as eleições e contraditórias com o discurso eleitoral, afetam diretamente a vida das pessoas.

Por que o povo brasileiro deveria ter “paciência e compreensão”? Nada indica que a situação seja passageira, nada indica que o governo desta vez esteja falando a verdade, nada indica que os salários serão protegidos, nada indica que a corrupção será combatida e expurgada do modus operandi governamental. E pedir para confiar na condução do governo é algo temerário, sem falar de que confiar no Congresso, dias após a divulgação da pequena lista de parlamentares envolvidos no escândalo da Petrobrás, foi uma péssima ideia.

É claro que diante de um sentimento conservador, somados a um governo perdido e fazendo maldades, a direita tenha muita capacidade de capitalizar a insatisfação. O panelaço restrito aos bairros de classe média indica que o governo ainda tem apoio de parcela da população. Porém, o que esta parcela recebeu da presidenta para que continuasse a apoiá-la? Um pedido de paciência, uma promessa de que a crise é passageira e uma afirmação mentirosa de que seu bolso será protegido. É pouco para sair do “corner”, é pouco para evitar o crescimento da direita.

Mudanças de rumo à esquerda são necessárias, mas ficou evidente de que somente uma forte e vigorosa pressão social pode derrotar o pacote de maldades e exigir novo caminho do governo. Convocar ato em favor do governo é o pior serviço que os movimentos sociais podem fazer para que a direita não tome a dianteira e exija o impeachment da presidenta. Tais atos somente teriam credibilidade se o governo estivesse claramente fazendo uma opção por proteger os mais desfavorecidos no combate à crise, o que não é o caso. Os grandes estão protegidos, mas querem mais, querem um governo fraco e dependente de seus interesses, cada vez mais

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