Universalização só em 30 anos
Escola para todos só em 30 anos
Joana Suarez - O Tempo - 12/03/2015 - Belo Horizonte, MG
“As oportunidades que as escolas dão para a gente geram escolhas. As escolhas geram histórias, e a vida é feita de histórias. Só conta quem viveu”. A frase do adolescente Mateus Meireles, 16, retrata aquilo que o Brasil mais precisa dar a seus estudantes: oportunidade de aprender. Se o país continuar no ritmo que está, só daqui a 30 anos todos os jovens entre 15 e 17 anos estarão estudando na série correta.
Um estudo inédito apontou que esse seria o tempo gasto para que os adolescentes brasileiros fossem incluídos na rede de ensino, na faixa etária correta. A projeção se baseia no fato de que, em 2004, cerca de 50% dos jovens estavam na sala de aula, e, em 2014, esse percentual passou para 59%. Para chegar aos 100%, caminhando nesse ritmo, duas gerações seriam perdidas, com alunos que chegariam aos 15 anos sem estar no ensino médio.
Hoje, cerca de 1,7 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos estão fora das salas de aula, no Brasil. Apenas 17% da população nessa faixa etária está na série certa, já que 66% estão atrasados, alguns ainda retidos no ensino fundamental. A análise dos dados, feita pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Observatório da Juventude, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontou que o país tem pelos menos dez desafios a cumprir para mudar essa realidade.
“A inclusão dos adolescentes precisa ser muito mais rápida, não podemos demorar 30 anos. O maior desafio é não abandonar os estudantes atrasados e os que saíram da escola”, destacou o coordenador do Programa Cidadania dos Adolescentes, do Unicef no Brasil, Mario Volpi.
Para entender as estatísticas, pela primeira vez, um estudo fez entrevistas com 250 adolescentes excluídos ou atrasados, para saber os motivos deles. Quatro principais pilares foram apontados como determinantes para o “fracasso” do ensino médio: a falta de estrutura das escolas; o não-reconhecimento dos professores; a falta de conhecimento sobre os estudantes e suas realidades; e a exclusão dos “piores” alunos, ao selecionar os “melhores”.
“Ensinar ao bom aluno é muito fácil, nem precisa de professor. O difícil é não desistir do menino que não quer aprender. Quando o mercado seleciona os melhores alunos, na verdade, exclui os demais”, exemplificou Volpi.
A maioria dos adolescentes desiste dos estudos no fim do ensino fundamental. “Alguns dos obstáculos estão relacionados ao contexto socioeconômico dos adolescentes, como o trabalho precoce, a gravidez e a violência familiar e no entorno da escola”, apontou o estudo.
Mateus veio de Vitória do Jarí – com acento agudo no i, como ele diz –, cidadezinha do interior do Amapá. Para continuar estudando, ele teve que ir para a capital Macapá, onde tem o ensino médio. “Só estuda quem quer, mas tem que querer, e muito”. Mas as aulas, neste ano, ainda não começaram, segundo ele, porque (o Estado) não tem recurso. “Isso desanima e atrofia a mente do aluno, que passa muitos meses parado”, completou.
Ele está em Belo Horizonte para representar seu Estado, com outros colegas, no Seminário Nacional sobre Ensino Médio no Brasil, que é realizado na UFMG, até esta sexta.
Saiba mais
Apresentação. O relatório “Dez Desafios do Ensino Médio no Brasil” foi apresentado nesta quarta, no Seminário sobre o Ensino Médio, na UFMG.
Futuro. Estão no evento participantes do Parlamento Juvenil do Mercosul, em que alunos de vários países buscam melhorar e universalizar o ensino médio. “Se você aplicar um ensino de qualidade, formará pessoas de bem”, disse a estudante Joyce de Almeida.
Municípios querem prazo maior para entrega de planos
Os 853 municípios mineiros estão pleiteando, por meio da Associação Mineira de Municípios (AMM) e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), um prazo maior para entrega do Plano Municipal de Educação (PME), que deve ser apresentado ao Ministério da Educação (MEC) em 24 de junho.
Para Alessandra Marques, assessora de educação da AMM, o prazo dado (um ano) para a elaboração dos projetos, com diretrizes e metas a serem alcançadas até 2024, é curto, diante das dificuldades. “A maioria (dos municípios) tem problemas estruturais, o que dificulta atingir a meta exigida. Além disso, muitos nem sabiam da existência de um PME”, disse.
Nesta quarta, o Unicef informou que, com a realização da pesquisa, vai ajudar os municípios na elaboração dos planos.
Fatores externos
O estudo apontou que influenciam na exclusão escolar, além dos problemas dentro das escolas, a baixa renda das famílias, a distância entre a casa e a escola e a violência, que se reproduz dentro da sala de aula. Segundo Mário Volpi, do Unicef, as escolas também não estão preparadas para lidar com as adolescentes grávidas. Os dados revelam que entre as meninas de 15 a 17 anos que estudam, 1,6% são mães. Esse número sobre para 28,8% entre as que estão fora da sala de aula.
Trabalho precoce
As famílias mais pobres enxergam o trabalho como “espaço educativo complementar e não conflitante à escola”. No entanto, estudos mostram que o trabalho reduz em 17,2% a aprovação escolar, afeta o progresso educacional em 24,2% dos casos e aumenta em 22,6% a evasão. “Eu chegava cansado, dormia tarde, no outro dia tinha que escutar o professor falar na cabeça, aí eu dormia na sala. Direto chamavam a minha mãe, e ela explicava”, disse um adolescente entrevistada em BH.
Valorização do professor
A relação educador/educando é apontada como essencial para melhorar o ensino. “Ainda há uma relação muito crítica. Precisa avançar muito, porque esse é o coração do ensino. Isso é sempre reiterado nas pesquisas que desenvolvemos há anos. A formação continuada dos professores é fundamental para que tenham uma compreensão maior da realidade dos alunos”, disse o coordenador do Observatório da Juventude, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Juarez Dayrell.