Comemorar o quê?
Dia Internacional da Mulher – A pergunta prevalece: comemorar o quê?
Texto de Janethe Fontes.
Eu gostaria que nós, mulheres, tivéssemos bons motivos para comemorar o Dia Internacional da Mulher. Gostaria mesmo! Mas o fato é que há ainda tanta coisa a avançar, tanta, que fica realmente difícil qualquer comemoração.
E, se em março de 2014, eu iniciei meu texto dizendo que não tínhamos o que comemorar neste dia, “porque o ano de 2013 foi marcado pelo conservadorismo, e vários setores que representam as minorias tiveram que se mobilizar muito, mas muito mesmo, para não perder direitos que já estavam garantidos na constituição”. O ano de 2014 não foi diferente e o de 2015 também não promete mudanças. Ao contrário!
Na verdade, tenho a impressão que a luta por respeito e igualdade tende até a aumentar nos próximos anos, tendo em vista que nas últimas eleições o povo brasileiro elegeu o congresso mais conservador desde 1964!
E, se o ano de 2013 também foi marcado pela divulgação de estatísticas assustadoras: “segundo apontamentos, há três anos, o Brasil ocupa a 7ª posição na listagem dos países com maior número de homicídios femininos”. Em 2014, a coisa não foi nada diferente. Apesar de não ter estatística mais recente em mãos para confirmar essa informação, é perceptível, a qualquer um que queira ver, que a violência contra a mulher está aumentando significativamente, sobretudo a violência psicológica.
Vejam os diversos casos de mulheres que sofreram ameaças de estupro “corretivo” e morte ao defender o empoderamento e direito da mulher nas redes sociais. É simplesmente AS-SUS-TA-DOR!!
E não, não é nenhum exagero dizer que o machismo, a misoginia têm crescido nas redes sociais. Tem sim. E muito. Conforme a matéria ‘Misoginia na internet’, no ano passado a misoginia online entrou na roda com o chamado “GamerGate”, quando diversas mulheres na indústria dos jogos, principalmente as desenvolvedoras Zoe Quinn e Brianna Wu, além da blogueira Anita Sarkeesian, foram alvo de uma onda de ataques machistas. No Twitter, no Reddit e em imageboards como o 4chan, as mulheres receberam ameaças de estupro e morte. Há também o caso da jornalista australiana Alanah Pierce, que ficou famosa por enviar printscreens das ameaças que recebia para as mães de seus assediadores, em sua maioria adolescentes.
Há algumas semanas, a jornalista Ana Freitas publicou um texto sobre misoginia em chans e imageboards brasileiros. Nos comentários da página, as manifestações de algumas pessoas — principalmente homens, mas não só — confirmaram perfeitamente as críticas expostas no texto. Para esses comentaristas, pedir respeito é “mimimi” e as mulheres seriam aceitas nesses espaços desde que não se identificassem publicamente como mulheres. Nada contraditório vindo de quem, por exemplo, se refere a mulheres como “depósito de esperma”.
Em relação ao mercado de trabalho, tudo continua notoriamente sem qualquer mudança. A mulher permanece ganhando um salário menor que o homem, “continua sendo uma mão de obra barata, ‘dócil’, instruída (já que conforme pesquisas, mulheres têm mais anos de estudos que os homens) e de autoestima reduzida por uma cultura misógina, que lucra muito pregando inseguranças às mulheres (a ‘ditadura da beleza’ instituiu dois grandes medos para dominar o público feminino: o medo de envelhecer e de engordar, e isso gera altos lucros às ‘indústrias da beleza’)”. E continuamos com a dupla ou tripla jornada de trabalho, tendo em vista que a maioria das mulheres trabalha fora e em casa.
Há ainda a necessidade cada vez mais premente de questionar velhos mitos que nos infligiram ao longo do tempo e que em nada nos engradecem ou privilegiam, ao contrário, nos colocam em uma posição que nos torna subordinadas a tradições patriarcais. É costume ver nas redes, em datas como essa, uma enxurrada de mensagens com fotos de flores e asneiras que parecem “elogiar” as mulheres, mas que, infelizmente, só ressaltam expectativas machistas.
Enfim, ratifico que temos uma batalha muito grande pela frente nas mudanças dessas e de outras tantas situações e também na desconstrução desses mitos que nos abatem diariamente, nos inferiorizam, nos tiram a autonomia e nos limitam a papéis de dependência dentro da sociedade.
A violência contra a mulher é REAL e diária. Está nas redes sociais, nas ruas das cidades e dentro de muitas empresas e inúmeras residências. Por isso é tão importante provocarmos o debate nesse dia 08 de março e estendermos para os demais dias do ano, para o dia a dia. Por isso é tão importante que homens e mulheres se unam na desconstrução de mitos e na conquista pela igualdade de direitos. Afinal, mudanças desse porte não ocorrem do dia para a noite e nem muito menos num único dia. Pensem nisso!
Autora
Janethe Fontes é escritora e tem, atualmente, 4 livros publicados: Vítimas do Silêncio, Sentimento Fatal, Doce Perseguição e O Voo da Fênix.
http://blogueirasfeministas.com/2015/03/dia-internacional-da-mulher-a-pergunta-prevalece-comemorar-o-que/
Chacotas de Danilo Gentili contra mulher serão julgadas em Olinda
Texto de Lis Lemos e Nataly Queiroz.
A primeira audiência judicial contra o comunicador – assim ele se intitula – Danilo Gentili, que achincalhou uma mulher do interior de Pernambuco, Michele Maximino, por ser a maior doadora de leite do país, aconteceu quarta-feira (04), em Olinda. Essa é uma audiência emblemática por acontecer na semana do Dia Internacional da Mulher e por trazer à tona um tema ainda pouco explorado que é a violência simbólica contra a mulher cometida por comunicadores que ocupam preciosos espaços em concessões públicas.
Três testemunhas foram ouvidas na audiência de instrução do processo de danos morais que a técnica de enfermagem Michele Rafael Maximino, 32 anos, move contra os comediantes Danilo Gentilli e Marcelo Mansfield. O alvo da queixa é um quadro do programa “Agora é Tarde”, da Rede Bandeirantes, exibido em outubro de 2013. Na ocasião, Danilo chamou a pernambucana de “vaca” e a comparou com o ator pornográfico Kid Bengala.
A audiência de instrução começou às 13h40, com o depoimento da técnica de enfermagem. Outras duas testemunhas de Michele foram ouvidas na audiência, presidida pela juíza Regina Célia Maranhão. Estiveram presentes os advogados dos comediantes e também um defensor da Rede Bandeirantes. A audiência terminou por volta das 16h.
No dia 12 de fevereiro, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) emitiu uma carta precatória para ouvir os dois humoristas em São Paulo. Até o momento, o documento ainda não retornou ao estado, segundo o tribunal. Somente após a resposta das cartas precatórias é que as partes fazem suas alegações finais para, então, ser marcada a data para o proferimento da sentença do caso. Referência: Testemunhas depõem em processo de doadora de leite contra Gentilli.
A violência de gênero nos meios de comunicação não é nenhuma novidade. Pelo contrário. Ela se apresenta sob a forma de imagens estereotipadas de mulheres hipersexualizadas ou de figuras cândidas, ternas prontas para servir, ou ainda no silenciamento das vozes, das opiniões e de tudo o que nos torna sujeitos no mundo. O caso de Michele Maximino é uma junção de todas essas expressões violentas a que as mulheres estão sujeitas apenas por existirem numa sociedade patriarcal, racista e homofóbica como a nossa.
Michele nada mais fez do que ser uma pessoa solidária e com disposição suficiente para viajar 80km por semana para entregar o leite materno que coletava em um banco de leite. No entanto, o apresentador, reprodutor de piadas esvaziadas, chamou-a de vaca, a comparou a um ator pornô e ainda tentou projetar eroticidade barata por meio do uso desautorizado da imagem dela amamentando. O material foi veiculado na Rede de Televisão Bandeirantes e compartilhado em redes sociais – a medida exata para destruir as vidas de uma família, que precisou abandonar emprego, casa, parentes e amigos para tentar reconstruí-las em outro município, longe das chacotas que se perpetuavam nas ruas.
Michele teve sua voz calada, sua imagem utilizada de forma vexatória, foi exposta pelo vão (e suposto) interesse de uma audiência que o apresentador alimenta, se gabando de adotar a postura do gozador da turma do fundão. Maximino buscou a justiça. Gentili foi obrigado a retirar todo o material do ar, depois de recorrer duas vezes da decisão judicial. Depois inventou um quadro cujo nome tinha a palavra “leite”, balbuciou algo sobre uma torpe “liberdade de expressão” e finge gostar de ser processado, num pacto com a mediocridade que poucos se vangloriam de ter assinado. A Rede de Televisão Bandeirantes fingiu que não era com ela e não se pronunciou sobre o assunto.
Acionar a justiça ainda é uma das poucas alternativas que restam às mulheres que são violentadas por comunicadores nas diversos mídias. Pois, em um sistema de comunicação pérfido, injusto, concentrador e antidemocrático como o que temos no Brasil, não é possível responder a esse tipo de baixaria travestida de ‘liberdade de expressão’ na mesma moeda. Mas é necessário não calar. A busca de Michele por reparação é mais que justa, é pedagógica e exemplar.
+ Sobre o assunto:
[+] Danilo Gentili começa a se explicar na Justiça a mulher que chamou de ‘vaca’.
[+] Qual é a graça, Alexandre Frota?
http://blogueirasfeministas.com/2015/03/chacotas-de-danilo-gentili-contra-mulher-serao-julgadas-em-olinda/