Defender a democracia
“Precisamos defender a democracia. A ditadura custa muito caro”, diz presidente da Assembleia gaúcha
“Não faz muito que saímos de uma ditadura. É bom lembrar isso. Quantas eleições realizamos depois da ditadura? É pouco ainda. Ainda estamos engatinhando na democracia”. Foto: Filipe Castilhos/Sul21
Marco Weissheimer
“Precisamos defender a democracia no Brasil, pois ela ainda está engatinhando. A ditadura custa muito caro. Hoje a sociedade sabe da corrupção porque, na democracia, o Ministério Público tem o direito de atuar. A imprensa é livre na democracia. Na ditadura não havia notícias sobre corrupção. Quanto custou a ditadura para o Brasil? Quanto custou a ponte Rio-Niterói ou a Transamazônica? Até hoje ninguém sabe, porque a imprensa não tinha acesso ou não podia divulgar a verdade”. A avaliação é do presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, deputado Edson Brum (PMDB), que, em entrevista ao Sul21, analisa o atual momento político no Estado e no país e fala de seus planos na passagem da presidência da Casa.
Presidente estadual do PMDB gaúcho, Brum quer marcar sua passagem na presidência pela transparência e pelo diálogo com as 15 bancadas eleitas na última eleição, um número inédito na história do parlamento gaúcho. “O meu principal desafio é administrar politicamente 15 bancadas”, afirma.
Sul21: A sua passagem pela presidência da Assembleia será marcada por uma grande novidade, o número recorde de partidos. Será uma legislatura com 15 partidos, um fato inédito na história do parlamento. O que isso representa?
Edson Brum: Se você me perguntar qual é meu principal desafio eu diria que é administrar politicamente 15 bancadas. Até o ano passado, tínhamos 10 bancadas. Temos cinco bancadas a mais, portanto. A decisão veio das urnas e não deve ser questionada. Esse fato tem um reflexo também na questão administrativa. Temos cinco novas bancadas com suas respectivas assessorias técnicas, o que também aumenta a despesa e a necessidade de espaço físico. Mas acho que o maior desafio está na mesmo na questão política; são 15 correntes de pensamento diferentes, para não falar dos pensamentos diversos que temos dentro das próprias bancadas dos grandes partidos, como PT e PMDB, o que é algo natural dentro do nosso sistema político.
Sul21: Qual a sua leitura sobre esse fenômeno de aumento do número de partidos representados na Assembleia? Encara como algo positivo, que expressaria uma maior diversidade de pensamento na sociedade, ou como algo negativo, que apontaria mais para uma fragmentação do que diversidade social?
Edson Brum: No passado, nós tínhamos uma disciplina nos currículos escolares, OSPB (Organização Social e Política do Brasil), que era obrigatória. Foi uma disciplina implantada na ditadura e que, posteriormente, foi extinta. Isso contribuiu para que a população não discutisse mais política. Enfraqueceu o conhecimento da cidadania. E a pior ditadura é aquele onde o povo não sabe nada e é usado como massa de manobra. Esse quadro, na minha opinião, abre o espaço para a fragmentação política. Por isso é tão importante a questão da reforma política e nós vamos promover um grande debate sobre esse tema aqui na Assembleia, no final de março. Promoveremos cinco grandes eventos sobre grandes temas nacionais, e o primeiro deles será sobre a reforma política.
A atual legislação eleitoral brasileira permite essa fragmentação. Se aqui, temos 15 bancadas hoje, na Câmara Federal são 29. Isso não favorece a afirmação ideológica dos partidos. Creio que temos aí também um reflexo dos movimentos de rua de junho de 2013. Além do aumento do número de partidos representados tivemos também uma significativa renovação. Aqui no Rio Grande do Sul, são 22 novos parlamentares eleitos nestas 15 bancadas.
Sul21: A renovação foi maior que a média histórica, então?
Edson Brum: Sim. É o maior número de bancadas da história da Assembleia e a maior renovação de um mandato para outro. Com isso será preciso ter um cuidado redobrado na hora da discussão política, pois o presidente da Casa precisa representar uma média do pensamento dos 55 deputados. Mesmo sendo presidente do PMDB do Rio Grande do Sul e tendo posições claras sobre os temas políticos do Estado, eu não posso, como presidente, querer afirmar o meu ponto de vista. Preciso prestar atenção, por exemplo, no Pedro Ruas, do PSOL, e no Marcelo van Hattem, do PP, que expressam os dois pensamentos mais extremos pela esquerda e pela direita, respectivamente. O fato de termos uma renovação com 22 novos parlamentares é um reflexo dos movimentos de rua de 2013, que exigiram uma renovação não só de nomes ou pessoas, mas também na forma de atuação política.
Sul21: Os protestos de 2013 fizeram, entre outras coisas, uma grande crítica ao sistema de representação política brasileira. Na sua opinião, os partidos políticos ouviram o que foi dito nesses protestos e aprenderam algo com eles ou só fizeram de conta que ouviram?
Edson Brum: Acho que ouviram. Eu fui líder da oposição no governo Tarso. Logo depois dos protestos, como governador, o Tarso tomou algumas medidas relacionadas às pautas dos manifestantes. A Dilma da mesma maneira. Então, houve alguns resultados. Os próprios parlamentares, dentro dos seus mandatos, foram obrigados a se reciclar. Na minha opinião, aqueles que se reelegeram foram aqueles que conseguiram fazer essa reciclagem, uns mais outros menos, em relação ao modo de atuação no parlamento, em todos os seus níveis. A própria reforma política hoje está na pauta de debates nacionais e o Congresso Nacional deve votá-la este ano. Se não fosse o movimento de junho de 2013, talvez nada disso estivesse acontecendo.
Além da questão política, os protestos de rua também tiveram um desdobramento na questão administrativa. A gente nota isso nas prefeituras, nas câmaras de vereadores, nos parlamentos e nos governos. Aqui na Assembleia, a partir do dia 1º de fevereiro, foram tomadas algumas medidas nesta direção. Há três palavras centrais que devem orientar minha ação como presidente da Casa: diálogo, transparência e economia. Mandei revisar todos os contratos e despesas da Casa para ver onde é possível economizar, até porque teremos um aumento de despesa com a criação de cinco novas bancadas e o nosso orçamento é o mesmo. O eleitor criou cinco novas bancadas e nós precisamos dar conta disso.
Sul21: Neste debate da reforma política, gostaria de saber a sua posição sobre três temas centrais dessa agenda: financiamento público ou privado das campanhas, voto obrigatório ou não e adoção de um sistema de voto distrital.
Edson Brum: Eu sou favorável ao financiamento público das campanhas, desde que haja uma fiscalização extrema, que impeça que entre dinheiro por fora nas campanhas. Caso contrário, teremos o financiamento público e o caixa dois. Sobre o voto distrital sou a favor do distrital misto. Vamos imaginar o caso do Rio Grande do Sul. A Assembleia elegeria um por região; podemos tomar por hipótese os 33 Coredes (Conselhos Regionais de Desenvolvimento). Teríamos então 33 deputados eleitos, cada um por uma dessas regiões. Os outros 22 deputados sairiam da lista dos mais votados. Isso compensaria as diferenças de densidade eleitoral. O meu distrito eleitoral, por exemplo, o Vale do Rio Pardo, tem cerca de 300 mil eleitores, e elege um representante com, digamos, 50 mil votos. E o segundo colocado nesta região ficou com 49 mil votos. Aí no Corede do Botucaraí tem apenas 80 mil eleitores e elege o mais votado com 10 mil votos. O de Caxias tem um milhão de eleitores e pode ter candidatos com 90 mil votos que não seriam eleitos. O sistema do distrital misto permitiria corrigir essas distorções.
E eu sou a favor do voto obrigatório. A falta de discussão política dentro da escola e da universidade veio acompanhada da banalização da política verificada nos últimos anos, com a responsabilidade dos próprios políticos, mas também fruto de campanhas contra a política e os políticos. Questiona-se o salário dos deputados, mas questiona-se muito pouco o salário dos juízes, dos promotores ou dos auditores e fiscais da Fazenda, que é o mesmo ou maior. A sociedade acaba discutindo só isso e não faz qualquer debate sobre questões programáticas e ideológicas.
Então, não vejo ainda a sociedade brasileira amadurecida para abrir mão do voto obrigatório. Se não tivermos voto obrigatório, o poder econômico vai acabar falando mais baixo. Não faz muito que saímos de uma ditadura. É bom lembrar isso. Quantas eleições realizamos depois da ditadura? É pouco ainda. Ainda estamos engatinhando na democracia. Os partidos, por meio de suas fundações, deveriam estimular mais o debate político na sociedade.
Sul21: Há quem ache que, além dos problemas reais que existem no sistema político brasileiro, haveria um agravante importante: um processo de criminalização da política e dos políticos. Na sua opinião, há esse processo de criminalização?
Edson Brum: Sim. Todos os deputados e deputadas que estão aqui na Assembleia são cidadãos e cidadãs que lideraram um processo de mobilização em alguma área em suas comunidades. Eu sempre atuei nas áreas do comércio e do setor, por exemplo. Tenho muito apoio nestes setores. Enquanto você participa dessa mobilização na tua comunidade você é considerado uma pessoa normal. Mas basta virar candidato para ser chamado de bandido. Toda uma engrenagem passa a funcionar para pegar algum deslize teu e criminalizar a tua conduta. Então, isso existe sim.
É claro que há um elemento de verdade em parte disso. Nós temos a nossa responsabilidade. Ocorrem deslizes e irregularidades e o papel da imprensa é mostrar isso. Mas é preciso lembrar que a Assembleia Legislativa, as câmaras de vereadores e o Congresso Nacional são um espelho da sociedade. O Legislativo é o poder que melhor representa a sociedade, pois cada um de seus integrantes representa uma parte desta sociedade.
Talvez o que falte um pouco é conhecimento sobre o que os deputados fazem no dia-a-dia, sobre os projetos que são aprovados na Assembleia e seu impacto na vida das pessoas. A função do Parlamento é elaborar novas leis, aperfeiçoar as já existentes e fiscalizar para que elas sejam implementadas. A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul é, hoje, a mais transparente do país. Nos últimos dez anos, poupamos 2,4 bilhões para o Estado e o nosso índice de despesa vem diminuindo neste período que teve governos de diferentes partidos.
Sul21: Nas últimas semanas, vêm sendo veiculadas nos meios de comunicação do Estado possíveis medidas do governo Sartori para enfrentar o problema da crise financeira do Estado. Medidas como o fechamento de estatais, privatizações, aumento de impostos. Na sua opinião, existe ambiente político hoje na Assembleia para a aprovação de medidas como estas?
Edson Brum: Em primeiro lugar, a Assembleia precisa ser provocada sobre o assunto e nada disso chegou a nós até aqui. Mesmo eu, que sou do mesmo partido do governador, até agora não chegou até o meu conhecimento. Mas vou antecipar a minha posição pessoal. Não há clima para aumento de impostos. Essa é a opinião do parlamentar, não do presidente da Assembleia. Como presidente da Casa, se essa proposta vier para cá, irei despachá-la para as comissões e ela seguirá os trâmites previstos. Mas ainda não fomos provocados a respeito. A gente sabe pela imprensa e sabe que as dificuldades são grandes.
Neste ponto, eu gostaria de voltar um pouco no tempo. O governador Antonio Britto pagou o déficit em seu governo com o dinheiro das privatizações e deixou cerca de 1,1 bilhão para o governo Olívio, isso dito pelo Tribunal de Contas na época. O governo Olívio usou esse dinheiro para cobrir o déficit e também vendeu ativos da extinta Caixa Estadual, em torno de 200 milhões, e recebeu cerca de 257 milhões do governo Fernando Henrique para manutenção da malha federal no Estado. Veio o governo Rigotto que, para cobrir o déficit, aumentou o ICMS por um período fixo. Veio a Yeda, que vendeu 49% do Banrisul para cobrir o déficit. Aí veio o Tarso que usou os depósitos judiciais para enfrentar o problema. E hoje temos o governo Sartori. Na minha opinião, não há empresa que ele possa privatizar e que pudesse fazer frente a esse déficit. Também acho que não há espaço para aumento de impostos por um período como fez o Rigotto. E não tem como vender o Banrisul, nem depósitos judiciais para utilizar.
A culpa por esse problema não recai sobre nenhum dos governos anteriores isoladamente. Ela é consequência de não ter se pensado seriamente lá atrás a questão previdenciária do Estado. Para mim, essa questão previdenciária é o maior gargalo do Estado do Rio Grande do Sul. Acho que o governo Tarso deveria ter feito o que o governo Dilma fez, ao definir, para os novos concursados, um teto para a aposentadoria e, quem quiser receber acima desse teto, deve recorrer a uma previdência complementar. Isso não resolve imediatamente, mas começa a resolver daqui a dez ou quinze anos. Faltou pensar essa questão lá na década de 70 quando foi criado o sistema previdenciário do Estado. Falta dinheiro para o Estado muito por essa questão previdenciária. Imagina se tivéssemos 6 bilhões hoje para construir hospitais, escolas e investir na segurança. Na minha opinião, esse problema explica por que até hoje não foi reeleito nenhum governador no Rio Grande do Sul. Os governantes não conseguem fazer tudo o que queriam e acabam se desgastando. A população fica sempre querendo mais.
Sul21: Mas mexer na Previdência também não traria um desgaste?
Edson Brum: Não se trata de mexer em quem já está no sistema. Em direito adquirido não se mexe. A Dilma acertou nisso.
Sul21: Há alguma previsão sobre o envio de medidas do governo Sartori para a Assembleia?
Edson Brum: Nada foi comunicado a nós. Eu, como presidente do Parlamento, tenho que ser bem independente neste processo. Gostaria de enfatizar um ponto sobre isso. Acho que temos preservar a independência dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Precisamos ter muito cuidado. Precisamos defender a democracia. A ditadura custa muito caro. Às vezes a gente vê algumas pessoas dizendo que a ditadura era melhor. Isso porque não sumiu um familiar delas. Aí iriam pensar diferente. Hoje a sociedade sabe da corrupção porque, na democracia, o Ministério Público tem o direito de atuar. A imprensa é livre na democracia. Na ditadura não havia notícias sobre corrupção. Quanto custou a ditadura para o Brasil? Quanto custou a ponte Rio-Niterói ou a Transamazônica? Até hoje ninguém sabe, porque a imprensa não tinha acesso ou não podia divulgar a verdade. Só há transparência na democracia. E só há democracia com poderes independentes e harmônicos, cada um na sua função. Até hoje, não inventaram nada melhor que o sistema democrático, mesmo ele não sendo perfeito.
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