Avança a escola em tempo integral

Avança a escola em tempo integral

Escola em tempo integral começa a avançar no Brasil

Mais de 4 milhões de alunos do Ensino Fundamental público já têm sete horas de aula por dia, mas o financiamento da ampliação da jornada ainda é um desafio para os governos

Fonte: Jornal do Senado  24 de fevereiro de 2015

 

Uma das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE), a escola em tempo integral — em que o estudante tem sete horas de aula por dia, em vez de quatro — vem se expandindo rapidamente no país. No ano passado, dos 24 milhões de Alunos da rede pública de Ensino fundamental, 4,3 milhões tinham jornada ampliada, revela o Censo da Educação básica 2014, divulgado neste mês. Um crescimento de 500% em relação a 2008, quando a modalidade atendia pouco mais de 700 mil estudantes.

No entanto, apesar do avanço a cada ano, cumprir o PNE (Lei 13.005/2014) nesse quesito ainda vai exigir esforço dos governos. A meta 6 do plano, aprovado pelo Congresso no ano passado, determina que até 2024 a Educação em tempo integral deverá ser oferecida em ao menos 50% das Escolas públicas e atender no mínimo 25% dos Alunos de toda a Educação básica — que, além do Ensino fundamental, inclui Ensino médio e Educação infantil. No fundamental (1º a 9º ano), o censo indica que a jornada ampliada hoje chega a 18% dos estudantes. Mas no Ensino médio o ritmo é bem mais lento: dos 8,3 milhões de Alunos no ciclo, apenas 330,8 mil tinham turno integral em 2013.

No Senado, um projeto de lei em análise na Comissão de Educação e Cultura (CE) busca ampliar ainda mais o alcance da meta. O PLS 255, apresentado em 2014 pelo então senador Wilson Matos, propõe alteração no PNE e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para determinar que, em dez anos, todos os Alunos do Ensino fundamental público (e não apenas um quarto deles) estudem em período integral.

Para Matos, o pouco tempo que o estudante brasileiro fica na sala de aula é fator crucial para explicar o atraso educacional do país. E a meta estabelecida pelo PNE, argumenta, é pouco ambiciosa para recuperar esse atraso. Pela proposta, em vez das 800 horas de aula anuais exigidas hoje pela LDB, seriam 1,4 mil horas — mais até do que o praticado em países considerados modelos educacionais, como a Finlândia, que tem 900 horas ao ano. O Chile, tido como um bom exemplo na América Latina, tem 1.060. O projeto, que será tema de audiência pública na comissão, tem parecer favorável do relator, Cristovam Buarque (PDT-DF). — Escola tem que ser em horário integral. Senão, não é Educação — defende o senador.

Recursos
O financiamento é o maior desafio para o alcance da meta. A expansão da jornada implica custos extras, como pagamento de profissionais, alimentação, materiais, transporte, infraestrutura... Hoje as experiências de Ensino em tempo integral vêm sendo bancadas em parte pelo governo federal (por meio do Programa Mais Educação, do Ministério da Educação) e em parte pelos estados e municípios. O MEC ainda não contabiliza o valor investido por Aluno na modalidade. Uma estimativa usada pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que varia por estado, prevê um custo anual médio entre R$ 3,5 mil e R$ 4 mil por Aluno — um acréscimo de cerca de 25% em relação ao turno de quatro horas.

No ano passado, o Mais Educação repassou às Escolas participantes R$ 1,4 bilhão, o que representaria um extra de cerca de R$ 400 por Aluno atendido. No entanto, garantir jornada estendida com um mínimo de qualidade custa mais caro. Um estudo inédito da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a que o Jornal do Senado teve acesso, está mensurando o Custo Aluno-Qualidade inicial — CAQi da jornada integral.

Dados preliminares do estudo mostram que o valor a ser investido por estudante do Ensino fundamental integral deveria ser de pelo menos R$ 7,6 mil ao ano nos anos iniciais e R$ 6,4 mil nos anos finais. O investimento deve ser ainda maior na Creche (R$ 16,7 mil) e Pré-Escola (R$ 9,4 mil) e um pouco menor no Ensino médio (R$ 5,5 mil). Parece muito, mas não chega à metade do que investem os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — em média, US$ 8,3 mil por estudante no chamado primário (equivalente aos anos iniciais do fundamental) e US$ 9,3 mil no secundário (anos finais), de acordo com relatório divulgado em 2014. — Para que a meta seja cumprida com qualidade, é preciso fazer com que o financiamento seja mais adequado. Não dá para apenas adicionar R$ 400 ao ano; é um valor muito baixo para estender a jornada para sete horas — avalia Daniel Cara, coordenador-geral da campanha.

No Senado, uma comissão temporária criada para propor soluções para o financiamento da Educação no Brasil estimou em R$ 9 mil o custo anual por Aluno para garantir uma Escola pública integral “maravilhosa”, na definição do relator, Cristovam Buarque. O relatório final da comissão, apresentado em dezembro, aponta 15 fontes de financiamento que permitiriam arrecadar o necessário para o setor — entre elas, imposto sobre grandes fortunas, criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira para a Educação (CPME) e redução das desonerações fiscais. — É mentira dizer que não tem dinheiro para a Educação. Com vontade política seria possível fazer uma revolução — critica. Cobertor curto

Por enquanto, os recursos são insuficientes para continuar ampliando vagas, avalia a União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime). A presidente da organização,Cleuza Repulho, diz que a meta do PNE dificilmente será atingida se não houver novas fontes de financiamento. Como o Ensino fundamental é atribuição principalmente dos municípios, sobre eles recai a responsabilidade de ampliar a oferta do tempo integral. A demanda da população é grande e muitas cidades já investem verbas próprias para aumentar as vagas ou complementar os valores repassados pelo Mais Educação.

— Para a Undime, a jornada ampliada é fundamental para garantir qualidade e equidade da Educação pública, mas há preocupação sobre como viabilizar esse processo. Hoje o desafio para aumentarmos a oferta é merenda, transporte, profissionais... Sem investimento novo, não será possível. Também falta espaço nas Escolas para acolher os Alunos no tempo estendido, relata ela. É preciso construir novos prédios, mais salas de aula. E o problema tende a se agravar no ano que vem, quando, por lei, o Ensino público e gratuito passará a ser obrigatório a partir dos 4 anos, e não dos 6, como é hoje. Assim, as prefeituras terão de garantir vagas para atender um contingente extra de pequenos estudantes.

— Você tem o desafio de ampliar a jornada e, na mesma rede, precisa aumentar número de Escolas, de salas, contratar Professores para as crianças de 4 e 5 anos... Somos a favor da lei, é importante que todas as crianças tenham direito à Pré-Escola, mas isso tem um custo — diz Cleuza. Ela frisa que é preciso regulamentar o PNE na questão relativa ao financiamento: a meta 20 do plano determina que o país deverá dobrar os investimentos em Educação, aplicando 10% do PIB no setor. A origem dos recursos, porém, ainda está indefinida.


Reportagem publicada apenas em veículo impresso 




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