Não existe escola ideal

Não existe escola ideal

Não existe escola ideal; decisão depende do perfil do aluno e dos valores da família

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As irmãs Ana (sentada) e Lia com o pai Augusto Calil: escola construtivista em que elas estão matriculadas valoriza a criatividade e exige poucas tarefas / Gustavo Morita

Na escola das irmãs Ana, de 10 anos, e Lia Calil, de 7, não há apostilas nem livros didáticos: elas trabalham com um material específico, feito de fichas destacáveis, com as quais elas mesmas “montam” seus livros didáticos. Apesar de terem inúmeras atividades, no cronograma da semana há sempre algum tempo livre, em que elas têm a liberdade de fazer o que desejarem. Não há uniforme e quase nada de lição de casa. Há um ano, esse é o dia a dia delas desde que foram matriculadas em um colégio construtivista na zona oeste de São Paulo.

Para os pais, que também estudaram em escolas construtivistas, o esquema das aulas está ótimo. “Em termos de proposta, acho muito bom. Demora mais para chegar a algumas conclusões, porque ensina a criança a buscar a resposta, em vez de ficar reproduzindo, decorando”, afirma o pai, Augusto Calil.

A família de Augusto pode ser considerada “liberal”, prezando mais pelo desenvolvimento da criatividade do que pela obediência a uma disciplina rígida. Quando pequenas, as meninas estudaram em um colégio de bairro, pequeno e acolhedor. Depois a família passou um ano morando nos Estados Unidos, pois a mãe ganhou uma bolsa de doutorado. Agora, os pais preferiram uma escola maior, com capacidade de oferecer “novidades” às filhas, ou seja, experiências diferentes com as quais elas possam construir um aprendizado de forma múltipla.

Um dos grandes orgulhos de Augusto é o livro que a filha mais nova produziu recentemente junto com uma amiga – elas criaram o enredo, escreveram e ilustraram. A primeira obra de Lia foi produzida durante o tempo livre que ela tem dentro da escola. Para o pai, mais importante do que a corrida para alfabetizar as crianças cedo é dar ferramentas para que a criança possa fazer um uso da língua escrita de maneira criativa.
Augusto reconhece, porém, que nem todos os pais conseguem ter uma visão tão positiva da pedagogia da escola. “Na última reunião tinha pais reclamando que os professores demoram para passar as fórmulas nas aulas de matemática. Eles não entenderam a proposta. Minha expectativa é que o resultado final seja o mesmo nível de conhecimento oferecido nas escolas tradicionais. Mas o ‘como’ chegar lá importa”, afirma. Segundo ele, para a metodologia de fato funcionar bem, deve haver uma sintonia entre a família e a proposta da escola.

Essa sintonia foi algo que não aconteceu na primeira escola em que Fabíola Thamer matriculou o filho, Felipe, de 4 anos – na época ele tinha um pouco mais de um ano e meio. A escola era muito bem recomendada, mas simplesmente não funcionou para a família. “O filho da minha irmã estudava lá havia muitos anos e todos adoravam. Não acho que seja uma escola ruim; apenas não era o que eu queria”, conta Fabíola.
Para a mãe, a escola era liberal demais. Duas das coisas que incomodaram Fabíola foram a falta de um horário rígido de entrada e a ausência de uniforme. “A escola tinha sim um uniforme, mas não cobrava dos pais. Então, o Felipe era o único que usava. Também achava ruim cada criança chegar num horário”, lembra.

Em casa, a família de Fabíola sempre foi bastante “disciplinada”: Felipe, por exemplo, tem horário certo para fazer refeições (e não come só o que quer), vai para a cama sempre na mesma hora. “Na minha visão, criança precisa de rotina”, afirma. Por isso, no ano letivo seguinte, ela buscou um colégio que espelhasse a organização que o filho tem no lar. “Ele se adaptou muito melhor numa escola mais tradicional. O Felipe não gosta de faltar e faz questão de ser pontual; ele fica bravo se é o último da classe a chegar”, conta a mãe.

Filosofia compartilhada

Os relatos das duas famílias mostram que não existe uma escola ou metodologia de ensino ideal, um modelo que se encaixe com perfeição para todos. O que existe é a melhor escola possível para cada criança, em certo momento do seu desenvolvimento, de acordo com as crenças e expectativas da sua família. Assim, antes de procurar uma escola, cada família precisa conhecer as características de seus filhos e reconhecer qual é o seu perfil como grupo, para que possa escolher uma instituição de ensino que se torne uma parceira na importante tarefa de preparar as crianças para o futuro.

Para Mauro Luís Vieira, professor do departamento de psicologia social na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que estuda as relações entre as crenças das mães e pais com o desenvolvimento infantil, as famílias devem se informar sobre aspectos práticos da vida escolar. “O método nem sempre serve como um critério de escolha, porque as pessoas muitas vezes não conhecem bem as teorias, ou a escola adota um rótulo que não segue na prática. Os pais têm de perguntar como é a rotina do colégio”, recomenda.

“Tem escolas que são muito tradicionais e rígidas e, no outro extremo, há escolas sem ordem, sem disciplina. Há escolas que cantam o hino; em outras, nem é preciso esperar sua vez para entrar na sala de aula. Sempre tendo em vista aspectos práticos, você consegue descobir o que a escola valoriza”, avalia Vieira. E, antes de se decidir por um local, a família deve entender o que ela própria valoriza. “Não dá para dizer que um tipo é melhor que outro. Se você está colocando seu filho lá, tem de compartilhar minimamente daquela filosofia.”

As famílias devem se perguntar, por exemplo, se procuram um local em que o professor seja visto como uma autoridade, alguém responsável por ensinar, ou como um alguém com proximidade, que colabore no processo de aprendizagem individual do aluno. Ou, é claro, algo no meio do caminho. O papel do professor pode ser facilmente percebido tanto no discurso sobre a filosofia da escola quanto na prática, pela relação entre os alunos e o corpo docente.

“Os pais podem ver se as crianças fazem fila, como é a distribuição das carteiras na classe – algo que pode ser fixo ou dinâmico”, exemplifica o psicólogo. Essas são algumas formas de perceber se aquela será uma escola que está de acordo com suas crenças e valores.

Dos dois lados da grande divisão entre escolas liberais e rígidas, existe todo um espectro de tipos e perfis. Algumas famílias valorizam muito os avanços tecnológicos, têm sempre os equipamentos mais modernos e, portanto, ficam mais satisfeitas com os filhos em escolas bem equipadas. Outras acreditam que conhecer diferentes culturas e idiomas é um dos pontos mais importantes da formação de um jovem feliz e de sucesso e, por isso, preferem escolas bilíngues. Em certos lares, a convivência com diversidade é um ponto essencial, assim acabam se encaixando bem em escolas com propostas inclusivas.

Há ainda famílias que valorizam a expressão artística e outras preferem uma maior ênfase nos esportes e atividades físicas. Existem pais que prezam pelo contato mais próximo com a natureza, e também os que desejam que seus filhos se tornem pessoas cultas, leiam muito. Cada família deve, em primeiro lugar, se reconhecer e estabelecer suas prioridades. Só então, deve partir para a busca de um lugar que seja compatível com o seu perfil.

Papel da escola

Além de variar entre liberais ou mais disciplinadas, as famílias também podem ser classificadas de acordo com o que esperam do colégio. Ao pesquisar sobre a escola para o seu filho, grande parte das famílias enfatizam o aspecto cognitivo, deixando de lado outros pontos do desenvolvimento. São famílias mais “tecnicistas”, que se reservam o papel de passar valores e ética, assim como promover atividades extracurriculares que acreditam ser importantes, sejam elas esportivas, artísticas, sociais ou religiosas.

Outras, contudo, fazem questão de uma formação completa dentro da escola, buscando locais ou metodologias que trabalhem habilidades e valores para além dos aspectos cognitivos mais básicos. São famílias que desejam uma educação “holística”.

A família de Janete Rocha, mãe de Sâmia, de 11, e Júlia, de 10 anos, se encaixa melhor no primeiro grupo. Para elas, o melhor caminho foi buscar uma escola com metodologia tradicional. Há três anos as meninas mudaram de escola, saindo de um colégio de bairro pequeno, para uma grande rede de ensino. “Lá, o foco são os estudos. Para mim, ótimo. Quem tem de dar educação e ensinar valores são os pais. Não vejo que isso seja papel da escola”, afirma Janete.

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As irmãs Sâmia (esq.) e Júlia estudam sob supervisão da mãe Janete: ambiente exigente de uma grande rede de escolas está fazendo bem para as meninas / Gustavo Morita

A mãe, que estudou a vida inteira em um colégio religioso com forte formação ética, reconhece que a princípio não gostava muito da ideia de matricular as filhas em uma grande rede. Mas acatou a recomendação da psicóloga da filha mais velha. “A psicóloga da Sâmia, que têm déficit de atenção, me sugeriu essa escola, dizendo que seria um local que iria desafiá-la”, conta.

Para a família, foi uma opção acertada. “Eles mantêm bom acompanhamento dos alunos, se esforçam para identificar os talentos de cada um, sempre fazendo campeonatos de todos os tipos, feiras de ciências.” A mãe avalia que a escola tem um ambiente bastante competitivo, mas acredita que isso está fazendo bem para as filhas. “É uma forma de incentivá-las, fazê-las correr atrás.”

Já Magnólia de Souza Santos, mãe de Clarissa, de 9 anos, se enquadra no segundo perfil de família, entre os que preferem uma escola com uma atuação mais ampla. Ela optou por um colégio de filosofia Waldorf, que busca equilibrar o lado cognitivo com o desenvolvimento de habilidades artísticas, musicais e sociais. “Na escola ela trabalha muito com a natureza, as artes, a religiosidade. Isso acaba desenvolvendo outros valores na criança”, diz. Lá, segundo conta, a competitividade e a pressa passam longe.

“Eles assimilam de um jeito mais leve – a tabuada, por exemplo, vem com ritmos e jogos. A Clarissa lê e escreve bem, mas, além disso, os cadernos são bonitos, todos coloridos”, relata Magnólia. A família também participa de uma forma diferente: não basta incentivar que os filhos estudem, é preciso colocar a mão na massa. “Ela tem sempre algum projeto de casa para toda a família: no 2º ano ela construiu um relógio com o pai; no 3º, foi a maquete de uma casa. E são as mães e pais que organizam as festas da escola”, cita.

Embora não professem nenhuma religião, as escolas Waldorf estimulam a religiosidade de forma ecumênica, o que pode gerar conflitos com certas doutrinas, assim como em famílias ateias. Para Magnólia, contudo, que segue a fé espírita, esse aspecto da vida escolar é visto de forma positiva. “Acho que lidam com a espiritualidade de uma forma muito bonita. Ensinam as crianças a terem respeito por todas as religiões, darem valor aos outros e à natureza, saberem sobre Deus”, afirma.

Para Quézia Bombonatto, presidente da Sociedade Brasileira de Psicopedagogia, tanto as famílias que pensam as escolas de maneira tecnicista quanto holística podem fazer boas escolhas, contanto que tomem certos cuidados. “A função primordial da escola é o pedagógico. Se a família está firme em seus valores, não precisa de uma escola tão forte nesse sentido”, afirma ela, aconselhando que os pais nunca desprezem o ensino formal em prol de crenças e valores.

Porém, a psicopedagoga lembra que a sociabilização é algo que acontece sobretudo na escola; para que as relações dos filhos se deem de forma ética, a escola precisa inevitavelmente desempenhar um bom papel de mediadora. Em casa, os pais até podem ter uma presença firme, mas não estarão presentes para avaliar e orientar as interações entre os grupos que se formam na escola.

Dentro desse movimento de procurar uma escola que tenha um perfil semelhante ao da família, é natural que as famílias acabem todas se agrupando com outras que sejam muito semelhantes a ela. Mas vale a pena ressaltar que as diferenças podem ser produtivas, segundo lembra o professor Vieira, da UFSC. “As pessoas acabam se agrupando por interesses, afinidades. É com as pessoas desse ambiente que seu filho vai conviver. Mas a escola não é uma ilha separada: será dentro desse contexto que a criança vai conhecer o mundo, criar habilidades sociais. Por isso, ter alguma diversidade é importante”, afirma.

QUATRO PERFIS DE FAMÍLIAS

Liberal
Família que convive bem com diferenças, como com casais homoafetivos
Deseja que a escola deixe seu filho uma pessoa mais questionadora
Preza por qualidades como a criatividade
Não gosta muito de convenções sociais, nem regras estritas

Disciplinada
Família bem estruturada, com cada membro tendo claro o seu papel
Deseja que a escola deixe o filho uma pessoa mais responsável
Preza por qualidades como o esforço e a obediência
Tem preferência por regras mais estritas, se dá bem em ambientes tradicionais

Tecnicista
Família que reserva para si a função de formação ética e religiosa, rejeitando interferências externas
Deseja que a escola dê para o filho o máximo de conteúdos possível
Preza por qualidades como a competência
Tem preferência por questões práticas, custo-benefício, facilidade de locomoção

Holística
Família que leva seus valores para todos os ambientes que frequenta
Deseja que a escola ajude a desenvolver os filhos em todos os aspectos – cognitivo, emocional, comportamental etc.
Preza por qualidades como harmonia e autoconhecimento
Tem preferência por ambientes que permitam criar relações mais profundas

 

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