Em busca de um modelo

Em busca de um modelo

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    • J. J. Camargo

Durante a faculdade, é fácil perceber o fascínio que certos professores exercem

A idealização de um modelo profissional a ser copiado, que começa com o pai ou a mãe e se amplia na adolescência, de fato só termina com a maturidade, quando não queremos mais copiar ninguém e, frequentemente, estamos cansados de ser como somos e, realizados ou não, batemos à porta da velhice, ali naquela margem imprevisível entre o ócio festejado da aposentadoria e a realidade indesejada da morte.

O tempo da escolha profissional é provavelmente o instante em que o “querer ser como...” é mais pungente e se anuncia no olho atento do estudante à cata dos sinais que devem, no imaginário dele, apontar o caminho.

Se todos os professores pensassem nisso quando estão à frente daquele bando de jovens ruidosos e aparentemente desinteressados, a construção do futuro dessa juventude começaria em bases mais confiáveis. O produto final entregue no mercado seria mais competitivo, e a tarefa do magistério pareceria ainda mais gratificante.

Durante a faculdade, é fácil perceber o fascínio que determinados professores, mais do que outros, exercem sobre os alunos que passam a imitá-los em gestos e comportamentos, a revelar o tamanho da responsabilidade de quem maneja mentes maleáveis e corações inseguros.

Cada semestre que terminava, só fazia aumentar a ansiedade da Fabíola, que ainda não tinha decidido que especialidade faria no futuro e, no fim de terceiro ano, não tinha avançado mais do que identificar umas três ou quatro daquelas do tipo “essas? Nem morta”.

Uma tarde, percorrendo a ala da enfermaria de medicina interna no hospital universitário, ela deparou com uma cena impressionante: seu Alcino, um velhinho enfisematoso grave, extremamente emagrecido e desorientado, avançava trôpego pelo corredor, quando simplesmente se estatelou no chão. Um professor, que vinha no sentido oposto, acelerou o passo, colocou a pilha de livros que carregava e o estetoscópio junto ao rodapé, ajoelhou-se, pediu calma ao seu Alcino, que gemia de dor, tomou-o no colo e partiu com sua carga preciosa rumo à enfermaria.

Recolocado no leito e reinstalado o oxigênio, o velhinho só sossegou depois de uma dose de analgésico que eliminou as dores da queda. Quando finalmente ressonou, o professor ainda continuava lá, sentado na cama, alisando-lhe os cabelos brancos.

Aos circundantes, a cena não parecia ter impressionado tanto, mas, para a Fabíola, tinha sido definitiva. Depois que todos se afastaram, ela entrou no posto de enfermagem e perguntou:

– Quem é esse doutor?”

– Que doutor?

– Esse que carregou o paciente no colo?

– Ah, esse é o doutor Dagoberto!

– O que ele faz?

– Ele é professor de pneumologia.

Pronto, estava tudo resolvido. Uma especialidade na qual um médico fazia o que ela tinha visto e, com aquela naturalidade, só tinha uma explicação. Devia ser uma maravilha!

E ela nunca mais teve dúvidas: ia tentar ser como o doutor Dagoberto.


À frente de jovens que buscam sinais de um caminho, maior e mais gratificante se torna a tarefa dos mestres

J. J. Camargo é cirurgião torácico e diretor do Centro de Transplantes da Santa Casa de Porto Alegre

jjcamargo.vida@gmail.com

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