Desigualdade extrema prejudica os ricos
Por que a desigualdade extrema prejudica os ricos?
“Poderíamos ter desenvolvido uma vacina para o ebola anos atrás se tivéssemos direcionado recursos para a pesquisa apropriada da doença”.
(Robert Peston/Editor de Economia da BBC News)
Ouvi essa frase, há alguns dias, de um cientista respeitado ? na verdade, uma das maiores autoridades mundiais em saúde pública.
Então por que até hoje a cura para uma doença que já matou quase 10 mil pessoas apenas na África Ocidental ainda não foi descoberta?
A resposta é simples: a pesquisa não aconteceu porque o ebola foi considerado, por um longo tempo, uma doença exclusiva dos pobres – em particular da África. Sendo assim, os gigantes farmacêuticos não tinham interesse em produzir medicamentos que não lhes trariam dinheiro.
Hoje o ebola é uma ameaça global ? e, portanto, há uma corrida maluca para encontrar algum tratamento efetivo para a doença.
O que a tragédia evitável do ebola mostra é que, em um mundo globalizado, os interesses dos ricos e pobres são muitas vezes os mesmos ? embora seja difícil para as empresas reconhecer essa reciprocidade de interesses quando há pressão por lucros em curto prazo.
Essa solidariedade entre aqueles com pouco e aqueles com muito também se esvai quando os governos são pressionados pelos eleitores para utilizar o dinheiro dos impostos apenas em prol da saúde doméstica.
Talvez o ponto mais importante é que, quando as decisões sobre quem fica com o que ou como os fundos de investimento são alocados cabem ao mercado, o resultado parece beneficiar apenas os ricos, mas a consequência dessa ação pode acabar prejudicando ricos e pobres.
Este é um forte argumento sobre por que o fosso cada vez maior entre ricos e pobres, em termos de riqueza e renda, é ruim para todo mundo ? inclusive para os super-ricos, a não ser que eles queiram viver para sempre enclausurados em seus bunkers lindamente decorados.
O ponto é que o funcionamento dos mercados, em nosso mundo globalizado moderno, tanto leva à extrema concentração de riqueza quanto a resultados cada vez mais irracionais no que se refere à alocação de fundos para combater ameaças ou promover bens públicos.
Essa é uma das razões pelas quais tanto o FMI (Fundo Monetário Internacional) quanto políticos de esquerda e de direita não vêm mais encarando com leveza o aumento do abismo entre ricos e pobres como um mal talvez custoso, mas necessário “para promover o crescimento”.
Trata-se, na verdade, de como um século de estreitamento das desigualdades agora parece dar sinais de marcha à ré.
Para ser mais claro: na segunda-feira, a ONG britânica Oxfam divulgou um estudo prevendo que, em 2016, os 1% mais ricos terão mais dinheiro do que os 99% dos demais habitantes do planeta. A estimativa não me parece de todo implausível.
Um relatório recentemente divulgado pelo banco Credit Suisse revelou que, em 2014, 0,7% das pessoas do mundo com ativos de mais de US$ 1 milhão (R$ 2,65 milhões) controlavam 44% de toda a riqueza mundial.
E uma importante pesquisa conduzida pelos professores Emmanuel Saez e Gabriel Zucman, da Universidade da Califórnia em Berkeley (Estados Unidos) e da LSE (Inglaterra) mostrou que os 0,1% americanos mais ricos ? ou 160 mil famílias, com patrimônio médio de cerca de US$ 73 milhões (R$ 194 milhões) cada ? detêm mais de um quinto de toda a riqueza do país, ou o mesmo montante controlado pelos 90% dos americanos mais pobres.
Existem todos os tipos de razões pelas quais tais aumentos na desigualdade são preocupantes, e não apenas para aqueles que estão na base da renda e da pirâmide de riqueza.
Uma delas é que pessoas de ambição com rendimentos mais baixos são incentivadas a assumir grandes dívidas para sustentar seus padrões de vida ? o que agrava a tendência de altos e baixos da economia.
Outra é que os pobres gastam mais do que os ricos de forma agregada e, portanto, o crescimento tende a ser mais rápido quando a renda é distribuída mais uniformemente.
Então o discurso do Estado da União de Obama, o qual se espera que contenha uma proposta para a tributação dos mais ricos, talvez deva ser visto como uma tentativa tardia de promover a estabilidade econômica e social que beneficiará ainda mais os ricos ? mas que será muito provavelmente barrada pelo Congresso, hoje de maioria republicana.
E o mais impressionante é a crescente percepção, inclusive por parte dos super-ricos, de que já não é tão simples argumentar que a “igualdade de oportunidades” é tudo o que importa.
Ou melhor, não pode haver igualdade de oportunidades em um mundo onde existe um tipo de desigualdade que não temos visto desde as primeiras décadas do século passado.
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