Reforma com cara de remendo
"Facilitou-se a conclusão do 9º ano - e minaram-se a autoestima e a autoridade dos docentes. Teria sido lindo aprovar todo mundo, se não tivesse sido à custa do saber",
afirma Tania Zagury
Fonte: O Globo (RJ) 16 de janeiro de 2015
Só de ouvir falar em reforma na educação, eu me arrepio! Afinal, com mais de quatro décadas de trabalho na área, sou testemunha da história dessa profissão... Uma das primeiras de que recordo pretendia “atender às peculiaridades da cultura do país”. Por isso, aboliram-se os programas, que eram únicos em todo o Brasil, e orientavam professores sobre o que ensinar. Segundo especialistas, eles uniformizavam a educação e atender às características culturais de cada região se fazia necessário.
Li que o novo ministro pretende promover reforma que dê ao país um projeto nacional único — que já tivemos e jogamos fora! Vão reativar o que foi banido. Também recordo de outra, que jogou no lixo as cartilhas, odiadas pelos construtivistas. Voltaram a ser usadas, porque o fracasso na alfabetização foi sem par. Pergunto: em que se baseiam as autoridades em suas decisões? Em estudos que mostram o que precisa ser mudado ou em ideias que lhes são simpáticas? Tantas reformas! E a qualidade do ensino sempre em queda...
Outra reforma, mais recente, implantou a progressão continuada, exaltada como solução para a repetência no 1º ano. Os docentes a apelidaram, com razão, de aprovação automática, porque foi só o que ocorreu. Deu no que deu: hoje não temos tão alto índice de reprovação no fundamental 1, mas, a partir do 6º ano, quando a aprovação automática termina, os índices sobem de novo. Bem que o ministro de então tentou adotar o modelo também do 6º ao 9º ano. Não conseguiu. O que se fez para resolver o problema foi pressionar os docentes a não reprovarem. Facilitou-se a conclusão do 9º ano — e minaram-se mais um pouco a autoestima e a autoridade dos docentes. Teria sido lindo aprovar todo mundo, se não tivesse sido à custa do saber.
Era de se esperar, portanto, que reprovação e evasão migrassem para o ensino médio — como está ocorrendo. Já se fala, não por outra razão, em “suprimir gorduras" do currículo. Acena-se, de novo, com facilitação. Nem parece que o mercado de trabalho, a cada dia, grita e esperneia alto para alertar sobre a crise de qualidade da mão de obra. Nosso trabalhador hoje tem dificuldade até para interpretar manuais de instruções! Assim, temos nos afastado mais e mais da necessária qualidade, essencial para que a massa de brasileiros possa ganhar o pão de cada dia. A reforma pretendida busca suprimir do currículo do ensino médio o que o diferencia do ensino fundamental: o aprofundamento de conhecimentos.
Ensino fundamental, como o nome diz, é o que dá, ou deveria dar, base! Suprimindo-se conteúdos mais complexos (que estão sendo chamados de “desnecessários” e estariam provocando a evasão), resolve-se o problema: todos se formam e ficam felizes (e melhoram-se também as estatísticas). Sim, é difícil aprender — especialmente para quem não recebeu a base a que tinha direito. O que se pretende parece muito com ressuscitar científico e clássico — com nova roupagem, claro. A nova velha reforma que vem por aí deve ter mais cara de remendo do que de reforma. Uma forma sutil de esconder da vítima (o aluno) os estragos que reformas equivocadas anteriores, como as que citei, fizeram. Se medidas desse teor trazem progresso, você decide.
*Filósofa
Leia opinião no site original aqui