Teoria é feita por quem está fora da sala

Teoria é feita por quem está fora da sala

'Boa parte da teoria é feita por quem está fora da sala de aula', diz educador americano

Pesquisador afirma que professores devem ser respeitados como profissionais que têm soluções para problemas de classe

Fonte: O Globo (RJ)      09 de janeiro de 2015

 

Quando foi lançado há cinco anos nos Estados Unidos, o livro do educador Doug Lemov foi recebido com um misto de entusiasmo e crítica. Diretor de uma rede de escolas privadas que atendem alunos pobres com recursos públicos, Lemov observou e filmou por cinco anos a atuação de bons professores em sala de aula. Desse trabalho surgiu “Teach Like a Champion”, traduzido no Brasil pela Fundação Lemann como “Aula Nota Dez”. Num mercado repleto de publicações sobre teorias pedagógicas, mas com quase nada sobre práticas de sala de aula, o livro virou rapidamente um best-seller.

Até hoje, no entanto, há quem o critique por dar ênfase demasiada à prática e desprezar teorias. Lemov responde afirmando que seu livro não tem a pretensão de ser o único a ser usado em escolas. O problema, afirma, é que boa parte das teorias pedagógicas é feita por profissionais que estão fora de sala de aula. Para ele, o professor não pode ser tratado só como alguém que executará a teoria de outros. Precisa ser respeitado também como alguém que tem soluções a dar para os problemas que ele mesmo vivencia na prática.

Lemov está lançando nos Estados Unidos uma segunda versão de seu livro. E terá seu trabalho avaliado no Brasil. Além da tradução de “Aula Nota Dez”, a Fundação Lemann elaborou um programa de gestão de sala de aula para formação de professores e coordenadores pedagógicos, baseado nas 49 técnicas descritas pelo educador americano. O programa será implementado em escolas estaduais cearenses, que serão avaliadas pelo Banco Mundial.

O senhor continuou estudando técnicas de bons professores após seu primeiro livro?

Sim. O livro lista 49 técnicas de grandes professores. Percebi que várias vezes me perguntavam sobre quais delas seriam as mais importantes. Isso me levou a reorganizar o livro em torno de quatro ideias principais e incluir técnicas que não constavam do primeiro.

Quais seriam essas ideias principais?

Uma das mais importantes é a que eu chamo de “checar pelo aprendizado.” A marca de um grande professor é entender a diferença entre “eu ensinei” e “eles aprenderam”. Esses profissionais estão constantemente querendo entender não apenas o que os estudantes sabem, mas principalmente aquilo que não sabem. Numa das técnicas, que descrevo como a “cultura do erro”, fizemos um vídeo de um professor que circula pela sala de aula e percebe que muitos alunos estão cometendo erros comuns. Um deles mostra ao professor seu erro, e o professor diz “que bom que você cometeu esse erro, pois isso me permitirá ajudá-lo melhor. Vamos aprender a partir disso”. Parece algo óbvio, mas o importante aqui é o professor passar a mensagem aos alunos de que é normal estar errado, e que errar é parte importante do caminho para o aprendizado.

Também reforço a ideia, já presente no primeiro livro, de que é preciso ter altas expectativas acadêmicas a respeito de todos os alunos. A terceira ideia é a de que é preciso estruturar a aula de modo que todos os alunos tenham tempo para desenvolver atividades cognitivas, em vez de ficar apenas assistindo ao professor. Um dos capítulos do meu novo livro que julgo mais importantes é o que fala da importância da escrita.

O senhor pode dar um exemplo?

Escrever é um dos atos mais rigorosos que um estudante pode fazer. Requer que você entenda uma ideia e saiba descrevê-la de forma exata em suas próprias palavras. Se você fizer isso bem, é porque entendeu. Quando você fala, pode usar gestos ou ser menos preciso. Quando escreve, são só suas palavras. Além disso, ao exigir que todos escrevam, o professor estimula todos a trabalhar, e não apenas alguns.

E qual seria a quarta ideia?

Ajudar o professor a criar uma cultura positiva de comportamento nos estudantes. Quando lancei meu primeiro livro, uma parcela significativa, tanto dos que gostaram quanto dos que não gostaram, entendeu, equivocadamente, que ele se resumia a dar dicas de como controlar e disciplinar os estudantes. O importante aqui, que eu procurei deixar claro agora nessa segunda versão, é que as técnicas para melhorar o ambiente de sala de aula existem para permitir que os alunos aprendam mais. Esse é o foco.

O Banco Mundial avaliará o uso de algumas de suas técnicas em sala de aula. Qual sua expectativa?

Espero que as pessoas usem as técnicas para assegurar que as crianças estejam aprendendo. Parece óbvio, mas vi nos Estados Unidos algumas redes que diziam ter adotado meu livro mas que, na verdade, estavam se preocupando apenas com as técnicas mais básicas, de comportamento.

Uma parte dos educadores criticou seu livro por dar uma ênfase exagerada à prática, como se ela fosse mais importante do que a teoria.

Não existe apenas um livro no mundo. É muito importante ter publicações que falem sobre a prática docente. Não significa que não se deva estudar teoria, mas o que acontecia, ao menos nos Estados Unidos, era que praticamente só havia livros teóricos, e muitos profissionais chegavam à sala de aula sem saber como resolver problemas cotidianos. Também acho que é importante aprender a partir da experiência de professores. Muitas teorias são escritas por gente que não está em sala de aula, que não trabalha nela todo dia. Não sei como é no Brasil, mas nos Estados Unidos temos um problema grave de baixo status da carreira docente. É importante respeitar os professores. Eles não podem ser tratados apenas como pessoas que vão executar teorias de outros. As soluções de problemas de sala de aula precisam ser pensadas principalmente pelos professores.

Leia entrevista no site original aqui

 




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