Em busca de um novo modelo
Depois de quase dez anos sem avançar nos indicadores, propostas para mudanças no Ensino Médio se multiplicam
por Cinthia Rodrigues e Thais Paiva — publicado na edição 92, mês novembro
Desde a primeira edição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2005, o Ensino Médio obteve o pior resultado entre as etapas de ensino avaliadas. Na última década, enquanto o Ensino Fundamental melhorava, ainda que a passos lentos, a última etapa da educação básica estacionou: subiu um décimo a cada biênio e nada na última edição do Ideb, divulgada em setembro. O resultado repetiu os índices de 2011, 3,7 pontos, e ficou abaixo da meta projetada de 3,9. A superação da evasão também estagnou: metade dos que começam não concluem o Ensino Médio.
Os dados parecem ter levado especialistas, gestores e educadores a concordar em relação à necessidade de mudança. “É uma fase historicamente sem identidade. Acabou moldada para preparar o processo seletivo para o Ensino Superior, quando na verdade apenas um em cada cinco farão faculdade”, resume a secretária Estadual de Mato Grosso, Rosa Neide Sandes de Almeida, cujo Ideb caiu de 3,1 para 2,7 no Ensino Médio.
Se é consenso a reestruturação, falta um acordo quanto à estratégia para realizá-la. Pesquisadores e professores afirmam ser preciso ter educadores em número suficiente e, depois, qualificados para ensinar. Os responsáveis pelos sistemas de ensino e políticas públicas reconhecem a carência, mas também propõem flexibilidade no currículo, agrupamento das disciplinas por áreas, aumento do tempo na escola e ênfase em temas que conduzam ao mercado de trabalho.
Em novembro de 2013, o MEC aprovou o Pacto Nacional de Fortalecimento do Ensino Médio, em parceria com os estados e as universidades federais, para dar formação interdisciplinar aos educadores. Em 2014, seminários ocorreram para ouvir especialistas e os professores cadastrados passaram a receber bolsa mensal de 200 reais. O programa também propõe a revisão dos currículos das unidades com base nas diretrizes propostas pelo Conselho Nacional de Educação em 2012, que são de integração entre as disciplinas e vocacionalização das escolas, ou seja, cada uma elencaria uma área de conhecimento para dar ênfase.
A ideia é de que o agrupamento ajude a contornar um dos principais problemas do Ensino Médio: a carência de professores para ministrar as aulas do currículo, sobretudo nas áreas de Exatas e Ciências. “Existem alunos que nunca tiveram aula com professor de Biologia, Química e Física”, relata Maria Izabel Azevedo Noronha, presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). “Faltam professores porque a carreira não é atraente. Não dá para fazer uma discussão sobre o Ensino Médio sem tentar resolver, antes, essa questão”, defende.
Para Moaci Alves Carneiro, autor de O Nó do Ensino Médio e ex-professor da Universidade de Brasília (UnB), os baixos investimentos do Estado brasileiro na etapa contribuem para o problema. “Se compararmos os recursos destinados ao Ensino Médio, relacionados ao custo aluno qualidade inicial (CAQi), com o que praticam os 30 países mais desenvolvidos educacionalmente, o custo do aluno no País é cinco vezes menor”, diz. A falta de incentivo reflete-se na baixa procura pelos cursos de Licenciatura e em altas taxas de evasão durantes os cursos. “Entre os que terminam, grande parte acaba migrando para outras ocupações. Alguém que se forma em Matemática, por exemplo, vai atuar nas engenharias”, conta.
Alexia de Souza, 17 anos, estudante do 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Padre Donizetti Tavares de Lima, em Tambaú, interior paulista, conta que muitas aulas não acontecem em razão do absenteísmo dos professores. Segundo a aluna, das cerca de 30 aulas programadas para a semana, seis não acontecem devido à ausência de docentes. “Quando os professores faltam, mandam vir um substituto que passa uma matéria que a gente não está aprendendo ou mandam a gente para a quadra com os alunos da Educação Física”, conta.
O mesmo ocorre na Escola Estadual Major Arcy, no Centro de São Paulo. “Os professores faltam uma ou duas vezes por semana. Acharia bom se, em vez de tapar o buraco, essas aulas fossem interdisciplinares”, diz o aluno Pedro Negrini, de 18 anos. Na rede estadual paulista, o Ideb caiu de 3,9 para 3,7.
Exemplos no exterior
A vocacionalização desde o Ensino Médio e a redução do total de disciplinas fragmentadas é tendência em outros países do mundo. Nos Estados Unidos, os alunos têm seis matérias obrigatórias e autonomia para preencher sozinhos o restante do tempo com cursos optativos em áreas de artes, esportes, acadêmicas ou profissionalizantes.
O Canadá e a Inglaterra adotaram modelo semelhante. “São medidas para aumentar o interesse do aluno e combater a evasão”, comenta Gabriela Moricone, que foi conhecer os sistemas como pesquisadora convidada da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “A maior diferença que vejo para a proposta brasileira é a vocacionalização das escolas. Nesses dois países, cada unidade oferece várias opções e os estudantes podem mudar a cada semestre, em vez decidir o caminho antes da matrícula.”
A escolha de uma área por escola aproxima-se mais do modelo alemão, que prioriza a formação técnica. No país de 80 milhões de habitantes, enquanto apenas 6 milhões têm curso superior tradicional, 23 milhões são técnicos.
No Brasil, um dos exemplos de Ensino Médio profissionalizante são as Escolas Técnicas Estaduais (Etecs), mantidas pelo Centro Paula Souza, autarquia do estado de São Paulo. Segundo o coordenador, Almério Melquíades de Araújo, a taxa de evasão é de apenas 5%. “Na maioria dos países, parte considerável de seus jovens, de 25% a 50%, busca o Ensino Técnico como forma de um aprendizado mais contextualizado, ou como preparação para o ingresso precoce no mundo do trabalho”, diz.
A rede tem 288 mil alunos em cursos técnicos de nível médio e superior tecnológico e, destes, 10% estudam em tempo integral. A ampliação da carga horária, já prevista para a Educação Básica no Plano Nacional de Educação, é outra aposta para o Ensino Médio.
O mais ousado dos projetos de reforma, feito pela Comissão Especial sobre o assunto na Câmara dos Deputados, quer alterar a legislação para que todos os alunos do diurno estudem ao menos sete horas por dia. A proposta retoma os temas de flexibilização do currículo com substituição das disciplinas por grandes áreas e aumenta o tempo de estudo no período noturno, que passaria a ser de quatro anos. As mudanças incluiriam disposição de vagas à noite apenas para os maiores de 18 anos e alterações no Enem para que a prova seja feita a cada ano do Ensino Médio.
O relator da proposta, o deputado Wilson Filho, afirma que a meta é distanciar a etapa do “decorômetro” para o vestibular ou o Enem. “Tem de atrair o estudante para uma profissão, ter um sentido. Eu saí do Ensino Médio não faz tanto tempo e ainda posso me lembrar de como não tem”, afirma o parlamentar de 25 anos.
Para a deputada Dorinha Seabra, um dos 50 membros da comissão, não é sempre para trabalhar que o estudante sai da escola. “Esse abandono é resultado da falta de conectividade entre o que é oferecido no Ensino Médio e as necessidades e desejos dos jovens. Eles não sentem que há uma correspondência entre o que veem ali e o que precisam para ocupar seu espaço no mundo do trabalho”, diz.
Segundo ela, o horário noturno tem os piores resultados nas avaliações nacionais. “Em Tocantins, fizemos um trabalho para diminuir as matrículas no noturno. Muitos jovens estavam à noite porque a escola era mais animada, porque tinham a expectativa de que aparecesse um trabalho. Depois, só ficou quem realmente precisava.”
Para Moaci Carneiro, instaurar o Ensino Médio de tempo integral pode afastar ainda mais o jovem. “Cerca de 65% das escolas não têm condição de acolher seus alunos em tempo integral por razões de infraestrutura, logística, pessoal técnico e corpo docente. Se faltam professores para a escola funcionar em um turno, como vamos tornar possível seu funcionamento em dois?”, indaga.
Para os alunos, a obrigatoriedade assusta. “Acho bom ter tempo integral, mas eu, por exemplo, preciso trabalhar e vou acabar indo para o noturno”, conta Bianca Domingues, aluna da Major Arcy, que passará a ser em tempo integral já nos próximos anos. “Não queria precisar, porque sei que o noturno é um lixo. Nesta escola tinha e acabou porque era ruim, mas eu preciso trabalhar”, afirma.
Para os gestores das redes estaduais – responsáveis por 80% das matrículas – as ideias de tempo integral e extensão do noturno para quatro anos são inviáveis. A presidenta do Conselho Nacional de Secretários de Educação, Maria Nilene Badeca da Costa, afirma que a maior parte das ideias dos deputados é interessante, mas para ampliar a carga horária falta estrutura. “A flexibilidade curricular e a ampliação da jornada escolar, por exemplo, encontram amplo respaldo. As formas de fazê-lo, porém, ainda não estão consensualmente estabelecidas”, diz a secretária Estadual do Mato Grosso do Sul, onde o Ideb caiu, de 3,5 para 3,4.
O secretário estadual de Santa Catarina, Eduardo Dechamp, também descarta a possibilidade em curto prazo. Diz que é uma meta por ser o modelo adotado pelos países mais desenvolvidos, mas há outras etapas a percorrer antes de implantá-lo. “Não temos estrutura física, não temos currículo e não temos professores para isso”, diz o chefe da pasta que ficou com 3,6 no Ideb ante 4, em 2011.
Segundo ele, os catarinenses terão escolas vocacionadas em 2015. Com isso, nas cidades em que houver várias escolas algumas terão mais conteúdo voltado para Humanas, outras para Ciências, Biológicas, Artes, e os alunos poderão escolher onde se matricular. “Teremos um currículo mínimo. As escolas terão liberdade para montar o restante da programação”, afirma.
Bernadete Gatti, responsável por pesquisas sobre formação inicial de professores e carreira docente na Fundação Carlos Chagas, critica as propostas: “Sonhamos demais e fazemos pouco”. Para ela, tais mudanças podem fazer da rede pública um “novo laboratório” para políticas públicas, enquanto o problema apontado nas pesquisas não é combatido, que seria a falta de preparo dos educadores para lidar com o estudante.
“O investimento precisa ser em tornar a carreira atraente e em coordenar uma mudança nas licenciaturas com a criação de um núcleo de ensino nas universidades”, afirma. A base curricular comum não resolveria o problema porque aposta em uma homogeneidade inexistente. “Não adianta dar a mesma base em todos os estados, assim como as mesmas condições para o professor no Tocantins e em São Paulo não vão tornar a carreira atrativa nos dois lugares. As necessidades são diferentes”, ressalta.
Para a estudante Bianca, é legítimo buscar uma reforma para a etapa que amarga indicadores ruins e todas as ideias têm potencial, mas é preciso dar alternativas para que os estudantes possam procurar o mercado de trabalho ou outras atividades. “Algo deve ser feito e tudo isso poderia ser bom, mas não serve, por exemplo, para mim. Precisa ter uma alternativa para o jovem que busca sua independência”, diz, lançando mais um fator a ser considerado.
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