Posição política em sala de aula
O professor deve assumir posição política em sala de aula?!
“A tarefa do professor é servir aos alunos com o seu conhecimento e experiência e não impor-lhes suas opiniões políticas pessoais”
Max Weber.[1]
No dia seguinte ao debate entre os pretendentes a governar o Brasil pelos próximos anos fui questionado em sala de aula sobre a minha posição política em relação aos presidenciáveis. Respondi evasivamente, não queria debater política partidária em sala de aula. Penso que isto diz respeito a cada indivíduo, aluno ou professor. É um direito individual e deve ser respeitado.
Não obstante, não compactuo com a tese da neutralidade axiológica. Não existe professor politicamente neutro; o mesmo se aplica aos estudantes. Somos seres sociais, compartilhamos visões sociais de mundo que orientam posições e práticas sociais, apesar das nossas idiossincrasias. Ilude-se – ou intenta iludir os outros – quem, em nome da técnica ou de uma ciência inspirada no cânone positivista e/ou weberiano, imagina-se neutro. A neutralidade é uma forma de legitimação do status quo e mascara interesses declarados ou inconfessos. Como afirma Maurício Tragtenberg, “a ideologia do acadêmico é não ter nenhuma ideologia, ele faz fé de apolítico, servindo assim à política do poder”.[2]
Por outro lado, é preciso diferenciar “política partidária” e “Política”. A primeira é restrita e se refere à política institucional, cujo locus preferencial é o Estado; a segunda, é abrangente e diz respeito à vida em sociedade para além das instituições vinculadas ao Estado. O indivíduo pode declarar-se apartidário e apolítico. Mas, isto não lhe retira a qualidade de ser social-político. Portanto, tanto o professor quanto o estudante podem declarar-se contrários à política – isto significa não adesão aos partidos, à política partidária e institucional. No entanto, enquanto indivíduos que vivem em sociedade, na polis, e que tem visões de mundo, não são apolíticos. Ainda que o professor não declare sua ideologia, isto não significa que ele não tenha visão de mundo. Em suma, se compreendemos a Política para além do conceito restrito à institucionalidade, à política partidária, nenhum professor é politicamente neutro.
É melhor assumir a não neutralidade. Como escreve Paulo Freire: “Em nome do respeito que devo aos alunos não tenho por que me omitir, por que ocultar a minha opção política, assumindo uma neutralidade que não existe. Esta, a omissão do professor em nome do respeito ao aluno, talvez seja a melhor maneira de desrespeitá-lo”.[3] Também desrespeita o aluno quem disfarça posições políticas sob o manto de um discurso pretensamente científico, ou seja, faz parecer ciência o que de fato nada mais é que ideologia não-declarada.
Também é desrespeitoso abusar da autoridade conferida institucionalmente para impor ideias políticas, sejam elas conservadoras, liberais, marxistas ou mesmo anarquistas. O papel do professor não é doutrinar alunos, nem muito menos agir como o pastor que alicia almas para o seu rebanho. “O meu papel, ao contrário, é o de quem testemunha o direito de comparar, de escolher, de romper, de decidir e estimular a assunção deste direito por parte dos educandos”, nota Paulo Freire.[4] Não cabe ao docente fazer proselitismo político em sala de aula, menos ainda doutrinar, “fazer cabeça”.
A resposta ao questionamento sobre a minha posição política na atual conjuntura eleitoral orientou-se pelas concepções pedagógicas que adoto – com clara inspiração libertária e freireana. Mas talvez tenha pecado por excesso de zelo. A aluna questionou, então, por que, segundo ela, não me posiciono politicamente em sala de aula. Resumidamente, tentei me explicar e disse que gostei do desempenho da candidata do PSOL. Mas não declarei que votaria nela. Na verdade, naquele momento mantinha a tendência a votar nulo. Contudo, se a aluna me perguntasse hoje, eu responderia sem vacilar: “Gostei do desempenho da candidata Lucina Genro e, embora meu amigo e companheiro dos tempos do NEP-13 de Maio e da militância no PT também seja candidato a presidente do Brasil, votarei nela”. Responderia apenas por respeito. Sala de aula não é palco para campanha política partidária, nem púlpito para catequização ideológica. Se é, não deveria!
[1] Citado em QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássico: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002, p.97 [versão eletrônica]
[2] “A DELINQUÊNCIA ACADÊMICA. Entrevista com Maurício Tragtenberg”. In: Folha de S. Paulo, FOLHETIM, 06.08.1978. Disponível em http://almanaque.folha.uol.com.br/leituras_30mar01.shtml Acesso em 14.09.2014.
[3] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 79.
[4] Idem.
https://antoniozai.wordpress.com/