Julgamento da desaposentação

Julgamento da desaposentação

Julgamento da desaposentação no STF

02/12/2014

Wladimir Novaes Martinez*, no Jornal Valor Econômico

O início do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 661.256 por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), tratando da desaposentação, foi auspicioso para os interessados e um tanto decepcionante para os estudiosos do direito previdenciário. Sem embargo da questão não ser constitucional, foram feitas mais de cem alusões à Carta Magna, desnudando o desconhecimento do conceito básico de Previdência Social, significado do regime de repartição simples, o princípio da solidariedade e o que quer dizer o instituto técnico da desaposentação. Além de certa confusão com pedido de revisão e transformação de benefícios.

Revisão de benefícios pressupõe um equívoco material ou formal na instrução da concessão ou por ocasião dos reajustes. A transformação não exige volta ao trabalho nem eventual restituição. A desaposentação parte da regularidade, legalidade e legitimidade da concessão inicial da primeira aposentadoria.

Os exageros retóricos impressionaram, revelaram a paixão dos defensores dos pontos de vistas das duas partes, mas pouco contribuíram para delimitar o assunto a ser debatido.

O início do julgamento foi auspicioso para os interessados e um tanto decepcionante para os estudiosos do direito previdenciário.

A preocupação com o equilíbrio atuarial e financeiro da seguridade social foi notável e merece encômios, é ato de responsabilidade e deve ser aplaudido. Pois ele é um dos pressupostos da desaposentação e isso não foi ressaltado.

A teoria da desaposentação não objetiva acumulação de um com outro benefício, aliás, proibida pelo artigo 124 da Lei nº 8.213, de 1991, mas um recálculo da renda mensal do primeiro, contando com os seus elementos e os emergidos pós a volta ao trabalho. Um novo cálculo que não pode contar com o fator previdenciário do primeiro benefício, como quer o relator.

Por que se entendeu que o princípio da solidariedade teria sido ofendido? Os valores aportados pelos aposentados que voltam ao trabalho por acaso vão para uma conta pessoal (caso do FGTS, caderneta de poupança e da previdência associativa)? Diferentemente, eles destinam-se aos cofres do Fundo da Previdência e Assistência Social (FPAS) e custeiam benefícios para toda a clientela protegida. Pior que manipular o princípio do equilíbrio atuarial e financeiro para negar benefícios é malbaratar o conceito de solidariedade social. Tais contribuições dão cobertura àquele mencionado segurado jovem que se aposentou por invalidez depois de apenas 12 contribuições. Da mesma forma como os valores dos benefícios não auferidos pelos segurados (por quaisquer motivos) jazerão no FPAS. A solidariedade securitária cifra-se na contribuição, o benefício é sua necessária contrapartida.

A União alegou três fundamentos significativos: I) ofensa ao ato jurídico perfeito; II) descumprimento do artigo 18, parágrafo 2º; e III) não aplicação do princípio da igualdade ou isonomia. O aludido artigo 18, parágrafo 2º, não veda esse instituto técnico, ele confirma o artigo 124 e garante que ninguém pode auferir duas aposentadorias, nem o instituto técnico da desaposentação quer isso. Se a União quiser obstar a desaposentação, e teve tempo nos últimos 20 anos para isso, deveria alterar a redação daquele dispositivo.

Seguindo o exemplo do ministro Luís Roberto Barroso, com exceção do fato de que foram auferidas mensalidades devidas entre a primeira e a segunda aposentadoria, matematicamente quem requereu a desaposentação e quem não a solicitou, estão exatamente na mesma situação. Convindo ressaltar que o princípio constitucional da liberdade permite a cada beneficiário a volição de, se não vedado em lei, fazer o que bem entender.

Ah! A renúncia! Acusada de ser fingida ou falsa. Entrementes, existe independentemente do observador, e será presumida. Na desaposentação se alguém desiste de um benefício e recebe outro no lugar, lógica e implicitamente se absterá do primeiro. O mesmo acontece quando o segurado pretende de dois, o melhor benefício. É inútil afirmar que a desaposentação é um estímulo ao retorno ao mercado. Mesmo quando da existência do pecúlio, as pessoas se mantinham trabalhando para melhorar sua renda e não porque pensavam nesse benefício de pagamento único extinto de 1994. Pretender aplicar os elementos do fator previdenciário da época da primeira aposentação é contrariar frontalmente o tempus regi actum, sem falar que a data do início do benefício pode ter sido antes da Lei nº 9.876, de 1999, quando não havia esse fator nem o atual e distinto período básico de cálculo. Ambos provocando diferentes resultados financeiros.

Ficou no ar o significado da contributividade. A contrapartida foi mencionada en passant. Um silêncio sepulcral cobriu o papel da contribuição e qual deve ser o seu destino. Menção aos 11% dos servidores aposentados, um absurdo de lógica que o STF acolheu em mau momento, não enriqueceu o debate. Como se pode opor a um instituto técnico que, de fato, não prejudica o plano de benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), a coletividade, e observa o princípio da contrapartida, inerente à contributividade?

* Wladimir Novaes Martinez é advogado e consultor, especialista em direito previdenciário

Este artigo foi publicado no Jornal Valor Econômico em 19/11/2014




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