Mais radicalidade na Conae
Luiz Araujo
Hoje foi a abertura política da II Conferência Nacional de Educação, evento que reúne quase quatro mil delegados de todos os cantos do país e que desperta enorme expectativa em todos aqueles que lutam por uma educação pública, de qualidade, laica e inclusiva.
Normalmente destacaria algo das falas governamentais ou dos movimentos sociais. Contudo, o que me mais me chamou a atenção foi um manifesto político que Denise Carrera, defensora do direito à educação, me entregou na hora da abertura.
O texto foi produzido pelo Grupo de Diálogos sobre Direitos Humanos, Diversidade, Inclusão e Sustentabilidade que se batizou com o nome sugestivo de “Tranças das Diversidades na Educação”.
O texto inicia com uma frase que me tocou muito pela capacidade de expressar um sentimento que compartilho e que suponho também outros tantos delegados e delegadas tenham o mesmo sentimento.
O manifesto pede maior radicalidade na superação das desigualdades, na promoção dos direitos humanos e inclusão, na valorização da diversidade e sustentabilidade socioambiental e no fortalecimento da participação popular em educação. Mas considero que essa maior radicalidade é uma necessidade que recai sobre todos os debates que ocorrerão na Conae até domingo.
Destaco a minha concordância com a enumeração de derrotas que tivemos na votação do PNE, mesmo que comemore e valorize muito as vitórias. O manifesto lembra que foi incluído da lei “parcerias público-privadas na contabilização dos 10% do PIB, ao mesmo tempo que mantém a limitação da gestão democrática somente à educação pública, não envolvendo as instituições privadas”, que não foi incorporada a defesa ativa do princípio da laicidade na educação, que ocorreu uma “total ausência da agenda ambiental nas metas e estratégias do PNE”, que houve uma “tímida incorporação de agendas de superação do racismo, homofobia/lesbofobia/transfobia, sexismo, em disputa com setores conservadores da sociedade (religiosos e outros)” e citam também as “tensões presentes na tramitação referentes às modalidades da educação do campo, educação indígena e educação quilombola”.
A minha lista seria um pouco maior, mas fico satisfeito em ver parte do movimento social pontuando os limites políticos da relação com o governo, com sua “governabilidade” e a relação disso com um parlamento que já era conservador e conseguirá ficar pior na próxima legislatura.
O documento enumera várias propostas que precisam ser defendidas e aprovadas pelos delegados e pelas delegadas da II Conae para que a radicalidade seja incorporada em suas deliberações.
É um bom começo. Quero defender que usemos o mesmo espírito deste manifesto para todo o conjunto de debates que ocorrerão na Conferência. Explico de maneira sucinta os motivos políticos:
1. Acabamos de sair de um processo eleitoral de intensa polarização e mesmo quem tinha críticas contundentes aos limites do atual governo se mobilizou para impedir um retrocesso político no país. Na educação uma vitória de Aécio seria catastrófica;
2. Após o pleito as articulações conservadoras continuam bastante intensas, vide as manifestações favoráveis ao impeachment de Dilma e a evocação de quebra do estado democrático de direito que temos presenciado;
3. As denúncias de corrupção na Petrobrás, as quais desnudam o quanto o sistema político brasileiro está apodrecido e o quanto o financiamento privado de campanha distorce a democracia brasileira, deixam cada vez mais acuado um segundo mandato de ainda nem começou;
4. As sinalizações do governo têm sido muito contraditórias. Um caminho (provável) é que para furar o cerco midiático e político a presidenta Dilma esqueça dos setores que lhe garantiram a vitória e faça mais e mais concessões ao grande capital, ao controle da mídia por pequenos grupos. Para isso deve antecipar a indicação de um ministro da Fazenda que seja palatável ao grande capital e anunciar austeridade nas contas (forma doce de dizer que irá diminuir os investimentos sociais no próximo mandato);
5. O outro caminho (pouco provável) seria o da radicalidade pedida pelas entidades signatárias do manifesto que hoje comento. E a II CONAE é um bom momento para exercitar este caminho. Ao invés de austeridade fiscal para manter cinco mil famílias credoras de nossa dívida pública e os donos da grande mídia contente, que tal deixar claro os compromissos do governo com as metas do novo PNE? Em resposta aos que disseram que a vitória de Dilma foi pela ignorância dos nortistas e nordestinos, que tal acelerar a implantação do Custo Aluno Qualidade e garantir que a inclusão educacional deixe de ser segregada social e territorialmente como é hoje?
Cabe a todos nós delegados assumir nossas responsabilidades e levantar a bandeira da saudável e necessária radicalidade na II CONAE.
Frustrante
Procurei uma palavra para resumir a minha impressão sobre o pronunciamento da presidenta Dilma na plenária da II Conae. Só consegui encontrar esta que do título deste post.
Considero importante que ela tenha se comparecido, não deixa de ser uma sinalização de reconhecimento da importância do evento. Em sua fala, inclusive, ela ressaltou o valor da participação popular nas decisões.
Porém, o seu discurso pode ser perfeitamente dividido em três partes:
A primeira foi sobre o reconhecimento da importância da Conferência, o que pode ser parte do protocolo de seus discursos em eventos do tipo ou um reconhecimento sincero que tais processos são fundamentais para aprofundar a democratização do país.
A segunda parte (a mais longa) foi bastante eleitoral. Ela discorreu sobre o fato da educação ser “a prioridade das prioridades do nosso modelo de desenvolvimento com inclusão social”, mesmo que qualquer análise dos orçamentos executados no seu primeiro mandato desautorize tal conclusão. Certamente o pagamento da dívida pública e a manutenção de seguidos superávits primários foram muito mais prioritários que a educação nos últimos anos.
Em seguida, ainda nesta segunda parte do discurso, foram elencados todos os principais programas educacionais do governo federal que serviram de mote durante a campanha eleitoral.
É como se a presidenta ainda estivesse em ritmo de campanha. Destaco a continuidade e o peso que deu na campanha e no seu discurso para o Pronatec, quando afirmou que “ele é gratuito e por isso é uma grande política”.
A terceira parte, quando fiquei esperando alguma sinalização de como o seu futuro governo se relacionaria com as demandas educacionais, para além do “mais do mesmo” da segunda parte, ela não passou da fórmula genérica escrita pela assessoria do MEC de que as deliberações da Conferência “sirvam de base para a regulamentação do PNE” e que sirvam de subsídios para as políticas do Ensino Profissional (para o qual ela já havia elencado que o eixo é o Pronatec) e para o Ensino Superior.
Foi uma frustração.
Considerando que a eleição foi apertada, que a mobilização dos setores sociais organizados ali presentes foi importante (tem gente que acha que foi até decisiva!) para sua vitória, era razoável esperar algum gesto menos genérico para alimentar os vínculos políticos com este segmento social.
Agindo desta forma reforça a impressão (que parece ir virando certeza para muitos) que as sinalizações completas serão feitas justamente para o outro lado do espectro eleitoral, ou seja, para o mercado financeiro, para os credores da dívida, para a grande mídia, numa tentativa de frear as tentativas conservadoras de transformarem seu início de governo em algo ilegítimo aos olhos da população. Certamente o nome do Ministro da Fazenda deve estar consumindo mais o juízo da presidenta do que a criação das condições para que o Plano Nacional de Educação saia do papel e ajude a superar os entraves educacionais brasileiros, “a prioridade das prioridades do governo”.
O clima do plenário foi também de véspera de eleição. Poucas cobranças, com exceção de uma faixa dos funcionários do MEC pedindo plano de carreira e de algumas palavras de ordem sobre o ensino médio, o restante foi uma recepção de candidata, quando a educação precisava de uma postura de cobrança, mesmo que fraterna, do esforço que estes ativistas fizeram para que Dilma tivesse mais um mandato.
Esta primeira manhã deixou ainda mais claro que sem maior radicalidade não será possível mover o governo federal para o cumprimento das tarefas enormes que a próxima década cobrará do país.
Antes que algum desavisado me chame de ingênuo (coisa que não sou) registro para alguém que não saiba que faço parte de um partido (PSOL) que faz oposição (de esquerda) ao governo Dilma e que no segundo turno de maneira amplamente majoritária (inclusive com minha participação) votou na Dilma contra o retrocesso representado pelo Aécio.
Foi frustrante para os que depositam sinceras esperanças no governo. Foi frustrante para as necessidades imediatas de um governo encurralado por escândalos de corrupção e por manifestações conservadoras e reacionárias. Foi frustrante pela perda de oportunidade do plenário da II CONAE, de conjunto, cobrar mudanças de posturas consistentes para o segundo mandato da presidenta.
Ajuda inesperada ao debate na II CONAE
Muito se tem falado do caráter conservador do parlamento brasileiro, com destaque para a composição do Senado Federal. Efetivamente nas últimas vezes que a educação precisou aprovar melhorias foi justamente no Senado que ocorreram retrocessos, seja pelo perfil dos seus parlamentares, seja por que o governo possui maioria mais sólida naquela Casa.
E não é que hoje uma votação ocorrida na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado (CE) trouxe uma importante contribuição para o debate sobre financiamento educacional que será travado de 19 a 23 de novembro na II Conferência Nacional de Educação.
Trata-se da aprovação pela referida Comissão de emenda ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2015, que aumenta em R$ 5 bilhões o investimento nas escolas públicas. De autoria da senadora Ângela Portela (PT-RR), a proposta aumenta de 10% para 15% o valor mínimo da complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
A LDO é o instrumento por meio do qual o Executivo estabelece as principais diretrizes e metas da administração pública para um exercício. Na LDO estão dispostas as regras para a elaboração do Orçamento do próximo ano.
A Emenda Constitucional nº 53 de 2006 estabeleceu que a complementação da União para os fundos estaduais do Fundeb deveria ser, no mínimo, de 10% do montante depositado pelos demais entes federados. Esta redação representou um grande avanço e foi conquista da sociedade civil organizada. Entretanto, o que deveria ser o mínimo passou a ser o teto durante todos os oito anos de existência do Fundeb.
A I CONAE aprovou a proposição segunda a qual A “complementação da União ao Fundeb deve avançar imediatamente para uma transferência equivalente a 1% do PIB/ ano”. Atualmente a mesma representa 0,22% do PIB.
Apesar de ter sido apenas uma votação de uma Comissão temática, podendo perfeitamente ser descartada pela relatoria da Comissão Mista do Orçamento que analisa a Lei de Diretrizes Orçamentárias e nem chegar a ser votada em plenário, a proposta mostra uma maior sensibilidade dos parlamentares para um fato incontestável: não é possível cumprir as metas e estratégias aprovadas no Plano Nacional de Educação sem que sejam aumentados os recursos educacionais de forma constante e sustentável.
Aplicando 10% do montante depositado pelos demais entes federados foi possível diminuir um pouco a desigualdade territorial, mas estamos longe de ter implementado condições aceitáveis de oferta educacional que não permitam que parte relevante dos brasileiros recebam uma educação de péssima qualidade, reforçando a exclusão social existente.
Um dos pontos mais polêmicos do PNE foi o estabelecimento de um padrão mínimo de qualidade, denominado de Custo Aluno Qualidade, visando oferecer condições mínimas para a oferta educacional, beneficiando os brasileiros que tem seus filhos matriculados nos estados mais pobres, nos municípios mais rurais e onde os índices de pobreza são mais presentes.
A estratégia 20.10 estabelece que a União deve complementar estados e municípios que não alcançarem este patamar mínimo de qualidade. E um dos caminhos para operar este apoio é um aperfeiçoamento do Fundeb e elevação do percentual d participação da União na sua complementação.
Para cumprir a deliberação da I CONAE seria necessário alcançar uma participação da União por volta de 30%, mas o que foi aprovado mostra um caminho que não podemos fugir: só é possível alcançar um padrão mínimo de qualidade com maior participação financeira da União no financiamento da educação básica.
http://rluizaraujo.blogspot.com.br/2014/11/ajuda-inesperada-ao-debate-na-ii-conae.html