Escola Porto Alegre deve ser fechada
Referência para população em situação de rua, Escola Porto Alegre deve ser fechada até junho de 2015
Centro de formação para jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social deve ceder espaço para uma escola de ensino infantil
19/11/2014 | 07h40
Edificada há 19 anos como um centro de formação e referência a jovens e adultos em situação de rua, a Escola Porto Alegre (EPA) deve fechar as portas até junho de 2015. A proposta da Secretaria Municipal de Educação (Smed) é que o lugar, um conjunto de salas que ocupa o número 203 da Rua Washington Luís, no centro da Capital, seja transformado em uma escola de educação infantil.
Para isso, os cerca de 120 alunos matriculados — com idades entre 15 e 59 anos — passarão a ser atendidos no Centro Municipal de Educação do Trabalhador (Cmet) Paulo Freire, no bairro Santana. O município garante que os direitos dos estudantes em situação de rua serão preservados e que, na nova escola, eles terão o atendimento, inclusive, ampliado. Mas quem vive o dia a dia da EPA não quer trocá-la.
— A gente mora na rua, mas a EPA é a nossa casa — dizem, pelos corredores da escola.
A "casa" tem biblioteca, ambientes para oficinas de cerâmica e papel reciclado, sala de informática, salas de aula, refeitório, banheiros com chuveiro — porque é um direitos dos estudantes estar dignamente em uma sala de aula, complementa a diretora da EPA, Jacqueline Junker —, além de quadra esportiva, galpão ao estilo campeiro e um saguão, onde na tarde de terça, se desenrolava um projeto de literatura. Um espaço que, desde 14 de outubro, quando a Smed anunciou sua proposta, virou palco de polêmica.
E se Porto Alegre se adaptasse aos moradores de rua?
Maioria dos moradores de rua da Capital se recusa a ir para albergue
De acordo com a coordenadora da Modalidade Educação de Jovens e Adultos da Smed, Simone Lovatto, existe uma demanda de cerca de 600 vagas no ensino infantil no centro de Porto Alegre. E a estrutura da EPA é vista como essencial para diminuir esse número — pelo menos 80 crianças poderiam frequentar aulas no local.
— O ensino infantil é a atribuição prioritária dos municípios, conforme o governo federal. Esse espaço ocupado pela escola pode atender dezenas de crianças, sem tirar o direito legítimo de educação aos jovens e adultos matriculados na EPA, que continuarão sendo atendidos na modalidade EJA — afirma Simone.
— Entendemos que existem outros espaços. Dentro da própria escola, existe uma área de 600 m², onde poderia ser construída uma nova escola, voltada para o ensino infantil. Apontamos ainda um outro terreno, próximo ao encontro da José do Patrocínio com a Lima e Silva, que está ocioso e poderia ser usado. Se a Smed se debruçasse sobre o assunto, encontraria outras alternativas que não o fechamento — rebate o presidente do conselho escolar da EPA, Renato Farias dos Santos.
Um lar diurno
Alunos decoraram a a escola conforme seus gostos e vontades
Foto: PMPA / Divulgação
A resistência em manter o espaço é justamente pelo o que ele representa. É como se um abrigo diurno tivesse se criado em um importante ponto de passagem de pessoas em situação de rua, que se autodenominam "peregrinos". Na escola, se reúnem diariamente cerca de 40 alunos com históricos parecidos: vivem nas ruas ou em albergues, têm famílias desestruturadas, alguns enfrentam problemas ligados à drogadição — mas, em algum momento, decidiram recomeçar. E ali recebem acompanhamento de 25 professores, são encaminhados para tratamentos psicológicos, psiquiátricos e atendidos em consultórios de rua.
Um dos beneficiados pela EPA é Paulo Roberto dos Santos, 35 anos, que se matriculou na escola para "retomar a sabedoria que tinha esquecido" e "fazer um futuro melhor". Sobre a possibilidade de ser transferido para o Cmet, o estudante é categórico:
— Não vai funcionar. Tem a questão da cultura. Pessoas com origens diferentes das nossas, mais ligadas à família, por exemplo, não vão se vincular com a gente, pessoas em situação de rua. Não tem como formar esse ambiente. Aqui é diferente, temos o mesmo padrão.
Para a diretora da EPA, Jacqueline Junker, é preciso "considerar o diferente nas suas diferenças". Segundo ela, a pessoa em situação de rua tem particularidades que não são compatíveis com a burocracia das escolas normais. Na EPA eles podem se matricular no horário e dia que bem entenderem, não importa o mês. Ali, se não entregarem toda a documentação no dia, podem frequentar a aula e complementar os dados na próxima oportunidade. Jacqueline ressalta, ainda, a importância de se ter um ambiente acolhedor e familiar.
— Eles ficarão diluídos em uma massa, uma população de estudantes que pode ter um olhar discriminatório, que é próprio da cidade. E assim irão paulatinamente se retirando desses espaços. Esse, aliás, é um exercício comum na vida deles: retirar-se. Diluí-los em uma realidade completamente diferente da deles é reproduzir mais uma vez a exclusão, que é o motivo pelo qual estão na rua — afirma Jacqueline.
De acordo com a Smed, o Cmet, localizado na Rua Santa Teresinha, bairro Santana, tem 800 alunos — nenhum deles em situação de rua. Segundo Simone Lovatto, o centro tem proposta pedagógica semelhante à da EPA e os alunos não sentiriam tanto a mudança.
— A proposta pedagógica é praticamente a mesma. E eles ainda terão atendimentos que não têm hoje na EPA. O direito está garantido. Não se trata de fechar o atendimento na rede municipal. Pelo contrário, estamos ampliando essa rede: com uma escola infantil e garantindo o atendimento desses jovens e adultos.
Para discutir o assunto, uma nova audiência pública está marcada para 17 de dezembro, na Câmara de Vereadores.
* Zero Hora