Educando o mundo
Nenhum país pode desfrutar de uma prosperidade sustentável sem um investimento extensivo em educação de qualidade
Gordon Brown - Revista Veja - 17/11/2014 - São Paulo, SP
As chances de serem alcançados os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que visam garantir que todas as crianças em idade escolar tenham acesso à educação até dezembro de 2015, tornam-se cada vez mais difíceis. Considerando que, nos últimos meses, as crianças que vivem em Gaza, Síria, Iraque e Nigéria encontram-se literalmente na linha de fogo, a grandeza do desafio não poderia ser mais evidente. Afinal, cumprir a promessa de educação universal exige que mesmo aqueles que se encontram em circunstâncias mais difíceis, como as crianças refugiadas ou que vivem em zonas de combates, possam ter uma educação básica em condições de segurança.
Estudos científicos apontam que nenhum país pode desfrutar de uma prosperidade sustentável – ou evitar a armadilha do rendimento mediano – sem um investimento extensivo em educação de qualidade. Essa afirmação é especialmente verdadeira para a economia de hoje, baseada no conhecimento, em que as empresas valorizam-se não apenas pelos seus ativos físicos, mas também pelos humanos, e as bolsas, além do capital físico, avaliam o capital intelectual.
A educação há muito tempo é considerada a principal garantia de renda, riqueza, status e segurança. Não obstante, milhões de pessoas foram excluídas ou deixadas para trás, sistematicamente, e quase metade das crianças do mundo ainda não tem acesso à educação básica.
De fato, foi feito um progresso significativo durante os primeiros cinco anos após a introdução dos ODM [2000-2005], registrando-se um aumento anual de 1,5% no número de matrículas nas escolas primárias e intermediárias. Mantida esta projeção, até 2022 a taxa de matrículas atingiria os 97% em quase todo o mundo; a África subsaariana alcançaria esse nível em 2026.
Mas, depois de 2005, o progresso estagnou. Como resultado, apenas 36% das crianças que vivem nos países mais pobres do mundo completaram o segundo ciclo do ensino fundamental. Até 2030, essa taxa terá aumentado, mas apenas para 54%.
Não é novidade o fato de que as meninas em comunidades rurais são as que enfrentam os maiores obstáculos. Hoje, cerca de três quartos das meninas não frequentam o ensino fundamental; em 2030, metade ainda estará fora da escola. Da mesma forma, cerca de 90% das jovens atualmente são incapazes de completar o ensino secundário; até 2030, esse número terá sofrido uma redução de apenas 20%. E, se os meninos na África Subsaariana vão ter que esperar até 2069 pelo acesso universal à educação primária, as meninas terão de esperar até 2086. Quanto ao ensino intermediário, se as tendências atuais se mantiverem, será preciso quase um século para garantir o acesso de todas as meninas na África Subsaariana.
Nenhum destes índices enquadra-se na promessa dos líderes mundiais de desenvolver os talentos das crianças de todo o mundo. Um estudo recente indica que a África está tão atrasada em termos de oportunidade educacional que, em 2025, apenas 2% da população jovem adulta, na faixa dos trinta anos, proveniente de Ruanda, Chade, Libéria e Malawi – e apenas 3% da população da Tanzânia e Benin – terão frequentado o ensino superior em universidades ou escolas superiores. Esses níveis tão baixos de educação superior tornam impossível não só a contratação de professores qualificados para a próxima geração, mas também a criação de quadros com profissionais formados na área da saúde para atender em clínicas e centros médicos. Estas deficiências perpetuam o ciclo aparentemente interminável de baixos níveis de educação, saúde precária, desemprego e pobreza.
É claro que alguns países africanos – como Argélia, Nigéria e Egito – podem conseguir reverter esta tendência. Porém, mesmo na África do Sul – atualmente o país mais avançado da África – apenas 10% dos jovens adultos, no máximo, terão uma qualificação universitária até 2045.
Enquanto isso, no Paquistão, uma corajosa campanha de educação liderada por Malala Yousafzai está ajudando a aumentar a percentagem de jovens adultos com formação superior, que em 2010 correspondia a apenas 7%. Entretanto, os progressos alcançados são pequenos: até 2045, é pouco provável que esta percentagem exceda os 15%. Prevê-se para o Nepal um crescimento mais rápido no ensino superior, mas, com a sua base inferior, em 2045 o índice provavelmente estará em torno de 16%.
Mesmo uma grande economia emergente como a Índia registrará um aumento de apenas 11% entre 2010 e 2045, atingindo somente 23% – o que se traduz num índice muito abaixo do sugerido pela reputação global das suas instituições de ensino superior. Já em Cingapura, Coreia do Sul e Japão, a proporção de jovens adultos com diplomas universitários chegará a 80-90%.
A suposição de que o desenvolvimento econômico e o progresso tecnológico inevitavelmente irão expandir as oportunidades para todos é pouco mais do que uma ilusão. Na realidade, a menos que não haja um esforço intensivo, a distribuição de oportunidades educacionais – e, portanto, econômicas – irá se tornar cada vez mais desigual nos próximos anos.
Porém, a verdadeira divisão não é entre as pessoas instruídas e aquelas que não são, mas sim entre os que têm acesso à educação e aqueles que desejam tê-lo. Essas pessoas, há muito negligenciadas, continuarão a pressionar os governos e organizações internacionais até que os direitos fundamentais de toda pessoa à educação sejam respeitados.
Gordon Brown, ex-primeiro-ministro da Grã-Bretanha, é enviado especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação Global.