Enquanto municípios, estados e a União enfrentam problemas com as contas públicas, arrochando os investimentos em diversas áreas, o valor gasto pelo governo federal com a dívida pública deve crescer 35% em relação à previsão para 2014. É o que demonstra o Projeto de Lei Orçamentária para 2015 enviado ao Congresso pela União. O texto prevê despesas de R$ 2,863 trilhões, dos quais R$ 1,356 trilhão - 47% - destinam-se ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública.

O cálculo é do Movimento Auditoria Cidadã da Dívida, que reforça que este valor representa 13 vezes mais que os recursos previstos para a saúde e 13 vezes mais que para educação, ou 54 vezes o estimado para o transporte. 

O movimento, que conta com apoio de mais de 45 entidades nacionais e várias regionais, luta há anos para que a dívida pública brasileira passe por uma auditoria. “Feita pelo poder público, mas com participação cidadã”, diz a economista Maria Eulália Alvarenga, coordenadora do Núcleo Mineiro da Auditoria Cidadã da Dívida. 

 Ela explica que diversos levantamentos, inclusive os realizados pela CPI da Dívida Pública, que encerrou os trabalhos em 2010, apontam irregularidades e ilegitimidades no cálculo total da dívida, com suspeita até de contratos vencidos que continuam sendo pagos.

Juros indevidos

O economista Rodrigo Ávila, que também integra o movimento, diz ainda que o valor exorbitante da dívida pública hoje é resultado da cobrança de juros indevidos. “A gente sabe que a dívida decorre de juros sobre juros, não de um excesso de gastos sociais. Nos últimos 20 anos fizemos superávit primário (economia do governo para pagar juros da dívida) e ela cresceu por ela mesma. Existe uma súmula do Supremo Tribunal Federal que diz que cálculo de juros compostos é ilegal”, acrescenta. 

Maria Eulália lembra que este problema se arrasta há anos, já que a dívida brasileira começou a tomar a forma que tem hoje na época da ditadura militar. “De lá para cá, nenhum governo enfrentou isso”, destaca.

De acordo com Rodrigo Ávila, sem acesso a informações “transparentes” sobre a dívida pública, conforme solicitado, sem sucesso, pela associação e pela própria CPI, não é possível estimar em quanto ela poderia ser reduzida depois de feita a auditoria e aplicados os parâmetros “justos”.

Porém, segundo ele, a queda poderia ser drástica. “O Equador, por exemplo, fez auditoria que começou em 2007 e teve resultados a partir de 2009. Lá, eles conseguiram uma redução de 70% na dívida externa com bancos privados, dívida em títulos com o setor financeiro, uma dívida bem parecida com a do Brasil”. 

 Auditoria Cidadã contesta dado oficial

Dados do Tesouro Nacional revelam que, em setembro, o estoque da dívida pública federal alcançou R$ 2,183 trilhões. A Auditoria Cidadã da Dívida contesta. “O governo contabiliza de forma equivocada, de modo a tentar reduzir o peso da dívida no orçamento”, diz o economista Rodrigo Ávila. Nos cálculos da organização, a dívida hoje superaria os R$ 3 trilhões.

Enquanto o governo alega gastar cerca de 5% do Produto Interno Bruto com a dívida, a associação fala em algo em torno de 15% do PIB. “O governo desconsidera nos seus cálculos as amortizações da dívida. Eles usam um dado do Banco Central que relaciona apenas juros, mesmo assim descontadas algumas parcelas. Mas a verdade é que o governo gasta dinheiro vivo do orçamento para pagar amortizações da dívida”, explica Rodrigo Ávila.

Ainda de acordo com o Tesouro Nacional, em setembro o país não conseguiu fazer superávit para amortizar os juros da dívida, registrando déficit de R$ 20,4 bilhões, contra o de R$ 10,4 bilhões de agosto. “Quando o governo não tem dinheiro para amortizar a dívida, faz contingenciamento dos gastos sociais. O pagamento da dívida tem preferência sobre todos os investimentos, exceto os vinculados constitucionalmente. Isso quer dizer que o Estado retira dinheiro de gastos sociais, salários, educação, saúde para pagar a dívida”, diz a economista Maria Eulália Alvarenga.

Tesouro e associação divergem sobre o destino do dinheiro 

O dinheiro gasto com a dívida pública, que é muito superior ao aplicado em saúde, educação, segurança pública e outros setores prioritários, vai para as mãos de poucos. Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, o maior montante beneficiaria poucos credores. Segundo dados do Tesouro Nacional relativos a agosto deste ano, as instituições financeiras detêm 28,4% da dívida pública, seguidas dos fundos de investimentos, com 21,2%.

 A associação apresenta outros dados. De acordo com o movimento, os bancos nacionais e estrangeiros são detentores de 47,24% da dívida pública federal. Este percentual, somado com o que está nas mãos de investidores estrangeiros e das seguradoras, que pertencem principalmente aos grandes bancos, faz com que esse grupo fique com 62% do estoque da dívida. 

 A diferença, segundo a organização, acontece mais uma vez porque o governo desconsidera alguns aspectos importantes, como as “Operações de Mercado Aberto”, que representam a dívida do Banco Central com os bancos, “conforme comprovado na recente CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados”, destaca relatório da organização.

Os economistas da associação dizem ainda que os fundos de investimentos representam apenas 17,7% do estoque da dívida. “Isso desfaz a ideia de que é a classe média que ganha com a dívida quando investe no Tesouro Direto ou em fundos de investimento. Claro que tem um percentual pequeno que se enquadra neste caso, mas isso serve mais para legitimar a dívida. O governo faz isso para dizer que ela beneficia o povo como um todo. Mas quando pedimos informações para saber qual percentual é de classe média e qual é de grandes investidores, o governo diz que não sabe ou não pode responder por causa do sigilo bancário”, diz Rodrigo Ávila.

Para Maria Eulália Alvarenga, a força do setor econômico na política brasileira é um dos entraves para que a auditoria da dívida seja feita. “Se mudarmos a forma de financiamento das campanhas eleitorais, isso teria reflexo na dívida, porque o poder do capital nas eleições do Brasil é muito grande. O governo e o Congresso são eleitos com dinheiro desses grupos econômicos, que não têm interesse de resolver o impasse. Quando as empresas financiam a campanha de um político querem alguém que beneficie esse sistema, porque empresário não faz doação, faz investimento. Quem paga a banda, escolhe a música”. 

Maria Eulália defende uma reforma política que alcance a questão do financiamento das campanhas eleitorais como um dos primeiros passos para se conseguir fazer a auditoria da dívida pública. A economista ainda lembra que a auditoria está prevista na Constituição de 1988 e precisa ser feita pelo Congresso Nacional.

Editoria de Arte/Hoje em Dia
União gasta 47% do orçamento no pagamento da dívida pública

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