Custo da violência no Brasil

Custo da violência no Brasil

Estudo mostra que custo da violência no  Brasil já chega a 5,4% do PIB

Mês da Consciência Negra 2014

 10 de novembro de 2014

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Moradores de Niterói realizaram uma  manifestação nos últimos dias após o aumento do número de crimes na  cidade - Agência O Globo / Gustavo Stephan

Dados do Anuário de Segurança Pública mostram que gastos com as  consequências da criminalidade chegaram a R$ 258 bilhões

por  SÉRGIO ROXO no Estadão
 

No final de 2011, Wagner Dornelles Pereira, então com 29 anos, recebeu uma  proposta para mudar de emprego. Mesmo ainda cursando a faculdade de  Administração de Empresas, teria a oportunidade de trabalhar em uma função de  destaque na área de logística de uma rede de locadora de veículos. Antes de  começar no novo emprego, em Porto Alegre, resolveu descansar uns dias na Guarda  do Embaú, no litoral catarinense. Na noite de 29 de dezembro daquele ano, porém,  ao deixar um bar do balneário, foi surpreendido por um tiroteio. Uma bala  perdida o atingiu na cabeça. O rapaz sobreviveu, mas perdeu os movimentos do  corpo e a fala.

A tragédia levou o pai de Wagner a parar de trabalhar para cuidar do filho, e  hoje a família se mantém com a ajuda de rifas e doações. O caso ilustra como a  epidemia de violência no país produz também impactos financeiros. O Anuário  Brasileiro de Segurança Pública, que será lançado na próxima terça-feira,  mostrará que o problema custa para o Brasil o equivalente a 5,4% do Produto  Interno Produto (PIB). No ano de 2013, o montante atingiu R$ 258 bilhões. A  maior parte deste valor, R$ 114 bilhões, é resultado justamente da perda de  capital humano.

— As pessoas vítimas da violência, em geral, morrem de forma prematura, e  deixam de produzir e de consumir. É claro que a vida não tem preço, mas, do  ponto de vista econômico, há uma perda. É uma tragédia humana e econômica –  afirma o economista Daniel Cerqueira, diretor do Instituto de Pesquisas  Econômicas (Ipea) e responsável pelo cálculo.

É a primeira vez que o anuário elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança  Pública inclui dados sobre os custos da violência. A comparação com outros  países é complicada, segundo Cerqueira, porque há diferença no método de  cálculo.

— Mas o Brasil é certamente um dos países em que a violência tem um dos  maiores custos, porque é um dos mais violentos do mundo, principalmente se for  levado em consideração o número de homicídios — diz o economista.

Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, vice-presidente do Fórum Brasileiro  de Segurança Pública, o custo da violência é um entrave para o desenvolvimento  do país e acaba tirando dinheiro de outras áreas.

— Desta forma, o Brasil dificilmente vai atingir níveis civilizados de  desenvolvimento. O custo da violência no Brasil seria pesado para qualquer país,  e tira dinheiro que deveria ser investido em áreas mais centrais, como saúde e  educação.

PREJUÍZO PARA AS FAMÍLIAS 

Lima ressalta que os parentes das vítimas, além da lidar com a perda, são  gravemente prejudicados financeiramente.

— A famílias acabam sendo punidas porque sofrem com a queda das condições de  vida — afirma o sociólogo.

No caso de Wagner Dornelles, as dificuldades persistem três anos depois da  tragédia. Impedido de trabalhar, o rapaz recebe um seguro de R$ 1.800, segundo  sua mãe, Fátima. Quando foi atingido pela bala perdida, ele tinha um salário de  cerca de R$ 4 mil, em valores da época. O pai deixou a microempresa de cortinas  que possuía porque a mãe não consegue movimentar o filho dentro de casa.

— Ele é um rapaz grande e forte. Somos uma família destruída, e o pior é que  os responsáveis por este crime estão soltos — desabafa a mãe.

Além dos R$ 114 bilhões gerados pela perda de capital humano, entram na conta  dos custos da violência R$ 39 milhões de gastos com contratação de serviços de  segurança privada, R$ 36 bilhões com seguros contra roubos e furtos e R$ 3  bilhões com o sistema público de saúde. A soma destas despesas, que chegou a R$  192 bilhões em 2013, ou 3,97% do PIB, é classificada no estudo como “custo  social da violência”. O valor pode ser ainda maior, porque os gastos com pessoas  que ficam inválidas em razão da violência, por exemplo, não entraram no  cálculo.

— Quem mora numa cidade onde há muitos roubos de carros tem o custo econômico  de pagar um seguro — observa Daniel Cerqueira. — Este tipo de gasto faz parte do  impacto provocado pela violência e pela criminalidade.

INVESTIMENTO MAL ADMINISTRADO 

Completam os custos da violência no país os R$ 4,9 bilhões para manter as  prisões e unidades de cumprimento de medidas socioeducativas e os investimentos  governamentais de R$ 61,1 bilhões em segurança pública. Na avaliação dos  responsáveis pela elaboração do anuário, o último número é uma prova de que o  problema da área não é falta de recursos, e sim seu mau uso.

Em 2013, o investimento público em segurança cresceu 8,65% (patamar superior  ao aumento da inflação e ao crescimento da economia) em relação ao ano anterior.  O gasto dos governos federal, estaduais e municipais com o setor no ano passado  representou 1,26% do PIB. Os Estados Unidos gastam 1% e a União Europeia, 1,3%.  Mas, enquanto o Brasil teve 24,8 homicídios por grupo de 100 mil habitantes no  ano passado, os Estados Unidos registram uma taxa de 4,7 e a União Europeia, de  1,1. O Chile, país da América Latina como o Brasil, destina um valor equivalente  a 0,8% de seu PIB para a segurança pública e registra apenas 1,1 assassinato por  grupo de 100 mil habitantes.

— O gasto público do nosso país é muito parecido com o dos países  desenvolvidos. Isso mostra que o montante reservado pelos governos para  segurança pública não é suficiente para dar conta de nossa mazela, mas está  longe de ser pouco dinheiro. O problema está na forma ineficiente como o  dinheiro é gasto — analisa Renato Sérgio de Lima.

Na visão do especialista, o caminho correto para obter resultados com a  redução dos índices de criminalidade seria os estados investirem em ações  coordenadas com órgãos como o Ministério Público e entre as próprias polícias  Civil e Militar.

— A gente teria ganhos mais expressivos. São estas ações que acabam  provocando mais impacto — afirma.

Já o economista Daniel Cerqueira acredita que o problema do investimento  público em segurança pública no Brasil é a descontinuidade dos projetos.

— Isso ocorre por razões políticas. O novo governo, por achar que o anterior  tem uma marca forte na área, descontinua programas, sem avaliar se estão dando  certo ou não.

Para o diretor do Ipea, diante do custo social da violência, de R$ 192  bilhões, seria aceitável um investimento público que chegasse a R$ 150  bilhões:

— Se isso resolvesse o problema, geraria bem-estar. Mas gastar mais não  garante em nada que se vá resolvê-lo. Nosso sistema de segurança pública de modo  geral está falido. Acredito que é preciso gastar mais, mas não de qualquer  forma. Não fazendo mais do mesmo.

Entre os estados, São Paulo foi o que mais investiu em segurança pública em  2013: R$ 9,27 bilhões. O valor é, inclusive, 12,11% superior aos gastos do  governo federal com a área naquele ano, que foram de R$ 8,27 bilhões. Tanto o  governo paulista como a União elevaram o investimento em relação ao ano  anterior.

ACRE GASTA MAIS POR HABITANTE 

Mas, se for considerada a população, o estado que mais investiu no setor foi  o Acre, com R$ 486 por habitante. São Paulo gastou apenas R$ 212 per capita.  Rondônia foi o segundo em despesa per capita, com R$ 476; e o Rio, o terceiro,  com R$ 429. O Rio também foi um dos estados que mais aumentaram o gasto na área:  24,75%. O montante total investido passou de R$ 5,64 bilhões para R$ 7,03  bilhões, consolidando o estado em segundo no ranking dos que mais destinaram  dinheiro para a segurança pública em valores absolutos.

O Amapá e Roraima aceleraram os investimentos ainda mais do que o Rio, porém  ainda estão em um patamar inferior de gasto. Com crescimento de 35,01%, o Amapá  atingiu R$ 52,2 milhões, mas o valor per capita é de R$ 70, o segundo pior do  país. E Roraima teve um aumento de 25,27% no investimento, colocando R$ 183,1  milhões na área e atingindo R$ 373 por habitante.

Na contramão, seis estados colocaram menos dinheiro no setor em 2013, em  comparação com o ano anterior. São eles Ceará, Bahia, Sergipe, Mato Grosso do  Sul, Rio Grande do Norte e Piauí – o que mais retirou recursos da segurança  pública, com uma redução de 61,72%. O estado do Nordeste destinou R$ 94,5  milhões para a área no ano passado, tornando-se a menor unidade da federação em  investimento per capita: apenas R$ 29,67.

Apesar de a segurança pública ser uma atribuição dos estados, de acordo com a  Constituição, o anuário mostra que os municípios brasileiros investiram R$ 3,59  bilhões na área, valor inferior apenas a São Paulo, Rio e Minas. O gasto é 3,28%  maior do que o do ano anterior.

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