Matemática do dia a dia
Situações da realidade – como venda de açaí e aumento no preço de combustível – são traduzidas em aula para a linguagem da matemática, ensinando aos alunos o duro caminho da construção de um raciocínio abstrato.
“Quando era professor de Matemática no cursinho, achava que meu grande diferencial como profissional era interpretar com detalhes todas as informações do texto de um problema. Mas os alunos erravam na prova questões muito semelhantes àquelas que mostravam compreender em sala de aula”, conta o atual professor universitário Arthur Gonçalves Machado, o qual lecionou por vinte anos no ensino básico e no cursinho em Belém do Pará e ao final desse período começou a perceber que suas práticas pedagógicas não se adaptavam mais tão bem ao cotidiano dos alunos. Os jovens estavam perdendo o interesse. Foi então que ele decidiu voltar a estudar e entrou no mestrado. O trabalho que viria a desenvolver, junto com seu orientador Adilson de Oliveira do Espírito Santo, professor doutor do Instituto de Educação Matemática e Científica da Universidade Federal do Pará(UFPA), o transformaria em professor universitário e mudaria sua forma de encarar o ensino da disciplina.
O assunto que despertou o interesse de Gonçalves, quando ainda participava das aulas como ouvinte, foi a modelagem matemática. Ele tornou-se sujeito e objeto da própria pesquisa quando decidiu aplicá-la na sala de aula onde lecionava. “Levantei problemas comuns no bairro onde moro, como trânsito, venda e consumo de açaí. A partir dessa observação, desenvolvi problemas com as temáticas de guarda rodoviário e lucro/ prejuízo na venda do açaí”, conta Arthur Gonçalves.
Esses textos geraram textos matematizados que podiam ser traduzidos em funções de segundo grau. Ou seja, os alunos passaram a trabalhar uma realidade (ou o que os matemáticos chamam semirrealidade), em vez de serem forçados diretamente na direção da abstração. “A modelagem facilita a ligação entre matemática escolar e matemática utilitária. Foi a partir dessa pesquisa que percebi que a tradução da linguagem materna para a linguagem matemática é um dos passos mais importantes no processo de aprendizagem”, afirma o professor e pesquisador. Ele relembra a época em que lecionava no ensino básico: “Na verdade, eu fazia essa tradução pelos alunos, sem deixar espaço para que fizessem por si mesmos”.
Ensinar a problematizar também é trabalho do professor
Traduzir um problema concreto para uma situação abstrata exige todo um aparato que muitos alunos não têm, porque ninguém nunca os guiou nessa direção. Aqueles que se dedicam a apresentar a modelagem matemática como instrumento pedagógico nos cursos de formação de professores para o ensino básico acreditam que aprender matemática não é apenas fazer contas, e a leitura e a problematização também são trabalhos do professor. Adilson de Oliveira do Espírito Santo é engenheiro por formação e desde 2002 pesquisa modelagem matemática. Há pouco tempo começou a formar professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental para trabalhar modelagem. Segundo ele, o aprendizado de muitos alunos fica comprometido logo nas séries iniciais porque o ensino da disciplina ainda é muito focado a parte abstrata do conhecimento. “É preciso buscar um equilíbrio com a parte concreta. Os cursos que formam professores na área também são muito focados na formação de pesquisadores, não professores para o ensino básico”, afirma.
Segundo ele, a modelagem matemática em um contexto pedagógico oferece maiores possibilidades de interação com outras disciplinas, além de novas perspectivas para o processo de avaliação. “A partir de um problema, os alunos levantam dados em múltiplas fontes”, afirma Oliveira. “A partir da focalização e extração do problema de determinado tema, formam-se grupos de alunos e cada um resolve problemas segundo sua especialidade. Ao final do processo, juntam-se os trabalhos e há uma avaliação”, relata ele. Ou seja, o processo de avaliação aproveita o erro do aluno para melhorar seu aprendizado, em vez de punir aquele que erra.
“Se logo nas séries iniciais focarmos a estética da matemática, sua beleza, o nível de abstração, muito exigente, vai gerar desinteresse em muitos alunos. O conceito de número é muito abstrato”, diz Oliveira. A UFPA oferece licenciatura integrada para formação de professores das séries iniciais do ensino básico. A licenciatura integra Linguagem, Matemática, Ciências e Tecnologia e contempla também a modelagem. Isso porque a modelagem é um caminho interessante para se pensar a interdisciplinaridade no ensino de Matemática, articulando melhor o currículo do ensino básico.
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