Educação para todos
Escolas que adotam política inclusiva sofrem menos com bullying, segundo especialistas, embora ainda faltem investimentos na qualificação de professores para atender alunos com necessidades especiais
Este mês, a Política Nacional de Educação Espacial na Perspectiva da Educação Inclusiva completa sete anos e coleciona, em sua trajetória, muitas conquistas e algumas polêmicas. O plano federal compromete-se basicamente com a permanência do aluno com necessidades especiais no ensino público regular e abre caminho para a política de matrícula dupla. Isto é, a criança ou adolescente com necessidades especiais, além de frequentar aulas com os demais alunos, também seria atendida nas salas de apoio, com profissionais e material especializado (chamado pelo governo de Atendimento Educacional Especializado – AEE em Salas de Recursos Multifuncionais – SRM). Os recursos vêm do Fundeb. No entanto, a perspectiva da inclusão é, na verdade, mais antiga e começa na Constituição de 1988, que marca o fim do regime militar e estabelece a educação como direito universal. Em 1989, a Lei no 7.853 define como crime recusar, suspender, adiar, cancelar ou extinguir a matrícula de um estudante por causa de sua deficiência, em qualquer curso ou nível de ensino, seja ele público ou privado. Portanto, há mais de 20 anos é lei: escola alguma pode recusar a matrícula de um aluno baseada exclusivamente em sua deficiência, seja física ou mental
No entanto, o atendimento dado aos alunos com necessidades especiais em instituições públicas está longe do ideal. Falta preparo para a comunidade escolar e muitos ainda cultivam preconceitos. Porém, essa é uma realidade que se transforma à medida que se aprofundam laços afetivos na comunidade escolar, acreditam os professores.Segundo as pesquisadoras Emanuele de Moura Barrreta e Silvia Regina Canan, da Universidade do Alto Uruguai e das Missões, a formação e prática docente para lecionar aos alunos especiais vêm ocorrendo de maneira fragmentada. “É como tentar montar um quebra-cabeça em que estão faltando peças”, relatam Emanuele e Regina. As pesquisadoras afirmam que há lacunas na formação inicial e continuada oferecidas pelas universidades, mas acreditam que o professor também deve se esforçar para “ler, trocar experiências com colegas, ousar em sua prática a inclusão”, sem esperar que o poder público tome todas as providências imagináveis.
Tolerância: a importância dos pequenos gestos
A especialista em educação inclusiva pela Faculdade de Educação da Unicamp (FE – Unicamp) e membro da página de divulgação Inclusão Já, Meire Cavalcante, acredita que para evitar a discriminação é preciso estabelecer na escola uma cultura de inclusão. “Algumas redes (públicas de ensino) já logram êxito em mostrar aos professores que pequenas mudanças no gesto de ensinar, no dia a dia da escola, contribuem para a inclusão”, afirma ela. Por exemplo, em uma sala de aula da qual faça parte um aluno com deficiência auditiva, a professora pode escrever com mais frequência na lousa – inclusive enquanto esclarece dúvidas de outros estudantes – e sempre passar filmes com legenda, mesmo que a língua original seja o Português. Ainda segundo Cavalcante, a cultura da inclusão dentro e fora da sala de aula propicia um ambiente naturalmente contrário ao bullying. “A fundamentação teórica e filosófica da educação inclusiva colabora para a cultura de paz, e não discriminação na instituição de ensino”, afirma. Ou seja, quando a tolerância e o respeito fazem parte do projeto pedagógico da escola, não são necessárias medidas específicas contra o bullying.
Silvia e Emanuele acreditam que é importante preparar todos os profissionais da comunidade escolar, e não apenas o professor, incluindo funcionários da escola e gestores, para trabalhar com as crianças com necessidades especiais. Caso contrário, corre-se o risco de desperdiçar recursos. “O que se percebe (nas escolas da rede pública) são informações desconectadas, orientações desvinculadas da realidade escolar e familiar, falta de cursos acessíveis a todos os professores da educação regular e educação especial em processos inclusivos, incluindo gestores e funcionários, e também de continuidade do trabalho de supervisão do Atendimento Educacional Especializado (AEE)”, declaram elas.
Os avanços dos últimos anos
Segundo Emanuele Barrreta e Silvia Cananos, os avanços conquistados desde a politica de 2007 são significativos e o montante de recursos que chega atualmente às escolas para atender crianças com necessidades especiais, ainda que insuficiente, aumentou muito. “É significativa a ampliação do Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) nas escolas públicas. A disponibilidade de verbas existe e temos presenciado a vinda de recursos para algumas escolas e sua aplicabilidade através da montagem das salas de recursos”, afirmam. “A verba ainda não contempla toda essa aquisição e os materiais são adquiridos em partes, conforme os valores destinados. O governo federal também envia os kits de acordo com a deficiência do aluno”, completam.
Meire Cavalcante afirma que, desde 2007, 42 mil escolas receberam salas com recursos multifuncionais, 57,5 mil receberam verbas para tornar suas dependências acessíveis, e foram adquiridos 1.366 veículos para o transporte escolar com acessibilidade, favorecendo 994 municípios e 31.418 estudantes. Além disso, foram ofertadas 98,5 mil vagas em cursos de especialização e aperfeiçoamento, em instituições públicas de Ensino Superior, para professores de escolas públicas que trabalham com alunos com necessidades especiais.
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