Vitória de Dilma e as lições
A vitória de Dilma e as lições do Rio de Janeiro
Sabido o resultado das eleições presidenciais, vitória de Dilma, é o momento das análises.
Dilma foi eleita com pouco menos de 52% dos votos (mais de 54 milhões de votos frente a pouco mais de 51 milhões de Aécio) uma diferença de mais ou menos 3 milhões de votos frente a Aécio. Os votos nulos e brancos passaram dos 7 milhões, enquanto a abstenção foi alta, chegando perto dos 30 milhões, totalizando cerca de 37 milhões de pessoas que não queriam nem um e nem outro.
Dilma foi eleita, mas em um país dividido. O PT perdeu porcentagem significativa de eleitores, sobreviveu mais do que qualquer coisa. É uma vitória, não podemos negar, mas não veio fácil.
Quase metade da população votou em seu adversário, e outros milhões não quiseram sequer votar nos dois candidatos que disputavam o segundo turno. Dilma foi eleita, mas nem de longe pela maioria da população. É preciso, então, responsabilidade e reavaliações.
Mudanças
Dilma ensaiou uma revolta contra a Veja/Abril, irá levar adiante não apenas um processo contra a revista e a editora, mas também imporá a discussão real de uma reforma da mídia? Irá rever a forma pela qual o governo injeta rios de dinheiro na grande mídia e, claro, o PT irá rever a verba que paga (admita ou não) à mídia amiga que no fim é apenas a Veja de sinal trocado?
Dilma irá manter sua política francamente criminosa nas comunicações, privilegiando sempre as teles e prejudicando o compartilhamento de conhecimento? O mesmo vale, por exemplo, para a Cultura, assim como precisamos de mudanças profundas na capacidade e vontade do governo dialogar com populações indígenas, nos direitos LGBTs (e nos recuos e submissão frente ao atraso fundamentalista), das mulheres e no trato à questões relacionadas ao meio ambiente e grandes obras de infraestrutura.
Com Dilma foram 4 anos de inexistência de diálogo e de imposição de pautas. Imposição de obras, de eventos, mesmo a tal constituinte por uma reforma política foi uma imposição sem que as ruas tivessem sido consultadas, uma imposição do PT em conjunto com seus movimentos cooptados, como a UNE.
Teremos ainda um ministro como o Cardozo oferecendo tropas federais para brutalizar ativistas, manifestantes e até grevistas, como no caso da greve do metrô este ano?
Irão continuar os gritos fanáticos e dementes de figuras como #Stanley, Eduardo Guimarães, PHA e outros, tidos como arautos por quem se dedica diariamente a espalhar ódio e desinformação ou o PT irá buscar construir uma relação de verdade com a esquerda baseada em respeito e colaboração?
O sentimento de mudança está mais claro do que nunca. Ainda que este sentimento seja difuso. Encontra-se à direita e à esquerda, e mesmo dentre o eleitorado que voltou criticamente em Dilma. É preciso contar que destes votos de Dilma uma parcela quiçá significativa foi de votos críticos. Se assumirmos que a maior parte dos votos de Luciana migraram para Dilma, ao menos 1,5 milhão de votos foram absolutamente críticas, contra o "mal maior". E eram votos que exigiam e exigem mudanças.
Como comentou o professor Pablo Ortellado:
Espero honestamente que o PT entenda que essa vitória só foi conseguida com uma união e engajamento sem precedentes da esquerda para evitar a volta do neoliberalismo. Espero também que esse reconhecimento se reverta numa ação mais progressista, sobretudo na cultura, na comunicação e no meio ambiente.
Superar o ódio e ir para a esquerda?
Este é o ponto. Durante as eleições era comum ver militantes petistas, especialmente nas redes, exigindo que a esquerda votasse em Dilma sem exigir nada. Era "obrigação" nossa votar no PT contra o "mal maior" e qualquer recusa era suficiente para xingamentos de fascista, coxinha e etc.
Se é verdade que o PT precisa entender que não apenas venceu por pouco, mas que a esquerda crítica foi crucial para a vitória, por outra o partido terá o trabalho de domar a militância raivosa e suja que criou e manteve nos últimos 12 anos.
E precisa, obviamente, guinar à esquerda.
A esquerda (ou setores dela) não apenas a apoiou criticamente, mas muitos fizeram campanha, empenharam sua credibilidade por Dilma, indo além de repudiar Aécio, mas efetivamente endossando a candidatura do PT. Isto, aliás, poderá inclusive criar rusgas dentro da própria esquerda, mas este é outro assunto.
Pessoalmente não acredito que isso acontecerá. Se a governabilidade foi usada indiscriminadamente por 12 anos para garantir, legitimar e justificar todo retrocesso petista (inclusive projetos nascidos do PT, ou seja, sequer projetos impostos por aliados incômodos que o partido tinha de lidar), o que esperar agora que o congresso eleito é ainda mais conservador? E é preciso também lembrar que é mais conservador também por obra do PT que se engajou em campanhas de fascistas como Collor, Katia Abreu, dentre outros.
E a contar pelo discurso da Dilma após a vitória, não veremos qualquer mudança substancial do primeiro para o segundo governo. Discurso de conciliação, de diálogo (que nunca existiu com as ruas e com as minorias, e ela afirma que fará com "as forças produtivas"), de "paz". Nenhuma ponta de autocrítica, mas a manutenção do caminho já traçado.
Dilma se manteve aferrada à piada da Reforma Política como solução pros problemas (seria uma solução, mas não dentro dos moldes propostos, muito menos após uma vitória apertada), pregando o diálogo com setores específicos, citando mulheres, negros e jovens, "esquecendo" de citar Indígenas e LGBTs, em um palanque onde o que faltava era gente de esquerda.
Pelo discurso podemos imaginar que a guinada à direita se aprofundará, pese o apoio crucial da esquerda à sua vitória.
Os próximos 4 anos
O PT não apenas terá de lidar com um congresso mais conservador, como é também responsável pela eleição de muitos desses conservadores. Tendo isto em mente, fica difícil imaginar um governo mais à esquerda. Espero estar errado, mas acho muito difícil que esteja.
Os próximos 4 anos serão difíceis. Dilma foi, como comentei, eleita por margem estreita, não chegou a 4 milhões de votos sua vantagem. No geral, a maior parte do país não votou em Dilma, logo, o governo terá de trabalhar muito para garantir sua legitimidade, precisará realizar mudanças profundas e, acima de tudo, realizar uma autocrítica que está atrasada pelo menos uma década.
A continuidade das baixarias patrocinadas pelos MAVs, pelos "militantes" virtuais, pela mídia "amiga" acrítica e suja poderá dificultar a vida de Dilma, ampliando o ódio que já vimos se espalhar pelas ruas que virá junto com gritos contra a frágil legitimidade eleitoral conseguida pelo PT.
Como comentou o Maurício Caleiro no Twitter, é importante ter em mente
Essa eleição coloca uma grande questão ao Brasil: como fazer com q as disputas se deem em torno de programas e não de ataques baixos.
Serão 4 anos duros, independentemente do caminho que o PT escolher trilhar, mais do que nunca precisamos de uma esquerda forte e atuante, que se reinvente.
O exemplo do Rio para a esquerda
A votação do Tarcísio no Rio, assim como de Freixo, Jean, dentre outros, demonstra que há espaço para o crescimento da esquerda e daí precisamos tirar forças e lições.
Aliás, a eleição no Rio é emblemática. Os votos Nulo/Branco/Abstenção, somados, VENCERAM Pezão que foi eleito em absoluta minoria. Ele recebeu 4.343.298 votos enquanto o chamado "não-voto" recebeu 4.348.950, ou seja, perdeu por 5.652 votos. É uma situação bastante interessante e mostra que Junho teve um papel relevante nas eleições do Rio. E é bom lembrar que muitos votaram em Pezão apenas para evitar a vitória de Crivella e da IURD.
Pezão tem legitimidade bastante limitada e o Rio pode voltar a ver manifestações no ano que vem.
Cabe à esquerda ter a capacidade de superar diferenças pontuais e se unir, cerrando fileiras e as ampliando, buscando criar um polo alternativo à PT e PSDB (e eventualmente à Marina, que não é uma opção e saiu bastante queimada dessas eleições) para que em 2018 não se veja novamente numa encruzilhada e apoiando novamente a continuidade do PT, jogando no lixo projetos e militância.
Jean terá a responsabilidade de cobrar as promessas feitas a ele por Dilma, assim como outras figuras do partido terão de pressionar fortemente por pautas progressistas. Mas todos tem que tomar cuidado para não cair no canto do PT e não afrouxarem na construção de uma alternativa e de se fazer presente nas ruas e no parlamento como uma voz alternativa, de esquerda.
Dois tuítes de Luciana Genro, no fim, me dão esperança:
Venceu o PT contra o retrocesso. Menos mal. Mas é a esquerda que abandonou suas bandeiras que abriu espaço para o PSDB crescer tanto. Por isso não abrimos mão de ser oposição e construir uma esquerda coerente.Nossas lutas não são decididas nas urnas mas sim nas ruas!A elas!
Vamos à luta!