Entrevista com Tarso Genro
Tarso Genro: “A minha cota de participação eleitoral está esgotada”
De abrigo, tênis e camiseta com a bandeira do Rio Grande do Sul, o governador Tarso Genro recebeu ZH no Palácio das Hortênsias, em Canela, na manhã de ontem, para uma conversa sobre as eleições.
Bem-humorado, adiantou-se e fez a primeira pergunta, enquanto oferecia água de coco à equipe:
– Como vai ser o título? Análise de uma derrota? – brincou.
Resignado com o resultado das urnas, afirma que não pretende mais concorrer a qualquer cargo público, nem cogita participar do ministério de Dilma Rousseff. A seguir, explica como pretende se dedicar à reconstrução do PT, analisa os motivos que impediram sua reeleição e deixa um conselho para seu sucessor, José Ivo Sartori (PMDB).
O governador eleito José Ivo Sartori (PMDB) tem dito que ainda não caiu a ficha sobre a vitória. E a sua ficha da derrota, já caiu?
Imediatamente (risos). Nossa derrota foi sendo paulatinamente construída, desde o primeiro turno a gente percebeu a dificuldade. Achava que a mera presença dos nossos projetos de desenvolvimento, distribuição de renda e ação econômica bastariam para ter uma grande votação. Essa avaliação se mostrou errada. A partir dali, nos preparamos para uma disputa muito difícil, com a consciência de que poderia ter outro desfecho.
O senhor fez um milhão de votos a menos do que em 2010. E a vantagem de Sartori (61,21%), foi a maior da história do segundo turno no Estado. Por que sua candidatura teve rejeição tão grande, apesar da boa avaliação do governo?
Não acho que a nossa derrota eleitoral signifique rejeição direta ao nosso governo. Mas tivemos bloqueios muito expressivos. O sentimento de mudança aqui no Rio Grande do Sul se expressou de forma muito intensa. Atribuo a derrota principalmente a nossa visão equivocada de que bastaria fazer um bom governo que isso seria reconhecido. Não trabalhamos conceitualmente isso no imaginário da população e nem conseguimos, durante os debates eleitorais, fazer a expansão da aprovação do governo para uma expansão de votos. Tanto é verdade que o nosso governo, desde que foram medidos os prestígios dos governos no Estado, é o mais bem avaliado. Por isso digo que não é uma rejeição, é um fenômeno novo que temos que analisar com muita cautela.
Qual o peso do “sentimento anti-PT” no resultado?
Na minha opinião não é um elemento predominante. O sentimento mais anti-PT vem da classe média alta, não é popular. O que existe no sentimento popular é uma rejeição à política, aos partidos em geral. Não ao PT em particular. A causa mais importante da nossa derrota foi que tivemos o candidato (Sartori) mais adequado para a conjuntura política e que soube capitalizar todo esse imaginário antipolítica e antipartidos. Não entro no mérito se isso é correto, mas foi a campanha adequada numa situação de rejeição geral aos partidos.
Durante seu mandato, vocês tinham uma avaliação muito positiva do governo, o senhor falava até em “políticas revolucionárias”, mas para a população não ficou tão clara qual seria a marca da gestão. Faltou autocrítica?
Não faria uma autocrítica do que fizemos, e sim do que não conseguimos fazer. Quando um governo tem em torno de 38% de bom e ótimo, significa que as políticas são acertadas. Só que não tivemos capacidade de expandir uma aprovação eleitoral.
Foi uma questão de aliança política ou de comunicação do governo?
Acho que foi uma confiança demasiada na capacidade dos nossos projetos servirem por eles mesmos, e não nos dedicamos a fazer uma expansão política, seja por uma visão publicitária, seja por um trabalho direto do governo nas bases. E isso não é uma responsabilidade da nossa secretaria de Comunicação, mas da linha política do governo, que sou responsável, em última análise.
O sentimento anti-PT foi reforçado por denúncias de corrupção do PT nacional, mas a votação da presidente Dilma foi maior do que a sua no Estado. Porque a rejeição colou mais aqui?
O PMDB apoiou massivamente a Dilma, com 90% dos prefeitos, e o PP, com 100% dos prefeitos. Isso tem influência. O antipetismo não foi responsável pela nossa derrota. O principal fator é a falta de capacidade política de demonstrarmos à sociedade que nosso projeto devia continuar. Isso tem a ver com a questão da dívida, que ficou para ser votada, com nossos poucos recursos para fazer publicidade, com a falta de disputa política na base da sociedade, uma série de fatores.
Os resultados desta eleição são comparados aos de 2002, quando Germano Rigotto foi do terceiro lugar à vitória. As lições de 2002 foram subestimadas?
Não podíamos prever um ascenso tão grande do Sartori nem uma queda tão drástica da Ana Amélia. Nem os institutos de pesquisa previram. Em 2002, Rigotto apostava diretamente contra a radicalização da polarização. Sartori apostou na apresentação de uma candidatura sem compromisso com partidos. Então é o mesmo fenômeno, mas com causas diferentes. Naquele momento, o Rio Grande estava cansado da radicalização da polarização. Agora, o Rio Grande estava, enganosamente ou não, cansado dos partidos e da política.
Em seu pronunciamento após a derrota, o senhor disse que, depois de terminar seu mandato, vai se dedicar a reconstruir o PT. Como será essa refundação?
Vou continuar atuando dentro do meu grupo, Mensagem ao Partido, que é minoritário e vai mobilizar todas as forças para que o partido se reestruture, dê mais passos em relação à questão ética. Temos de pensar o futuro da nossa identidade, para que recuperemos aquela capacidade que levou o Lula, por exemplo, à Presidência. Em segundo lugar, vou procurar conectar a minha atividade política com a academia, com pensadores democráticos de esquerda, e manter um círculo de relações para incidir de “fora para dentro”. Para que a gente possa, daqui a dois ou três anos, dizer: aqui está o programa para unificar os partidos da esquerda e da centro-esquerda, para um novo projeto para o Brasil.
Dois dias depois da reeleição de Dilma, uma rebelião da base já impôs uma derrota ao governo. Em que medida o cenário adverso ameaça a governabilidade?
Mais do que ameaçar a governabilidade, esse cenário esquizofrênico do sistema político brasileiro ameaça a democracia. Porque posições como essa, de um Congresso que formalmente é majoritário em defesa do projeto da presidenta que o país elegeu, mas de repente se volta para bloquear o seu próprio governo, são uma ameaça à democracia. E isso é derivado desse sistema perverso, em que os partidos não têm qualquer compromisso com o presidente ou o programa que elegem.
O PT está aliado ao PMDB, governou com Sarney e Collor e está há 12 anos no poder sem ter feito as reformas política, fiscal, tributária. O que diferencia o PT?
A relação com esses agentes políticos qualquer presidente, de qualquer partido, tem que fazer para governar. E esse é o drama que um partido como o PT vive. O PT está se tornando um partido tradicional. E tem que mudar. Mas isso não tira a grandeza do PT. Os governos do PT melhoraram a vida de 50 milhões de pessoas no país.
Não parece uma lógica maquiavélica, em que “os fins justificam os meios”?
Não, porque esses fins só puderam ser obtidos por meios democráticos e absolutamente legítimos, que foram as eleições, nas condições que o sistema permite. Exatamente para vencer essa ambiguidade é que o PT tem que se autorreformar profundamente. E para se autorreformar, tem de ajudar a reformar o país. E o bloqueio principal é, sem dúvida, esse sistema político perverso em que estão imersos todos os partidos.
Nesses 12 anos no poder no país, o PT vem sendo associado a um discurso de arrogância que, quando confrontado com erros, coloca a “culpa na mídia”, a “culpa dos outros”, como se ainda fosse minoria. É mais difícil ser governo do que ser oposição?
A síndrome da arrogância está parcialmente contida em todos os partidos, não é só no PT. Mas essa não é a característica do partido, é de um grupo. O principal problema que o PT tem que enfrentar para que isso seja diminuído é ter um sistema político coerente. E a questão da oposição dos meios de comunicação ao projeto do PT é feita em relação ao PT de maneira contingente. Os grandes meios de comunicação fizeram isso contra Juscelino, contra Jango. Não é novidade. Basta olhar a história.
O discurso do “nós contra eles”, da “elite contra os pobres”, difundido pelo próprio Lula, não estimula a divisão?
Não concordo com essa premissa. Essa é uma invenção do PSDB, que vem sistematicamente desclassificando as populações pobres do país, como se elas votassem de forma enganosa no PT.
O que ocorre, no campo a que eu pertenço, é uma reação a essa interpretação. E claro, isso leva a uma certa radicalização. Mas atribuir ao PT essa tensão é uma forma perversa e manipulatória de analisar o grande debate político que atravessa o país, que tem a voz dos tucanos como uma voz privilegiada.
Como o senhor vê o papel de Lula no novo governo Dilma?
O Lula já fez a grande recomendação política pública para a presidente Dilma, que é abrir um diálogo amplo com a sociedade. Por mais legítimo que saia das urnas, qualquer governo tem que se abrir, dialogar. O Lula fez isso: instituiu o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, fez um diálogo ampliado que produziu enunciados que vão desde o ProUni até o Minha Casa, Minha Vida. No primeiro governo de Dilma não foi possível, em função das tensões econômicas e sociais que o país atravessou, valorizar o Conselhão. Se eu tivesse que dar uma opinião para a presidente Dilma, seria revigorar o Conselhão.
Caso convidado, aceitaria um ministério no governo Dilma?
Não serei convidado, portanto não preciso responder a tua pergunta (risos).
Mas se fosse...
Como governador derrotado nas eleições, meu dever é permanecer aqui no Estado, para ajudar o partido a processar esse resultado, organizar politicamente a defesa do nosso legado. Não tenho nenhuma pretensão de ir para o governo federal e, obviamente, acho que também não há nenhum interesse do governo federal em levar para o ministério um governador que perdeu as eleições, tendo um manancial de quadros extraordinários. Se fosse fundamental para o governo Dilma, claro que eu iria. Mas isso não é verdade. Não sou necessário para o governo federal marchar bem e fazer as reformas que tem que fazer. Conheço bem o tamanho das minhas manguinhas (risos).
Com o senhor vê as articulações para a volta de Lula em 2018?
O Lula é sempre uma reserva política nossa. Mas, sinceramente, não acho que esteja vocacionado para disputar as eleições de 2018, nem que esteja preparando isso. A preocupação maior dele é dar força para a presidente Dilma fazer um governo melhor ainda do que foi o primeiro, como ocorreu também no seu governo.
Qual foi o maior erro do PT?
No meu ponto de vista, foi não ter dado consequência a um profundo movimento refundacionista do partido naquela crise do mensalão. Refundacionista não significa descartar suas raízes, significa reorganizar seus alicerces, suas fundações. O partido se renovou muito pouco de lá para cá.
Em 2018, o senhor vai concorrer?
Não. A minha cota de participação eleitoral, na minha avaliação, está esgotada. Nunca persegui mandato, mas sempre enfrentei mandatos e eleições que foram necessários para dar curso a minha militância. Não está no meu imaginário nenhuma eleição, nem ao parlamento, nem no Executivo. Quero aproveitar a minha experiência para produzir um movimento mais de conteúdo estratégico do que vinculado a processos eleitorais.
Qual o maior aprendizado na eleição?
Foi que a minha capacidade de previsão é nula (risos)! Imaginava que iríamos entrar num processo eleitoral com uma capacidade de disputa muito maior.
Como o senhor espera que seu governo seja lembrado?
Vou lutar para que nosso governo seja lembrado como aquele que deu um novo rumo para o desenvolvimento econômico e social do Estado e para a questão da dívida pública. Isso é plenamente factível, porque corresponde a uma realidade.
Que conselho daria a Sartori?
Vou dar o seguinte conselho para ele: frui muito o governo de hoje até a posse, porque é o melhor período de um governador, da vitória até o dia em que ele toma posse. Depois é só problema (risos).
leticia.duarte@zerohora.com.brLETÍCIA DUARTE