Nação e a não nação

Nação e a não nação

O embate entre a nação e a não nação

 

Derrotar o neoliberalismo é derrotar o inimigo. Nem sempre os embates eleitorais se mostram tão claros como neste momento

21/10/2014

Editorial da Edição 608 do Jornal Brasil de Fato

Caio Prado Júnior inicia sua gran­de obra A Formação do Brasil Con­temporâneo com a afirmação: “To­do povo tem na sua evolução, vis­ta à distância, um certo ‘sentido’. Es­te se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fa­tos e acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo”. Ao tratar de todo o “sentido” da colonização brasileira, identifica­rá o conflito central que marca nossa história, a contradição entre a nação e a não nação.

Em muitos momentos, enfrenta­mos essa encruzilhada que definiu caminhos neste embate. Nesta elei­ção, mais uma vez estaremos enfren­tando essa definição.

Uma vitória do PSDB, partido que dirigiu e administrou todas as medi­das econômicas e sociais da ofensi­va neoliberal em nosso país, não será um incidente de percurso. Terá im­pactos geopolíticos mundiais, enfra­quecendo os esforços multilaterais que possibilitaram ao Brasil e demais países de nosso continente aprovei­tar-se da crise que atingiu duramente as economias centrais, para construir ferramentas de superação da onda destrutiva de privatizações que nos enfraqueceram na década de 1990.

Também implicará num realinha­mento com os interesses dos EUA, na retomada de acordos comerciais nos moldes da Área de Livre Co­mércio das Américas (Alca) e no en­fraquecimentos dos governos pro­gressistas. Com muita probabili­dade, implicará ainda no aprovei­tamento da situação para destruir, desmoralizar e enfraquecer os par­tidos e organizações sociais de es­querda. Um cenário difícil, que exi­girá muita luta e persistência dos movimentos populares.

É certo que uma vitória de Dilma também enfrentará um cenário ad­verso e complexo. Um Congresso Na­cional com a composição mais rea­cionária desde a ditadura militar, uma “classe média alta” rancorosa, um quadro econômico desfavorável, uma juventude desconfiada que exige legitimamente mudanças. Um con­texto que exigirá ousadia e a capaci­dade de enfrentar desafios e brigas que os governos petistas anteriores não fizeram.

Porém, não podem pairar dúvidas. O pior será mesmo o pior. Estamos vivenciando a disputa eleitoral entre dois projetos ideológicos mais acirra­da desde o embate entre Collor e Lu­la em 1989.

Para a quase totalidade da juven­tude de esquerda em nosso país, é a oportunidade de viver um momen­to único em sua militância, retoman­do o trabalho de casa em casa, deba­tendo a política com o povo, incidin­do neste momento histórico. É o mo­mento em que a capacidade militan­te pode mudar o resultado eleitoral. Não só para definir o vencedor nas urnas, para conformar o projeto polí­tico de um próximo governo.

Sempre haverão os pequenos agru­pamentos que preferem o espíri­to das seitas, preferindo esconder­-se atrás de discursos puristas que os distancia da realidade. Ao longo do século 20, essas concepções esti­veram sempre distantes das grandes transformações sociais, limitando-se ao triste papel de “consciência críti­ca” dos que realmente fazem a his­tória. É uma lástima perderem esse momento único.

São momentos como os atuais que vão configurando a esquerda brasileira, possibilitando uma ex­periência valiosa a milhares de jo­vens. Quem não percebe o significa­do deste embate político concebe a luta de classes como uma mera ter­túlia acadêmica.

O Plebiscito Popular da Consti­tuinte foi a grande ferramenta pe­dagógica que possibilitou a mais de 100 mil ativistas populares, na maioria jovens, debater a política com o povo.

A candidatura de Dilma assumiu o compromisso com a proposta de uma Constituinte Exclusiva e Sobe­rana do Sistema Político. Uma pro­posta que somente será viável se for compreendida e empolgar a juven­tude da classe trabalhadora que lu­tas por mudanças. Ao mesmo tem­po, a única solução política para re­verter o quadro geral desfavorável que vai se formando.

Derrotar o neoliberalismo é der­rotar o inimigo. Nem sempre os em­bates eleitorais se mostram tão cla­ros como neste momento. Não nos contentemos em ser coadjuvantes de nossa própria história. É preciso ga­nhar as eleições e mudar o sistema político. Se não avançarmos, mesmo derrotando a direita estaremos apri­sionados na incapacidade de enfren­tar os problemas estruturais do Bra­sil. A luta pela Constituinte está ape­nas começando.

http://www.brasildefato.com.br/node/30209




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