Pedagogia da repetência

Pedagogia da repetência

 "Nas últimas décadas, reduzimos o percentual de alunos repetentes, mas taxas ainda são inaceitáveis, e chegam a 21% em algumas séries"

afirma Antonio Gois

Fonte: O Globo (RJ)  20 de outubro de 2014

 

O Brasil iniciou este século nas primeiras posições de um ranking perverso: entre 120 nações para as quais foi possível estimar a taxa de repetência no ensino fundamental em 2000, somente oito ostentavam percentuais maiores que o nosso, na época, em 25%. Eram todos países africanos, alguns devastados por guerras civis, e com baixíssimos índices de desenvolvimento humano, caso de Ruanda, São Tomé e Príncipe, Madagascar, Congo, Togo, Camarões e Burundi. Naquele ano de 2000, chegamos ao ápice de um problema estrutural, batizado pelo físico Sergio Costa Ribeiro (1936-1995) de pedagogia da repetência. Foi Ribeiro quem alertou a sociedade para o fato de que, no início da década de 80, nosso sistema chegava a repetir seis em cada dez crianças na primeira série do ensino fundamental.

As estatísticas mais recentes do Brasil mostram que melhoramos. Para o ano de 2010, se comparados os mesmos 120 países, o país saiu da lista dos dez piores e ficou na 30ª posição no ranking. A taxa, que chegava a 25%, reduziu-se para 9%.

Cálculos mais precisos feitos por Ruben Klein, um dos maiores especialistas brasileiros no tema, também revelam essa tendência de queda, mas nos alertam que não há espaço para acomodação. Em 2012, a taxa de repetência nos primeiros cinco anos do ensino fundamental foi de 7%. Este percentual, porém, varia muito a cada série. Para o primeiro ano, recém-incorporado ao ensino fundamental e destinado a crianças de seis anos, a taxa era de 3%. No segundo, sobe para 6%. No terceiro, aos oito anos, idade limite para que a criança esteja alfabetizada, ela dobra de novo e atinge 12%. Na sequência, há séries com percentuais maiores e menores. O problema mais grave é verificado no primeiro ano do ensino médio, quando um em cada cinco jovens (21%) repetiram de ano em 2012.

Apesar dos avanços, a pedagogia da repetência ainda está tão impregnada em nosso sistema que, até hoje, há quem considere normal culpar o aluno por não ter aprendido, ou valorize aquele professor considerado durão porque poucos estudantes passam de ano em sua disciplina. Os estudos mais rigorosos feitos sobre o tema, porém, são contundentes ao mostrar que repetir o aluno é uma péssima estratégia, pois, em média, seu desempenho não melhora no ano seguinte.

Quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação flexibilizou em 1996 a organização da escola para permitir o sistema de ciclos, a ideia, rapidamente tachada de “aprovação automática”, virou no senso comum a causa das nossas mazelas educacionais, como se nossos indicadores de qualidade fossem bons nos anos em que disputávamos com países africanos a incômoda liderança no ranking de repetência.

Porém, o sistema de ciclos, em que o aluno ganha um período maior para se recuperar antes da reprovação, nunca foi implementado em mais de 20% dos colégios. Os poucos estudos feitos no Brasil avaliando o resultados das escolas que adotaram esse modelo mostraram que ele não havia causado queda na qualidade do ensino. Mas pouco importava. Os ciclos já haviam virado a “Geni” da educação nacional, mesmo tendo sido implementados em São Paulo pelo maior dos educadores brasileiros: Paulo Freire (1921-1997), que foi secretário municipal de educação de 1989 a 1991.

O debate sobre a “aprovação automática” consumiu tanta energia de educadores nos últimos anos que esquecemos o essencial: com ou sem ciclos, ainda temos patamares inaceitáveis de repetência. A meta a perseguir, como já acontece nas nações desenvolvidas, é a de tolerância zero com a reprovação, sem abrir mão do aprendizado.

 




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