Sucesso de currículo passa pela aplicação
Sucesso de currículo nos EUA passa por como aplicá-lo
Carolina Lenoir - Porvir - 20/10/2014 - São Paulo, SP
Se desenvolver um currículo nacional já é um processo que normalmente encontra resistências, a experiência do Common Core State Standards (CCSS), nos Estados Unidos, prova que a implementação de um documento desses na rotina escolar pode envolver alguns embates. O conjunto de padrões e metas escolares que pretende garantir que os alunos saiam do ensino básico prontos para a universidade e para exercer de forma plena a cidadania e a carreira escolhida enfrenta, desde 2013, quando começou a chegar às escolas, forte oposição.
A polêmica criada em torno do Common Core foi gerada tanto na esfera política quanto na educacional, de acordo com Michael Cohen, presidente da Achieve, uma organização não-governamental que está à frente do processo nos EUA. Na política, partidários opostos ao presidente Barack Obama acusam o governo federal de intervir em um algo da alçada exclusiva dos estados. Os Estados Unidos têm um histórico de controle estadual sobre o currículo escolar e conta com uma legislação específica que proíbe o governo federal de exercer qualquer controle nesse sentido. O debate se instaurou depois que o presidente ofereceu incentivos fiscais aos estados que adotassem o CCSS. ”Essas críticas ocorrem apesar do fato de a iniciativa ter sido liderada pelos estados, por meio dos governadores e lideranças educacionais, com participação intensa de educadores e sem interferência federal na sua construção”, explicou Cohen em entrevista por e-mail ao Porvir.
Na educacional, professores e diretores de escolas temem que uma mudança no sistema de avaliação, proposto para acompanhar a introdução das metas nas escolas, possa prejudicá-los, já que se trata de um movimento que demanda tempo e preparo e exige uma série de mudanças significativas nas práticas de ensino. “Há uma preocupação dentro da comunidade educacional de que avaliações em larga escala para analisar o desempenho dos alunos a partir do Common Core possam responsabilizá-los pelos resultados”, disse Cohen. Para que isso não aconteça, o especialista defende que é preciso dar uma atenção especial à cronologia e ao ritmo da implementação do CCSS nas escolas, para que os educadores não sintam que estão introduzindo muitas reformas muito rapidamente.
Para esclarecer as dúvidas da comunidade escolar e do público em geral, as organizações responsáveis pelo processo norte-americano estão lançando mão de estratégias de comunicação voltadas para cada um dos agentes envolvidos na educação: educadores, pais de alunos e legisladores estaduais. Entre as ferramentas estão materiais bastante completos e didáticos desenvolvidos pela Achieve para ajudar na compreensão do que é e quais são os objetivos do Common Core e para ouvir e responder às preocupações relativas ao seu desenvolvimento e implementação.
Entre os materiais estão guias organizados por etapas escolares, que explicam para os pais as mudanças que estão ocorrendo nas salas de aula de seus filhos e ilustram, com exemplos concretos, o que pode-se esperar que eles tenham aprendido ao fim de cada ano letivo; o Common Core Implementation Workbook, livro que conta com informações relevantes para a implementação dos novos padrões, inclusive exemplos de boas práticas, questões-chave e exercícios práticos; e o Teaching Channel, um canal que oferece vídeos e recursos inovadores para ajudar os educadores a cumprir as novas metas. Esses e outros materiais podem ser encontrados no site da Achieve.
Trata-se de um esforço para tentar garantir o sucesso do processo de introdução do Common Core nas escolas. Em um artigo publicado no site Educate Week, o especialista Marc Tucker, presidente do National Center on Education and the Economy (www.ncee.org), que pesquisa os sistemas de educação que apresentam os melhores desempenhos ao redor do mundo, afirma que o principal teste pelo qual o Common Core passa é a sua real implementação com qualidade. “É mais provável que ele seja declarado um fracasso por parte do público em geral pelo fato de os estados não conseguirem implementá-lo bem do que por ser vítima dos ataques dos críticos atuais. Não há nenhuma nação que tenha atingido níveis superiores de desempenho estudantil sem ter trabalhado bastante para elaborar um currículo muito forte que seja o coração do seu sistema de ensino nacional.”
Histórico e objetivos
O CCSS começou a ser desenhado em 2010, um ano após 48 estados, dois territórios e um distrito terem, por iniciativa própria, assinado um documento em que se comprometeram a liderar o processo de criação e implementação do CCSS. A Achieve, em parceria com a Associação Nacional de Governadores (NGA, na sigla em inglês) e com o Conselho de Diretores de Escolas Estaduais (CCSSO), comandou a equipe que redigiu e revisou o Common Core. O objetivo foi criar metas consistentes de aprendizagem estabelecidas a partir dos melhores padrões estaduais já existentes; da experiência de professores, especialistas em conteúdo, teóricos do ensino e lideranças estaduais; e do feedback da sociedade. A sua implementação foi iniciada em 2013 e ainda está sendo realizada em boa parte dos estados.
Durante o processo de desenvolvimento, os padrões educacionais foram divididos em duas categorias: as metas relativas à universidade e à carreira, que levam em consideração o que os alunos devem ter aprendido ao concluírem o ensino médio; e as metas chamadas K-12, que dizem respeito às expectativas de aprendizagem desde o ensino fundamental. Todas essas metas foram compiladas em um único documento, que recebeu comentários de milhares de professores, pais e cidadãos em geral durante consultas públicas para que a versão final fosse desenvolvida.
Inicialmente, o Common Core estabeleceu padrões apenas para as disciplinas de Inglês e Matemática. De acordo com Cohen, a decisão deve-se ao fato de serem disciplinas-chave, que servem como base para as demais áreas, e porque estados e organizações pretendem ser bem sucedidos nessa primeira etapa para, então, estabelecer as metas nas demais disciplinas. Além disso, as universidades e o mercado de trabalho se queixam que esses conhecimentos são os mais deficientes na formação dos estudantes quando saem da escola. Por isso, a preocupação com a preparação dos alunos para lidar com faculdades e empregadores que demandam mais do que nunca dos estudantes e profissionais é um dos principais pilares do Common Core.
Com o conhecimento e a experiência de quem está à frente de um dos mais complexos processos de desenvolvimento e implementação de uma base comum da educação, Cohen acredita que o Brasil, que começa a aprofundar essa discussão, precisa avançar em duas frentes. “São elas a ampliação do acesso à educação de qualidade e a definição de padrões acadêmicos para que os alunos de cada série sejam efetivamente preparados com o conhecimento e as habilidades necessárias não só para o próximo ano escolar, mas também para as transições do ensino fundamental para o ensino médio, para o ensino superior e, por fim, para o mercado de trabalho”. Segundo ele, esses esforços devem ser precedidos por uma pesquisa cuidadosa que determinará os requisitos educacionais e outras competências que irão garantir essa trajetória.