Educação e democracia

Educação e democracia

A Educação e o exercício da democracia

Vitor Paro fala sobre Educação e o exercício da democracia. O educador defende que a escola precisa ensinar o ser humano a se firmar como sujeito

Fonte: Gestão Educacional 01 de outubro de 2014

Para Vitor Paro, defensor de princípios democráticos na escola e pesquisador das áreas de gestão e políticas educacionais, “a educação é a apropriação da cultura pelos indivíduos. Portanto, ela deve produzir o sujeito”. Paro conversou com a revista Gestão Educacional a respeito das práticas adotadas nas escolas brasileiras durante o Educasul 2014, realizado em maio deste ano em Florianópolis (SC).

Professor titular (colaborador sênior) na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), onde exerce a docência e a pesquisa, é autor de diversos artigos e livros da área educacional. Para o professor, que considera que a escola e a família são responsáveis pela formação cultural do indivíduo, a articulação da comunidade escolar na construção de práticas emancipatórias precisa garantir a participação efetiva dos pais e responsáveis, tanto como direito quanto como necessidade da escola. Ele também questiona a estreiteza da atual configuração curricular do ensino fundamental. Acompanhe a entrevista.

Gestão Educacional: Ensino de qualidade está relacionado à organização democrática da escola?

Vitor Paro: A democracia deve ser um princípio das escolas e verdadeiramente exercida. Porém, a educação é controlada pelo poder, e é no âmbito político que deve vir a mudança para que o homem possa ser visto como um ser social. A escola precisa ensinar o ser humano a se firmar como sujeito, ser senhor de sua vontade, se pronunciar sobre a natureza. O que está muito longe do padrão brasileiro, que aplica o autoritarismo, dominando o sujeito. A educação é a apropriação da cultura pelos indivíduos (conhecimento, arte etc.). Portanto, ela deve produzir o sujeito, respeitando-o como humano.

O que é preciso mudar na estrutura da escola para garantir o direito à educação e à aprendizagem efetiva?

Paro: Questiono a estreiteza da atual configuração curricular do ensino fundamental, expressa nas próprias avaliações em larga escala patrocinadas pelas políticas educacionais. Há necessidade de um conteúdo do ensino que, por razões técnicas e políticas, não pode se bastar em conhecimentos e informações, mas deve expandir-se para a cultura em sentido pleno, como direito universal, que também inclui valores, filosofia, crenças, direito, arte, tecnologia, tudo que é produzido historicamente e que precisa compor a formação plena de personalidades humano-históricas. A escola deve ver que o indivíduo só vai aprender se ele quiser. Portanto, ela não oprime, e sim dialoga. Tem que correr o risco de modificar o ser humano, e isso só se consegue se forem oferecidas condições para aprender. E esse objetivo será alcançado se a relação pedagógica com a democracia for plena. As percepções e imagens sociais do poder na educação escolar devem referir-se aos alunos, professores e demais educadores escolares. É de máxima importância atender às expectativas que os estudantes têm do processo de aprendizado, sendo que já trazem orientação de casa. A ação educativa desenvolvida na escola deve ser continuamente realizada de modo que consiga cativar o interesse e a predisposição positiva do educando em relação ao ensino. É fazendo-se desejável e sendo enriquecedor da personalidade que o ensino pode favorecer o indivíduo. Na concepção de educação pela qual estamos nos guiando, a imagem do poder da criança e do jovem com os quais o educador lida precisa ser não apenas positiva e de aceitação de sua subjetividade, mas também realista e informada pelos avanços da ciência, que propiciam ao educador condições de exercer com competência sua função docente, com base em um maior conhecimento e na familiaridade do desenvolvimento biopsíquico e social do educando.

No Brasil, há exemplos de escolas que exercem bem essa condição de democracia em seus modelos de gestão e pedagógico?

Paro:São bem raras as escolas que têm a democracia verdadeiramente como princípio. Praticamente não existe [escola] no Brasil. A educação de nosso País é pautada em medidas socioeconômicas. O nosso modelo educacional está parado no século 14. Os jovens são tratados como seres irracionais e precisam ser sujeitos. As crianças querem brincar e a escola não consegue fazê-las aprender brincando. Hoje ensina-se a decorar o conteúdo, de forma que não se aprende na essência. Há mais de 70 anos, foram feitas experiências que mostram que as crianças aprendem com outras crianças. Em vez de a escola refletir sobre esse método, coloca os pequenos em salas quadradas por quatro horas ouvindo um adulto. Dessa forma, surge o grande problema da educação no Brasil. São incutidos valores antidemocráticos com o exercício desse método que é tecnicamente falido. Infelizmente, há incompetência na singularidade do ensino pedagógico. O sistema brasileiro tem como meta passar o aluno de ano para melhorar estatísticas. Só vê números. Além da extrema preocupação com a estrutura, em ter aparelhos de última geração. Enquanto que o problema é bem mais simples de resolver. Ensinar é propiciar ao educando o aprender. Quem realiza o aprendizado é o educando.

Como deve ser a participação da família na escola?

Paro: A família tem papel fundamental na inserção do aluno na escola. Grande parte do trabalho do professor seria facilitada se o estudante já viesse para a escola predisposto ao estudo e se, em casa, ele tivesse quem, convencido da importância da escolaridade, o estimulasse a esforçar-se ao máximo para aprender. Assim, tendo em vista, por um lado, a complexidade das relações que se dão entre escola e seus usuários e, por outro, a importância da influência da família no aprendizado escolar, é preciso especial cuidado no planejamento e na realização de medidas que propiciem um produtivo diálogo entre as duas instâncias: a escolar e a familiar.

Como a escola pode conscientizar a família da importância de sua participação na vida educacional do aluno?

Paro: A razão de a escola existir é a população. Por isso, é direito da família participar da escola. É ela quem paga a escola. Uma boa escola só existe se os pais participam. A criança chega à escola com toda a educação que recebeu em casa. É daí que vem a importância dos pais em estimular a criança. Eles devem ter um lugar de estudo em casa para se concentrarem sem a presença de aparelhos eletrônicos. O papel da escola é conscientizar os pais a exercerem essa função. Afinal, eles são educadores sem ter formação para isso. É necessário que as escolas fomentem grupos de formação de pais, passando todas as orientações para que a educação seja completa. Há conhecimento técnico para estimular a predisposição a aprender. Além disso, é muito importante também mostrar aos pais que é fundamental tratar os filhos com carinho, sem bater, e responder os questionamentos que ele venha a fazer. No meu livro Qualidade do ensino: a contribuição dos pais (Ed. Xamã), conto um exemplo em que a escola foi às últimas consequências para conseguir esse propósito.

Quais as características de uma administração escolar comprometida com a transformação social?

Paro: Em outro livro de minha autoria, Por dentro da escola pública (Ed. Xamã), afirmo que o que alicerça a escola, os pais e os educandos é a relação pedagógica democrática. Costumo citar uma frase de Millôr Fernandes: “A ternura, mesmo simulada, tende a criar ternura verdadeira por parte do outro e a tornar verdadeira a ternura que o primeiro simulou”. E é esse o papel que a administração escolar precisa exercer. Com esse entendimento, conseguem-se adeptos. Não se pode ir contra o sistema, e sim se utilizar da sedução pedagógica para conquistar peças-chave do poder ao nosso favor. Deve-se lutar unido, e não contra. Administrar uma escola pública não pode ser [uma ação] reduzida a métodos e técnicas importadas. Está muito longe de ser visto como lucro, como a sociedade capitalista vê. Se entendida a educação como apropriação da cultura humana produzida historicamente, sobressai a importância da realização eficiente dos objetivos da instituição escolar, voltada ao atendimento da classe trabalhadora.

Qual o papel sociopolítico da educação?

Paro: Quando o governo tiver olhos verdadeiros para a educação, o objetivo será formar um [ser] humano histórico e cultural. Unidos, educadores e comunidade poderão conquistar um ensino público de qualidade. O que parece utopia é um problema prático. Cada um dos muitos problemas que emperram a democratização da estrutura escolar tem solução se o poder e a autoridade nos estabelecimentos de ensino forem redistribuídos. Só assim a escola poderá se tornar um instrumento do Estado, a serviço da educação. 




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