A crítica da Educação Física Escolar

A crítica da Educação Física Escolar

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR CRÍTICA

Ou a crítica da Educação Física Escolar.
 

EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR PARANAENSE: VALORIZAÇÃO OU DEGENERAÇÃO PEDAGÓGICA?

Realizar uma Educação Física inundada sentido é esforço contra-hegemônico sem sombra de dúvidas. Estamos analisando a dialética da hegemonia em múltiplas possibilidades e determinações e o contexto histórico da Educação Física é base para nossa reflexão.


Labutamos no interior de um campo de conhecimento fundado pelo prisma higienista-militar de circunscrição marcadamente reacionária. Somam-se dificuldades de superação dessas características germinais da
Educação Física na medida em que seus traços se reapresentam constantemente sob novas roupagens e distintas nomenclaturas.


Existem ainda, proposições supostamente superadoras das raízes da Educação Física, que ao propugnarem novas experiências para a disciplina na escola na tentativa de cisão à escola tradicional, propõem o esvaziamento do currículo, a negação do papel social da escola e consequentemente recuam ao papel emancipador da educação e da Educação Física.


Nesses dois pontos superiores, refiro-me nomeadamente às proposituras escolares como as da iniciação esportiva universal, da saúde renovada, do educar para e por meio da ludicidade, da educação física do cotidiano, da educação física construtivista ou do aprender a aprender, da abordagem desenvolvimentista, dos jogos cooperativos, da educação física para o olimpismo ou dos jamais falecidos Parâmetros Curriculares Nacionais, resquício da era Fernando Henrique Cardoso.


A essas pedagogias crítico-reprodutivistas, idealistas, ou pedagogias do capital, adiciona-se a imagem do fatalismo, do descrédito e abandono pedagógico retratada nas chamadas aulas livres. Dessas determinações coexistentes, sintetiza-se o vazio pedagógico, a miséria da Educação Física ou a Educação Física da miséria.

Nesse conturbado contexto objetivo é que uma Educação Física comprometida com a transformação social – e isso inclui a transformação de si própria – busca florescer. Mas não sem duros entraves.

Vejamos o contexto da Rede Estadual de Educação.

Em meados de dois mil e quatro, findou-se um processo de discussão e construção de um documento norteador da prática pedagógica em Educação Física, as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica. Essa construção perpassou um longo caminho levando as discussões aos professores reais, efetivos do quadro do magistério, buscando coletar contribuições. O documento final, salvo limites próprios desse tipo de proposta, indicou um texto consideravelmente coeso, apontando a perspectiva crítico-superadora à Educação Física e a pedagógica histórico-crítica à educação em geral.


Dessa instituição, levou-se a cabo pela Secretaria de Estado da Educação uma política de implementação, com elaboração de materiais didáticos diversos – aqui incluído o Livro Didático Público da Educação Física no Ensino médio – e a promoção de formações continuadas aos professores, valorizando o estudo curricular dentro da perspectiva apontada.


Ainda que baseada num limitado quadro de conteúdos e seus objetivos, a diretriz curricular estadual apontava para critérios de aprendizagem para cada temática, na busca pela organização do trabalho pedagógico com vistas à apreensão dos conhecimentos. A emergência de um novo governo de traço educacional notadamente neoliberal, institui o início de um processo de degeneração pedagógica da Educação Física e da Educação em geral.


A declaração basal da nova perspectiva à educação paranaense pode ser visualizada no lançamento do Plano de Metas do Primeiro Semestre da referida pasta. Recuos teórico-pedagógicos já podiam ser vistos no anúncio das metas e foram sentidos a cada passo para sua implementação. Uma das primeiras ações que trazemos à tona foi o estabelecimento de um Caderno de Expectativas de Aprendizagem, no qual a discussão coletiva realizada pelos professores acerca do mesmo foi em parte ignorada, instituindo-o como documento norteador aos novos planejamentos pedagógicos dos professores.


Mais do que uma alteração de nomenclatura, a transfiguração dos critérios às expectativas de aprendizagem revela uma nova opção teórico-metodológica, claramente recuada, que em última instância demonstrou um processo de degeneração pedagógica em estado nascente. Exemplo claro dessa situação é quando se institui enquanto expectativa de aprendizagem a mera vivência de determinado conteúdo, o que não atribui nem explicita o conceito a ser apreendido na determinada temática.


O aprofundamento da precarização do trabalho pedagógico em Educação Física ocorreu na divulgação recente dos resultados IDEB nas Escolas Estaduais. Numa tonalidade absolutamente acrítica, a Secretaria de Estado da Educação passa a implantar um receituário de medidas com vistas à recuperação dos dados estatísticos. Dentre essas, a alteração arbitrária da grade curricular do Ensino Fundamental reduziu o número de aulas de diversas disciplinas, inclusive da Educação Física, aumentando a quantidade de aulas de língua portuguesa e matemática.


Nessa alteração marcadamente autoritária, antidemocrática e antipedagógica, privilegiaram-se as disciplinas cobradas nas avaliações externas e que compõem imediatamente o IDEB.

Não houve consulta a quaisquer dos segmentos envolvidos: estudantes, professores, comunidade, Universidades – sequer as estaduais – ou ao sindicato dos servidores do magistério. Simplesmente, fez-se. Ignorou-se o princípio da Gestão Democrática. Toda construção pedagógica da Educação Física no ensino fundamental foi desconsiderada, e a nova organização da grade, com apenas duas aulas semanais, vem inviabilizando ou dificultando sobremaneira as experiências singificativas advindas do chão da escola, a exemplo das aulas internas – elemento essencial da exploração de recursos pedagógicos e da relação indissolúvel entre teoria e prática na Educação Física.


O projeto de formação integral aos estudantes filhos da classe trabalhadora, em curso a duras penas e coberto de limites estruturais, fracassara por força do autoritarismo. Enquanto a educação da classe dirigente, estruturada nas distintas dimensões da capacidade humana, toma a cultura corporal como artigo de luxo, disponível efetivamente apenas aos seus pares, a educação das classes populares encontra-se limitada ao velho ditame dos primórdios da educação capitalista que propugnava ao proletariado apenas a capacidade de ler, escrever e contar. Dimensões essas preponderantes à formação da força de trabalho disponível à exploração capitalista. Uma formação desqualificada, baseada na manutenção da dualidade estrutural da educação, que relega à classe trabalhadora a formação humana de lógica desumanizada, mutilada.    

Todavia, a tendência imposta pelo Governo não passou sem a percepção dos diversos segmentos. Emergiram respostas acaloradas das escolas, movimentos, Universidades e sindicato, obrigando o Estado a emitir novas declarações públicas a respeito.


No que toca a Educação Física, a cada novo posicionamento do governo, mais exposto se tornou o processo de degeneração e precarização pedagógica da área. A cada manifestação do Estado, mais se demonstrou o recuo teórico-metodológico em vias de implantação no Paraná.


Segundo os enunciados oficiais, os professores de Educação Física deveriam ficar despreocupados, pois sua área seria valorizada com a instituição – pasmem – da hora-treinamento, de projetos de contraturno escolar para educação em tempo integral, e na valorização do esporte em tempos de olimpíadas e copa do mundo. Na intenção de minimizar ou apaziguar os ânimos, também ressaltaram a construção de um Caderno de Orientações Pedagógicas a Copa do Mundo da FIFA, como se o documento norteador paranaense não desse conta de abarcar o fenômeno do Esporte Corporativo, de massa, aliado a Indústria Cultural de Consumo.


Em síntese, o engodo oferecido pelo Estado à educação física não é outra coisa se não o seu próprio retrocesso pedagógico. Substitui-se um processo de construção em curso, pela redesportivização da área, confundindo conteúdo singular com a disciplina em geral, ou seja, confundindo esporte com Educação Física escolar, professor com técnico desportivo, currículo com atividade de contraturno, apreensão crítica das manifestações esportivas com especialização e detecção de possíveis atletas. Essa última, na referida perspectiva, é maneira única pela qual os filhos da classe trabalhadora possuem o direito de acesso a cultura corporal. Ignoram consciente e arbitrariamente as diferenças fulcrais entre as propostas de educação integral e a educação em tempo integral.


Em outras palavras, mexem nas cerejas, bravateiam novos condimentos, mas não conseguem, andam com os pés do Curupira. Tentam enxertar, mas o que plantam é nada mais que o vazio da Educação Física escolar curricular e a colheita será mais um golpe na tentativa da formação integral dos estudantes do Ensino Fundamental.


Nesse contexto, surgem ainda outras respostas à questão, como a manifestação empobrecida, obtusa e oportunista do Conselho Regional de Educação Física, estrutura medieval posta para fora da atuação escolar no Estado do Paraná e que busca incessantemente retomar sua legitimidade esfacelada.


Ainda registramos manifestações pontuais em diversas localidades do estado, assim como nas redes sociais, as quais precisamos tomar com cuidado, pois vêm anunciando uma defesa da educação física na perspectiva da formação de atletas em tempos de megaeventos, na perspectiva da saúde instrumental e na profilaxia à obesidade infantil. Percepções retrógradas da educação física escolar, que reaparecem em tempos de crise.


Nos movimentos sociais, o sindicato do magistério estadual, APP-Sindicato, iniciou a recomposição do coletivo estadual de professores de Educação Física, realizando encontros regionais e gerais, articulando as discussões e qualificando a resistência da área. Todavia, será preciso estar atento para que não se aceite os recuos à área propostos pelo governo – como a hora-treinamento e as oficinas de educação integral, problemáticas ao extremo – e se busque a revogação da atual grade curricular para uma discussão mais qualificada sobre currículo.

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         O presente texto é um excerto do artigo intitulado "Educação Física e escola pública: desafios para a formação humana no contexto da sociabilidade capitalista" apresentado no XVIII Seminário de Encerramento da Disciplina de Prática de Ensino de Educação Física (DTPEN/UFPR) com o tema "Pensando o ensino de Educação Física na escola e a formação de professores: compromissos com a qualidade da escola pública e desafios para a docência".

 

http://efisicacritica.blogspot.com.br/2013/03/educacao-fisica-escolar-paranaense.html




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