A porta de saída da escola

A porta de saída da escola

01 de setembro de 2014   Fonte: Revista Profissão Mestre

Pesquisadores Mariana Calife e Tufi Machado Soares apontam qualidade da aula e do professor como fatores cruciais para evitar a evasão de alunos


Segundo dados do Censo escolar, mais de 1,5 milhão de estudantes deixaram a escola em 2012. No ensino médio, foram cerca de 10% dos estudantes. O censo mostrou também que um terço dos alunos do ensino médio está dois anos ou mais acima da idade adequada para a série que estava cursando, percentual que se manteve no ano passado. Com base nesse cenário, os pesquisadores Mariana Calife e Tufi Machado Soares, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), promoveram um estudo com 3.365 jovens para entenderem os motivos que levam à evasão escolar. Os resultados foram apresentados durante o Encontro Internacional de Educação Salamundo 2013, que aconteceu em Curitiba.

Segundo os pesquisadores, o incentivo dos pais é um fator importante para a permanência do estudante na escola. A qualidade da aula e do professor também é crucial. “E o que seria um mau professor na opinião do estudante? Aquele que enche o quadro de matéria”, alerta Mariana. Tufi Soares destaca a relevância, para o estudante, da motivação e do autocontrole nesse processo. Confira a entrevista exclusiva que os pesquisadores concederam à Profissão Mestre sobre o estudo.

Profissão Mestre: O estudo sobre evasão detectou vários fatores possíveis do abandono do ensino médio por parte dos alunos. Quais são eles?

Mariana Calife: São vários. Alguns fatores estão ligados diretamente aos alunos, à escola ou à família. Por exemplo, o incentivo dos pais é um fator importante para a permanência do estudante [na escola]. Pelos depoimentos obtidos no estudo, fica claro: “Por que você vai à escola? Porque minha mãe manda ou porque meu pai manda”. E, embora exista um discurso de que o pai acompanha o aluno, isso acontece só no início; depois, ele some. Mas é fundamental estar presente e cobrar: “Menino, você tem que ir para a aula. Você está em casa jogando videogame? Não, desliga tudo, você vai para a escola, tem que ir. O dever está pronto?”. Há fatores ligados ao docente: quando os professores passam deveres e os corrigem, a proficiência do aluno também melhora. Outro fator identificado foi a má qualidade do professor. E o que seria um mau professor na opinião do estudante? Aquele que enche o quadro de matéria. Não tem nada na aula dele que interessa.

Profissão Mestre: E em relação ao próprio aluno?

Mariana: Fatores socioeconômicos, de cor e de idade são alguns elementos que influenciam o processo de abandono escolar. No caso da idade, o corte é muito impressionante: o aluno está na escola, com dificuldades, reprovando. Quando chega ao ensino médio, o que acontece? Às vezes, ele está com quase 17 anos e, nessa idade, ele já arruma “bico” de tudo quanto é lado. A escola é o que menos atrai esse garoto. E, aos 18 anos, você perdeu esse aluno. Mais tarde, o que vai acontecer: [o jovem] arranjou emprego, com carteira assinada, mas não terminou o ensino médio? Então vai “carregar caixa” pelo resto da vida. Aí é quando a escola volta a ter valor e ele acaba terminando os estudos com as provas do supletivo [educação de jovens e adultos].

Profissão Mestre: O trabalho é um fator determinante para o abandono do ensino médio?

Tufi Machado Soares: Não é o trabalho. Para alguns, o trabalho pode ser até incentivador, mas, quando combinado a outros fatores, ele é um motivador muito relevante para o abandono. Um deles é a questão social. O aluno vem de uma baixa condição socioeconômica, já tem um atraso escolar muito alto e chega ao fim do ensino fundamental com um baixo nível de proficiência. Quando chega ao ensino médio, ele já está em uma idade avançada, alguns com mais de 18 anos, então tem a necessidade de trabalhar. Ele não vai trabalhar porque escolhe ou prefere trabalhar a ir à escola, mas porque precisa. Além disso, há outras variáveis não cognitivas envolvidas, como motivação e autocontrole. São essas variáveis combinadas que vão produzir o desejo de abandonar [a escola].

Profissão Mestre: Os estudantes que participaram do estudo citaram que um dos fatores que os desanimam em relação à escola é a grande quantidade de conteúdo, sem que eles vejam a importância prática dele – o que vocês chamam de congestionamento curricular. Há uma saída para isso?

Tufi Soares: Introduzimos muitos componentes curriculares no ensino médio ao longo dos anos na esperança de que, ao introduzirmos mais disciplinas, mais temas a serem tratados, nós melhoraríamos a formação dos alunos. Mas estamos exigindo cada vez mais de um sistema em que eles já não conseguem aprender adequadamente. Precisamos chegar a uma conclusão do que é essencial – o que não pode deixar de faltar para aprender. Sabemos que os alunos não estão aprendendo esse mínimo. Precisamos ser um pouco menos ambiciosos no que desejamos para garantirmos um mínimo de qualidade de aprendizado para todos. E sermos um pouco mais flexíveis. Como eu disse: à medida que o indivíduo vai ficando mais velho, as necessidades e os interesses vão se diversificando. É muito difícil você oferecer uma educação para realidades muito diferentes.

Profissão Mestre: As respostas dos estudantes indicam que a mudança no formato das aulas atrairia mais os alunos para a escola?

Tufi Soares: As escolas, de alguma maneira, têm que fazer essa flexibilização, essa adaptação, para atenderem a esses diferentes perfis de alunos, desde aqueles que não gostam da aula até os alunos que querem fazer vestibular. Precisamos, de alguma maneira, ser capazes de juntar esses diferentes interesses e oferecer oportunidades específicas.

Profissão Mestre: Pelos depoimentos apresentados, os alunos parecem se sentir pouco valorizados. “O professor não me compreende, não estimula, não entende minha dificuldade”. Essa questão também foi levantada na pesquisa?

Tufi Soares: Isso é fundamental para todo ser humano. Você observa que um pouco de estresse e desafio é bom. Mas um pouco de motivação e carinho também é importante. Todos os alunos precisam disso, de uma maneira ou de outra. A gente precisa estar atenta a esse tipo de necessidade. É o que a gente chama de variáveis não cognitivas, que interferem no aprendizado e na melhoria das variáveis cognitivas. Elas são importantíssimas, ao longo de toda a vida, inclusive e principalmente na vida de um adolescente.

Profissão Mestre: Essa falta de empatia pode estar relacionada a problemas na formação do professor?

Mariana: Tem-se verificado que muitos professores têm dificuldade de dar aula por virem da faculdade com um foco de pesquisador, de acadêmico. E esse docente não sabe dar aula. Por exemplo, um professor de Física às vezes se torna uma pessoa que não consegue valorizar o aluno, porque só consegue dar aula se a sala estiver quieta. Mas para a sala ficar quieta, ele precisa de outras habilidades, que nem sempre tem. Eles cumpriram boas disciplinas de pedagogia para serem licenciados, mas não têm o domínio da sala de aula, do quadro, dos alunos, do tempo de aula.

Profissão Mestre: Em sua opinião, as avaliações externas, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), trazem uma radiografia confiável das escolas? O senhor acredita que essas avaliações podem ser usadas para melhoria da escola?

Tufi Soares: Com certeza. A primeira finalidade das avaliações é causar desconforto nas pessoas, mostrar que algo não está bem e que alguma coisa precisa ser feita. E os primeiros a serem cobrados são os secretários de Educação, os gestores de Educação. Depois são os professores, os pais dos alunos e, finalmente, os próprios alunos. Acho que as avaliações em larga escala têm cumprido esse papel. E os resultados têm sido observados pela melhoria nos níveis de proficiência nos primeiros anos do ensino fundamental, principalmente. Nos anos finais do ensino fundamental, esse crescimento tem sido menos pronunciado. E, no ensino médio, praticamente não há movimento algum nesse sentido. A esperança é que o Enem, ao tornar-se uma entidade nacional, utilizado para o ingresso no ensino superior – que é a grande aspiração da maioria dos alunos –, possa melhorar a qualidade nas escolas, principalmente nas públicas. As escolas privadas, em grande parte, já adaptavam seu ensino aos vestibulares e, agora, estão se adaptando ao Enem. Elas reagem muito rápido. A nossa esperança é que o Enem estimule as escolas públicas a fazerem o mesmo. Acredito que, sim, as avaliações têm um papel importante para a melhoria e o monitoramento da qualidade de ensino.

Profissão Mestre: E os professores estão abertos a essas avaliações, tanto de provas externas quanto das opiniões dos próprios alunos, como as levantadas na pesquisa?

Mariana: Esses resultados deveriam ser discutidos para se repensar como essas avaliações repercutem na aula dada. E aí a gente lida com uma caixa preta, porque os professores são resistentes a repensar a aula. Eles já têm seus métodos. De repente, eles têm essa visão: “Você está dizendo que meus alunos não estão aprendendo e que você, de fora, sabe por que eles não aprendem”. A gente ainda encontra muita resistência. Toda negociação com professores é difícil, é preciso saber como abordá-los e ouvir o que eles têm a dizer. Muitas vezes, o que os docentes querem as avaliações não oferecem. O gestor tem que ter outros mecanismos além da avaliação, outros indicadores que ele possa levantar e trabalhar com os professores. A gente sabe que um gestor eficaz faz toda diferença no processo.

Profissão Mestre: O ensino integral pode ser uma opção para o ensino médio?

Mariana: O ensino integral é muito positivo para aquele aluno que pode ficar para estudar. Mas, para os alunos que precisam trabalhar, por fatores diversos, só vai sobrar a educação de jovens e adultos, a partir dos 18 anos. É preciso pensar em alternativas. Goiás já tem escolas em que o ensino médio acontece em semestres. Ou seja, se o aluno saiu na metade do primeiro ano, quando voltar, ele retorna para completar o segundo semestre. Isso faz com que eventualmente o estudante finalize os estudos.




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