Ensino de qualidade e salário digno

Ensino de qualidade e salário digno

Alunos, pais e professores apresentam propostas em busca de futuro melhor para a Educação

Fonte: Estado de Minas (MG)   31 de agosto de 2014

 

“Haverá futuro?” Pichada no muro de um colégio em Belo Horizonte, a pergunta aponta para as incertezas nos rumos da Educação, um dos maiores desafios dos governantes que serão eleitos em pouco mais de um mês. Mas, se depender dos anseios de quem vive o cotidiano do setor, haverá futuro, sim, desde que haja investimento na Escola pública e a valorização dos Docentes. Na segunda reportagem da série “A vontade do eleitor”, Professores, estudantes, universitários e pais de Alunos mostram quais os principais gargalos do setor – que envolve cerca de 60 milhões de Alunos e 2,5 milhões de Professores no país desde a Educação infantil ao Ensino superior – e propõem ações para alcançar esse novo tempo.

A Escola pública de qualidade está no centro das propostas dos candidatos por um dia, que não suportam mais conviver com a realidade em que a violência e a falta de estrutura entraram para o currículo. “A violência se tornou natural. Há muita indisciplina e falta de respeito dos Alunos”, afirma L.N., de 14 anos, aluna do 9º ano da Escola Estadual Barão de Macaúbas, no Bairro Santa Tereza, na Região Leste da capital mineira. Os estudantes não se esquecem do dia em que, cansada da bagunça, a Professora reagiu na mesma língua e Ensinou como fazer roleta-russa, jogo que usa um revólver. Logo depois, foi a vez de um Aluno bater em um Professor depois de ser repreendido.

Enquanto sobra agressividade, faltam aprendizado, merenda nutritiva, quadras esportivas e até acesso a internet. Aluna do 9º ano de uma Escola pública em Andiroba, distrito de Esmeraldas, na Região Metropolitana de BH, Janaína Fagundes, de 16, sabe o que quer: “Aula de computação, reforço educacional, merenda com pelo menos uma fruta”. A melhoria do transporte Escolar também faz parte do plano de governo imaginário da estudante. “Meus colegas vêm num ônibus apertado na estrada de terra”, conta.

Quem abandonou a Escola, problema comum sobretudo no Ensino médio, propõe a criação de mais cursos profissionalizantes. “Se desse para fazer um curso de mecânica, teria me formado”, afirma o morador de Ribeirão das Neves, também na região metropolitana, Raí Benício, de 18, que largou os estudos no 9º ano do Ensino fundamental. Já a valorização do Docente é a principal proposta da Professora de português Nilce Faria Campos, de 57, apaixonada pela profissão, que exerce há 19 anos. “Se o Professor não é valorizado, ele não tem interesse nem boa vontade”, afirma Nilce, que recebe salário de R$ 1,4 mil.

Já aqueles com diploma na Educação básica se queixam do funil para entrar no Ensino superior e voltam a lamentar a falta que uma boa Escola pública faz, caso do estudante Felipe Augusto Vieira, de 22. “É preciso ter Ensino de tempo integral, não apenas com teoria, mas com laboratórios, aulas de música”, diz o jovem, também defendendo a criação de mais vagas no Ensino superior. Assim como nas universidades, a abertura de vagas é também um desafio na Educação infantil. José Alberto, de 45, só conseguiu matricular as filhas gêmeas com intervenção da Justiça. “É preciso criar mais unidades de Educação infantil”, reforça.

O APARTAMENTO PARA PAGAR

A Escola Helenice Leite, 38 anos, mãe de três crianças em idade Escolar Educação é prioridade para a estudante de letras Helenice Leite, de 38 anos, mãe de Gabrielle, de 10, Daniel, de 6, e Arthur, de 5. Os dois mais velhos estudam no Colégio Padre Eustáquio. Ano que vem, o caçula, que estuda na Unidade Municipal de Educação infantil (Umei), também vai para a Escola particular. Para isso, a família vai vender um carro e trocar de apartamento. “Queremos que, no futuro, eles estudem numa universidade federal. O momento é agora”, afirma. Nos estágios da faculdade, Helenice dá aula na rede pública, mas vê outra realidade em relação à época em que era aluna. “Falta interesse, o comportamento é diferente. Não me sinto segura em mantê-los na Escola pública”, diz. Proposta: Investir nos Professores e retomar o padrão de qualidade das Escolas públicas

UM SALÁRIO NA FACULDADE

Renata Rodrigues, 18 anos, estudante de direito A satisfação está estampada no sorriso de Renata, primeira da família a cursar o Ensino superior. Mas, apesar de ter estudado em Escola pública a vida toda, a jovem de origem humilde se tornou aluna de faculdade particular. “Não consegui nota para a UFMG nem para conseguir bolsa pelo Prouni”, conta Renata, exemplo de determinação. Ela ganha R$ 724 (um salário mínimo), enquanto a mensalidade é de R$ 800. Como a mãe e o padrasto estão desempregados, a jovem é o esteio da casa. De dia, trabalha como atendente de telemarketing e à noite vai para a faculdade, onde cursa o 2º período de direito. “Consegui o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e vou pagar depois que me formar.” Proposta: Facilitar o acesso às bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni) para Alunos de renda mais baixa

CONTRACHEQUE MAGRO

Nilce Faria Campos, 57 anos, Professora de português São 19 anos na sala de aula, atividade que Nilce mantém por paixão. A Professora de português cansou de ver colegas mudarem de área. “Para dar 16 aulas e ainda planejar as atividades, recebo R$ 1.400”, conta. A falta de valorização fez baixar a autoestima da categoria, que se cansou também de conviver com outros problemas. “Enquanto escrevemos no quadro de giz, Alunos mexem no celular”, comenta, ao se referir ao atraso tecnológico na rede pública. Mas ela não deixa de sonhar: “Temos que levar o Aluno a tomar posse do espaço, abrir a Escola aos domingos para atividades culturais, permitir que o Aluno veja uma Escola interessante”. Proposta: aumentar o salário dos Professores da Educação básica e estimular a integração entre Escola e comunidade, com a promoção de atividades culturais e esportivas nos fins de semana

VAGA CONQUISTADA NA JUSTIÇA

José Alberto*, 45 anos, autônomo Somente com intervenção da Justiça José Alberto conseguiu matricular as filhas gêmeas, de 2 anos, numa Unidade Municipal de Educação infantil (Umei). Apesar de referência em Educação infantil, ainda falta vaga para atender a tantos interessados. No início do ano passado, as duas entraram na fila e, como não foram sorteadas, ficaram de fora da escolinha. “Temos que correr atrás, porque é nosso direito. A verba destinada à Educação não vai para a Educação”, afirma José Alberto, que não deu conta de manter as filhas numa Escola particular. “Pagava R$ 450 para cada, fora a alimentação, fraldas e leite que levava durante o dia. Ficou pesado”, disse. Proposta: construir mais unidades de Educação infantil para suprir a demanda reprimida

* Ele não quis se identificar por temer problemas para as filhas CHANCES RESTRITAS DE INTERCÂMBIO Isabella Martins, 20 anos, estudante de psicologia Parte de uma parcela restrita da população, Isabella Martins conseguiu passar pelo funil do Ensino superior e conquistar uma vaga na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a maior do estado. Agora, tenta passar por outra peneira: fazer intercâmbio numa universidade no exterior. Como optou pela psicologia, as possibilidades são mais escassas. “O Ciência sem Fronteiras (programa de intercâmbio estudantil do governo federal) excluiu os cursos de humanas como se o que fizéssemos não fosse ciência”, critica a jovem. “Um intercâmbio me ajudaria, além de aprender outra língua, a entender melhor a diferença, o que é fundamental para um psicólogo”, completa. Proposta: ampliar as bolsas de intercâmbio estudantil no exterior para outras áreas além daquelas correlatas à tecnologia e inovação.

 




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