Algo novo
Escrito por Anna Veronica Mautner
Fica quieta!... Para de se mexer!... Presta atenção!... Não dispersa!... Isso é o que uma criança ouve, com razoável frequência, tanto na escola quanto em casa. Como explicar que a mesma criança ou o mesmo jovem que fica horas jogando videogame ou assistindo futebol ou outro esporte sinta dificuldade para ter a mesma atitude em sala de aula ou para estudar, decorar conteúdo escolar?
Vou tentar uma explicação que pode parecer pueril – e talvez seja –, mas é a que me ocorre: ou move-se o observador ou move-se o observado. Um e outro precisam se opor. Quando estamos no carro, no trem, fixamos direitinho o que nos rodeia. No cinema, também, assim como na televisão. Movem-se as imagens que vemos mesmo que estejamos estáticos. O olho e seu objeto se revezam no movimento. Os dois parados paralisam nossa mente.
Esse é um paradoxo da escola. Todos devem ficar quietos, um ao lado do outro, em fila ou fileira. A situação da sala de aula obedece a um princípio diferente: com tudo parado, a mente estaria em movimento para entender, lembrar conteúdo. Mas será que isso é verdade? Quando a classe precisa fazer um exercício, as mãos se movem enquanto a mente perscruta o conhecimento procurando as respostas. A mente atenta procura as respostas.
Esse é o ambiente que nós herdamos da Idade Média e da Antiguidade no universo latino. Temos relatos de que pensadores gregos caminhavam pensando com seus discípulos. Conforme o Ocidente se cristianiza, a imobilidade passa a ser um valor que, se acredita, ajude o aprendizado. “Quanto mais quieto, menos movimento, menos dispersão, mais aprendizagem”. Será? Desconfio que seja uma herança da liturgia judaico-cristã, em que a imobilidade é a procura de uma resposta às duvidas da fé.
Caminhando para o Oriente, vemos que a imobilidade tem a função de procura do “si próprio”, do “nada”, do nirvana. A imobilidade e o silêncio são condições para a captura de um saber próprio.
Mas, na escola, acontece o oposto. O professor sabe que o aluno está lá para receber a informação. Ou então o professor cria condições, com textos, objetos e exercícios corporais, para a descoberta das leis e dos conteúdos do mundo em que em vivemos. Na escola, o professor sabe, apresenta e explica. Essa passividade não é própria para a descoberta, para a inovação. Ou eu procuro ou eu recebo. Na escola, tal qual a conhecemos, nós recebemos desde a tabuada até a palavra dos sábios. Vem tudo em pacotes de complexidade predeterminada, do simples ao complexo, para maior facilidade e clareza. A isso chamamos de currículo, conhecimento apresentado com certa forma e sequência.
Imaginar que o ensino-aprendizagem não sofreu transformações é ingenuidade. Uma coisa é ensinar de onde viemos e quem somos; outra é a regra de três e a raiz quadrada. Raiz quadrada, tabuada e gramática servem para melhor entender o mundo. Os dados de fé são recursos para melhor entendemos a nós mesmos.
Quando a escola pretende abordar de uma vez os dois lados, a situação fica complexa, mas possível, em geral em detrimento de um deles. Mas dá para solucionar. Existem grandes escolas religiosas que conseguem unir a fé e o conteúdo secular. Por que não? Há muitos séculos fazemos isso e conseguimos.
Artigo publicado na edição de abril de 2014.
http://www.profissaomestre.com.br/index.php/colunistas-pm/anna-veronica/815-algo-novo