A ciência do desaprender
Celso Antunes
A ciência do desaprender é a filha mais nova da neuroplasticidade cerebral. Descoberta neste século, baseia-se na certeza de que a plasticidade cerebral é competitiva e, portanto, quando qualquer pessoa desenvolve uma rede neural, programa certos procedimentos que se tornam rotineiros em seu cérebro. Esses procedimentos se transformam em ação autossustentável e, mais ou menos como um hábito, torna-se difícil o desaprender. O neurocientista que mais profundamente demonstrou essa ação, M. M. Merzenich (2001), não esconde que anda pesquisando um “apagador” de aprendizagens inconvenientes. Não há necessidade de compreender a importância da “desaprendizagem”, pois qualquer pessoa abriga em seu cérebro uma quantidade enorme de informações erradas, crenças, superstições, preconceitos que modelam o caráter e, o que é pior, dificultam novas e saudáveis aprendizagens.
Diferentes elementos químicos estão envolvidos na aprendizagem e na “desaprendizagem”. Ao se aprender algo novo, os neurônios se agitam e se unem, fato que dá origem a um processo químico neuronal denominado “potencialização em longo prazo”. Em contrapartida, quando o cérebro desmancha associações e desconecta neurônios, ocorre outro processo químico, agora inverso. Assim, o desaprendido e o consequente enfraquecimento de conexões neuronais abrem espaço para novas lembranças, novas emoções e, naturalmente, novas aprendizagens. E, com esses avanços, chega-se à sala de aula e percebe-se que a primeira tarefa do professor, em suas primeiras aulas com uma turma qualquer, é ajudar os alunos a desaprender e, assim, dar espaço para novos circuitos e solidificar novas aprendizagens. Milhões de conexões neurais precisam ser suprimidas e substituídas por novas conexões. E como agir para que isso aconteça?
A resposta é bem mais fácil do que primeiramente se imagina. É essencial que os professores conheçam a fundo seus alunos, dominem o vocabulário que empregam, descubram suas aspirações mais profundas, percebam suas perspectivas e, principalmente, analisem suas convicções e o que imaginam saber corretamente sobre as matérias que estudam, as pessoas com as quais convivem, enfim, a plena leitura do mundo que fazem. Municiado dessa bagagem, mostrar com paciência e serenidade a diferença entre o fato e a maneira como o interpretamos, a sutileza que separa um preconceito de uma posição científica a respeito, a diferença entre a hipótese em fase de argumentação ou transformada em verdade e, especificamente no âmbito da disciplina que ministra, a lenta, serena e progressiva limpeza de conceitos errados, ideias incompletas, supostas convicções que são crendices. Mostrar que ideias preconcebidas, aforismos há muito repetidos, informações cristalizadas por ausência de constatações nem sempre correspondem à verdade.
Gastar-se-á algumas aulas com essa ação? Certamente que sim. O trabalho necessita de ação sistêmica de todos os professores da turma e, dessa maneira, precisa se fazer coerente em todas as matérias. Isso tomará ainda mais tempo no espaço dos dias letivos? Sem dúvida.
Mas, afinal de contas, de que adianta dias e dias letivos tentando desenvolver novas conexões neurais para cérebro abarrotados?
Artigo publicado na edição de março de 2014.
http://www.profissaomestre.com.br/index.php/colunistas-pm/celso-antunes/689-a-ciencia-do-desaprender