Lição de casa
Ajudar no dever de casa atrapalha o desenvolvimento dos filhos
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Prática pedagógica Estudos no Brasil e nos EUA apontam novos dados sobre o que traz efeito positivo e negativo
Por Cinthia Rodrigues
Em tempos em que se discutem as novas metodologias de ensino, a velha lição de casa apareceu como protagonista em duas pesquisas sobre o que faz diferença no aprendizado dos alunos. Uma, brasileira, mediu ganhos apresentados quando um professor sempre adota determinadas práticas. Outra, americana, cruzou dados escolares de três décadas com a participação dos pais. A primeira conclui que o hábito de passar tarefa extraclasse tem impacto positivo. A segunda, que a ajuda dos pais no dever de casa tem efeito nulo ou negativo na formação. Colocados juntos, os recados podem ser lidos assim: lição de casa funciona e independe de as famílias serem participativas.
O efeito do acompanhamento dos pais chocou até mesmo os autores do levantamento nos Estados Unidos, os sociólogos Keith Robinson, da Universidade do Texas, e Angel Harris, da Universidade Duke. “Ficamos assustados com o que encontramos”, escreveram no artigo publicado no New York Times sobre o estudo, considerado o mais extenso e completo já feito sobre o tema.
A análise compila informações de famílias ao longo das três últimas décadas. Foram usadas 63 diferentes bases de dados para medir o envolvimento dos pais com os estudos dos filhos e analisado o desempenho dos alunos desde os primeiros anos do Ensino Fundamental até a faculdade. Informações demográficas, étnicas, sociais e econômicas também foram aplicadas para que as comparações fossem feitas entre grupos similares.
Independentemente do contexto, crianças que recebiam ajuda regular com o dever de casa tiveram desempenho acadêmico pior do que a média.
Apesar de ponderarem que o resultado não significa um efeito nocivo na participação da família nos estudos de forma geral, os autores incentivam as escolas a serem mais específicas no que deve ser o acompanhamento da vida escolar das crianças . Para eles, os pais deveriam estimular os estudos e valorizar a escola, mas deixar que os filhos vivenciem sozinhos os desafios ou, em suas palavras, “preparar o cenário e deixar que as crianças atuem”. Em relação às tarefas extraclasse o conselho é direto: pais não ajudem.
Isso leva à segunda pesquisa feita na rede pública paulista com dados do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). A partir das notas e das respostas dos questionários nos exames de 2007 e 2009, o economista Claudio Ferraz, da PUC-Rio, e o pós-doutorando da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, Maurício Fernandes, analisaram quanto os estudantes ganharam em desempenho de Matemática e Língua Portuguesa em dois anos.
Em seguida, separaram por grupos as turmas em que, conforme respostas dos estudantes, sabia-se que os professores costumavam adotar algumas práticas pedagógicas frequentemente ou sempre. Aqueles que tiveram educadores que passavam lição de casa todos os dias atingiram média de ganho 10% maior em Matemática e 14% maior em Língua Portuguesa do que os demais. “Foi um resultado muito expressivo, porque se trata de algo que os alunos sabem medir, outras informações, como contextualização, são mais subjetivas”, comenta Fernandes.
A pesquisa também comparou os ganhos com os que são obtidos por alunos cujos professores se saem melhor em suas próprias avaliações de conhecimento. Embora também haja diferença, ela foi de apenas 1%, muito menor do que a obtida pela lição de casa recorrente.
Para ele, o fato de os alunos terem de refletir sobre o que aprenderam para fazer algo fora da escola ajuda a capturar a atenção da turma e levá-la a entender o material visto em aula. Além de representar maior tempo de estudo, a lição de casa, por ser pensada como algo que crianças e adolescentes possam fazer sozinhas, tem um caráter mais reflexivo. “Ao analisar outras práticas elencadas pelos alunos que parecem fazer diferença como ‘explicar a matéria’ e ‘relacionar os conteúdos com o cotidiano’ temos também indicativos do que mais dá resultado: atividades aplicativas, analíticas e críticas”, afirma o doutorando.
A parcela de alunos da rede pública paulista que tem lição de casa rotineiramente, no entanto, é bastante pequena. Segundo as respostas dos estudantes nas edições do Saresp analisadas, apenas 14% dos professores de Matemática e 5% dos de Língua Portuguesa sempre passam tarefas para fazer após as aulas. “A maioria não tem esse hábito e aí foi o intuito da pesquisa: mostrar que algumas práticas pedagógicas dão tanto ou mais resultado do que conhecimento de conteúdo”, conclui Fernandes.
Na rede municipal de São Paulo, a obrigatoriedade da lição de casa foi um dos pontos criticados no Programa Mais Educação, instituído no ano passado. A defesa da prática foi feita para que a sociedade participe mais da formação das crianças a partir da responsabilidade prevista na Constituição Federal. Alguns educadores discordam por entender que se trata de transferir a responsabilidade do Estado para uma população sem condições.
O diretor de Orientação Técnica da Secretaria de Educação, Fernando José de Almeida, explica que a diretriz não tem exatamente o objetivo de aumentar a nota dos alunos, mas suas oportunidades de aprendizado. “Muitas pesquisas apontam que a escola não tem mais a importância que tinha há 60 anos. Portanto, hoje o aprender se faz em várias esferas, na rua, no ônibus, em casa, o tempo todo. Cabe à escola incentivar que isso ocorra”, diz.
Para ele, não cobrar lição de casa de alunos de escola pública ou carentes é uma visão preconceituosa. “Em qualquer escola séria, quando o professor acaba a unidade, diz aos alunos o que eles precisam fazer antes da próxima aula. No universo imaginário de muitos educadores nossos estudantes são coitados que não têm uma mesa para sentar e estudar, e, portanto, não deviam ter lição de casa. Acho uma imbecilidade. Penaliza duplamente os quem têm menos recurso. É melhor na cozinha, do que ter também esse direito a menos do que os alunos de escola particular”, afirma.
Publicado na edição 89, de agosto de 2014
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