O caminho para os 10%
A sanção sem vetos do Plano Nacional da Educação inicia uma discussão sobre de onde virão os recursos adicionais, qual será a participação de cada ente federado e a viabilidade da meta de investimentos
Marina Kuzuyabu
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Manifestantes ocupam o plenário da Câmara dos Deputados para pedir os 10% do PIB para a educação: agora é a hora de cavar espaço fiscal |
Sancionado pela presidente Dilma Rousseff, o Plano Nacional de Educação (PNE) tem entre suas metas aumentar progressivamente os investimentos públicos em educação até chegar aos 10% do Produto Interno Bruto (PIB). A expansão dos gastos será necessária para financiar as outras 19 metas que precedem a do financiamento, entre elas: ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até 2020; universalizar a educação infantil na pré-escola para crianças de 4 a 5 anos até 2016; garantir a matrícula no ensino médio de 85% da população de 15 a 17 anos; e equiparar o rendimento dos professores com o de profissionais com escolaridade equivalente. A aprovação da meta de investimentos foi comemorada pela sociedade civil, mas o que o PNE não esclareceu é de onde virão os recursos adicionais e qual será a participação de cada ente federado.
“Será preciso um esforço muito grande por parte dos governos, já que o montante do PIB destinado à educação hoje é de 6,3%”, ressalta Tatiana Britto, consultora legislativa do Senado Federal. “Ninguém sabe ao certo como esse percentual crescerá, mas quando se discute políticas públicas é assim: primeiro você define a prioridade e depois vai cavando espaço fiscal. A implementação do PNE será outra batalha”, ressalta.
Divisão do bolo
A implantação do Custo Aluno-Qualidade (CaQ) é um dos recursos mais importantes para viabilizar um real aumento dos investimentos, pois ele será usado como parâmetro para o financiamento da educação. Em vez de partir do bolo de recursos existentes e dividi-lo pelo número de alunos na rede pública, como acontece hoje, o governo partirá de um total de recursos ideais para prover às escolas um padrão mínimo de qualidade, como previsto na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), e aos professores, uma remuneração adequada. O governo tem dois anos para definir e colocar em prática o Custo Aluno-Qualidade Inicial e, progressivamente, reajustá-lo até a implementação do CaQ.
O ministro da Educação José Henrique Paim já informou que esses valores ainda precisam ser calculados, mas a Campanha Nacional pelo Direito à Educação fez uma estimativa considerando o custo dos insumos básicos para o atual número de alunos matriculados na rede pública (veja na pág. 30). “Agora haverá uma discussão em torno desses valores. É possível que o MEC apresente uma contraproposta”, diz José Marcelino de Rezende Pinto, presidente da Associação Brasileira de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) e membro da Campanha.
Padrão mínimo
Nesse cenário, em que o ponto de partida será a garantia de um padrão mínimo para todas as escolas, a União terá de repassar um montante maior de recursos aos estados e municípios que não conseguirem atingir o valor estipulado no CaQ. Esse foi um dos pontos mais debatidos durante os três anos e meio de tramitação do PNE, pois atualmente o governo federal destina 18% da receita resultante de impostos (para estados e municípios, esse valor é de 25%) ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), valor que inevitavelmente precisará ser expandido para 20% ou até 31%, segundo alguns cálculos. Essa perspectiva motivou o ministro da Fazenda Guido Mantega a declarar em 2012 que a destinação de 10% para a educação poderia quebrar o Estado brasileiro.
Opinião bem diferente tem Marcelino: “para um país cuja carga tributária, nas últimas duas décadas, saiu de 24% para 35% do PIB, sem que a educação se beneficiasse desse crescimento, entendemos que seja factível dar esse salto nos investimentos educacionais”. Uma das possibilidades que ele menciona é destinar um percentual da carga tributária total da União, e não apenas dos impostos. Outro meio é recorrer à captação de recursos. “Todo mundo fala que educação é investimento. Por que então não pensar em um desenho de financiamento com o BNDES?”, aponta.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou em 2011 um estudo sobre as possíveis fontes de recursos para subsidiar o aumento dos investimentos. Segundo Jorge Abrahão de Castro, que na época ocupava a Diretoria de Estudos Sociais do Ipea e foi um dos colaboradores do levantamento, as alternativas listadas baseiam-se principalmente na ampliação de tributos. “Fizemos simulações e, como pesquisadores, mostramos que é possível expandir de forma racional a arrecadação do governo sem forçar a ‘barra’”, conta.
Entre as ações, está diminuir a concessão de isenções e reduções do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) pelos municípios de modo a atingir 0,8% do PIB (atualmente, corresponde a 0,4%); taxar as grandes fortunas, medida que pode contribuir com até 0,7% do PIB; ampliar a cobrança do Imposto sobre a Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD), cuja arrecadação poderia saltar de 0,05% para 0,49% do PIB; diminuir as renúncias e os subsídios fiscais, cujo potencial de arrecadação corresponde a 3% do PIB; e controlar as sonegações do Imposto Territorial Rural (ITR), ação que pode gerar até 1% PIB.
Além de aumentar o financiamento tributário, o IPEA recomenda diminuir a taxa de juros (Selic), iniciar uma captação de recursos em agências públicas de fomento nacionais e internacionais e entre as empresas estatais e privadas. Também foram apontadas melhorias de gestão e controle social do gasto público.
A renda do governo com o Pré-Sal, que vem sendo lembrada pelo governo, também está no estudo. Segundo Tatiana Britto, o governo considera essa a principal nova fonte de receitas, mas estes recursos dependem da capacidade de exploração do petróleo e do preço da commodity no mercado internacional. “Além disso, o pico de produção deve acontecer só daqui a dez anos”, fala.
Segundo Marcelino, foi proposto um modelo de contribuição em que cada ente federado contribuiria de forma proporcional às suas receitas, mas a medida não foi incluída no PNE. “Como o governo vai desatar esse nó dos 10% implicará muitas negociações. A União deve dar o primeiro passo”, afirma. “O PNE não é um plano do governo. Ele demanda articulação dos estados, municípios e da União. Se não tiver articulação, não vai andar”, concorda Brito.
http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/208/artigo323842-1.asp