Uma boa aprendizagem
Os ingredientes para uma boa aprendizagem
Escrito por Fábio Torres
Para o professor e cientista norte-americano James Ito-Adler, a relação entre aluno, escola e família é, mais do que nunca, vital para o sucesso da aprendizagem de crianças e adolescentes. Ito-Adler, que também é antropólogo formado por Harvard e presidente do Instituto Cambridge para Estudos Brasileiros, defende que os portais de internet são uma boa plataforma para consolidar esse “triálogo” (palavra que o próprio educador utiliza).
Na entrevista a seguir, concedida por Ito-Adler à revista Gestão Educacional durante o Salamundo 2013, evento realizado em agosto em Curitiba (PR) e no qual o educador foi um dos palestrantes, o norte-americano trata desse tema e também de sua pesquisa, desenvolvida ao longo do ano passado em parceria com José Francisco Soares, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre os motivos que levam alunos que têm aulas iguais e estudam os mesmos conteúdos a terem desempenhos extremamente distintos em sala de aula (saiba mais sobre a pesquisa no box).
Gestão Educacional: Com base na sua pesquisa, é possível afirmar o que caracteriza uma escola de sucesso?
James Ito-Adler: A nossa parte da pesquisa foi baseada nos alunos, mas o que podemos afirmar é que são escolas bastante interessantes, muito variadas de acordo com a região – a gente nota as diferenças entre as várias regiões do Brasil, desde o Sul até o Nordeste; há uma grande variação no status socioeconômico. Mas mesmo em escolas reconhecidamente fortes havia alunos com baixo desempenho, e escolas com desempenho pior tinham alunos que estavam em uma faixa melhor. Ou seja, há grande variação. Mas eu faço questão de dizer que a nossa pesquisa é parte de algo maior. Ainda estamos juntando dados quantitativos, do lado das escolas, e qualitativos, que eram mais do lado dos alunos.
Gestão Educacional: Que ações práticas podem ser feitas com base nos resultados já existentes da pesquisa?
Ito-Adler: Eu gosto muito de algo que eu chamo de “triálogo”, que é criar conversas entre escolas, pais e alunos, e é aí que vem a importância da internet. Isso foi o achado mais impressionante e inesperado da pesquisa: a importância da internet nas vidas escolar, pessoal e social dos alunos. Eu sou imigrante na “terra eletrônica”, mas há uma nova geração, assim como meus filhos, que são nativos digitais. Quando eu tenho algum problema, eu chamo meus filhos para me ajudar e o professor parece que tem vergonha de admitir que os alunos são muito mais avançados no domínio da tecnologia, da internet e das mídias sociais do que os docentes. Eu acho que é um passo muito importante ajudar os alunos que precisam de orientação, disciplina, controle e roteiro para o dia, e os alunos podem trazer para o professor e a escola o seu conhecimento muito avançado da internet.
Gestão Educacional: E os alunos pedem a presença dos professores na internet.
Ito-Adler: O que é interessante, não é?
Gestão Educacional: Sim, com certeza. Mas o senhor considera necessário um trabalho de formação com os docentes para mostrar que essa ferramenta não é só para o lazer, mas também pode ser utilizada para o ensino?
Ito-Adler: Esse é um ponto absolutamente importante. Por isso, eu joguei a palavra “triálogo”. Isso é bem importante. Para dizer a verdade, alguns professores são prontos. Outros educadores, de outra geração, não estão confortáveis com isso, proíbem o uso de celulares na sala de aula, não querem saber do Facebook e do Twitter, mas os alunos vão fazer isso de qualquer jeito. É a mesma coisa que tentar parar o Rio Amazonas. Você não conseguirá pará-lo. Portanto esse é um grande desafio que, espero, no futuro, com a ajuda de nossa pesquisa e de outros estudos, professores e pais, [possa ser resolvido], porque nós não podemos nos esquecer dos pais. Como o professor vai fiscalizar e ajudar o aluno fora da sala de aula? Não pode. Os pais têm que lidar com isso também.
Gestão Educacional: O que falta para pais e professores usarem todos os artifícios tecnológicos em prol de uma educação de melhor qualidade?
Ito-Adler: Isso é interessante. Algumas escolas já deram um passo interessante, que é o portal. Agora é preciso divulgar, espalhar mais, ensinar. Do mesmo jeito que se cria um ambiente para realizar uma entrevista, é preciso criar um ambiente on-line que não seja uma ameaça para a autoridade do professor e que possibilite que o aluno aprenda também. É um grande desafio para as escolas inventar novas maneiras de lidar com a família e os alunos. Isso vai ser a novidade.
Gestão Educacional: Você destacou, em sua palestra, que dentro de uma mesma sala podem existir alunos com desempenhos muito diferentes entre si. O que o professor e a escola devem fazer nesse caso?
Ito-Adler: Eu era professor do ensino superior e meu maior desafio era como lidar com uma classe ou um grupo com desempenho desigual. Eu fiquei um ano como professor visitante em Harvard e depois voltei para a Flórida, onde eu tinha alunos que eram iguais aos de Harvard. Eles seriam alunos de destaque em Harvard. Mas também tinha alunos que precisavam voltar para o ensino médio para aprender como se escreve um parágrafo. Como é que eu vou dar aula para um grupo assim? Esse é um desafio para qualquer professor. Nos Estados Unidos, é contra a lei dividir uma turma em faixas de desempenho. Isso é complicado porque, se você divide um grupo, por um lado se tem problemas de raça e de etnias. Se você divide um grupo, alguém vai falar em racismo e preconceito. Então é muito difícil. Há um blog de um professor de Matemática no qual ele falou: “Após sair do curso de Pedagogia, eu sabia como colocar todo mundo em fila. Depois de três semanas, não estava mais dando certo”. O que ele fez? Ele dividiu a turma: um grupo muito bom em um canto, um grupo de alunos medianos em outro e, por fim, um grupo que estava com muitos problemas. Infelizmente, ele só podia ensinar para o grupo de médio até baixo [desempenho] e deixava os alunos bons se virarem. Mas é como o professor Claudio [de Moura e Castro] me falou uma vez: isso é um pecado, porque você larga o aluno bom, não dá desafios. Esse aluno presta atenção, mas não faz trabalho em casa, só dá uma olhada e sai com qualquer nota. Então ele não está aprendendo o que podia aprender na escola. Mas a gente não pode dar toda a atenção para o grupo que chamamos de “remedial”, que é o aluno ruim que não aprendeu no ano anterior, que você tem que ensinar “álgebra 1” na aula de “álgebra 2”. Então teria que voltar [o conteúdo] para trazer os alunos juntos. E o que é que vamos fazer? Eu falo de provas justas, mas é muito difícil o professor fazer uma prova justa para um grupo variado. Ou vai ser fácil demais para os alunos bons ou difícil demais para os que têm problemas, o que criará uma curva para você mostrar para a diretoria da escola e dizer “olha, eu criei uma prova justa, tivemos esse resultado”. Quando eu fui avaliado para um concurso de ensino, tive que apresentar as médias dos meus alunos dos últimos três anos para provar que não estava “comprando” bons resultados, dando nota “10” para todo mundo. Portanto, fazer uma prova justa é difícil e os alunos falam sobre isso. Tem aluno que diz “a prova é mais ou menos justa; para mim, é fácil demais, mas meus colegas têm grande dificuldade”. Então eles sentem esse problema da justiça da prova, que ela possa medir o que eles realmente têm aprendido.
Entrevista publicada na edição de junho de 2014.
http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/entrevistas/794-os-ingredientes-para-uma-boa-aprendizagem