Olhar de criança e cidadania
Sonia Maria Henrique*
Misto de indignação e mal estar foi o meu sentimento após as leituras dos textos “Cidadania para quem” (Ver: http://www.recantodasletras.com.br/trabalhosacademicos/724625) e “Cidadania como sentimento” (Ver: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2204782) publicados pelo professor Lúcio Alves de Barros da Faculdade de Educação (UEMG/BH).
Nascida em uma cidade do interior de SP (1952) vivi minha infância e juventude sob o árduo período da ditadura militar dentro de uma família da classe operária, onde o ícone maior de exemplo de bondade e benfeitor, para a classe trabalhadora e os pobres, tinha sido o ex-presidente Getúlio Vargas. Muitos episódios marcaram minha infância. Sem entender bem do que se tratava, disputei com outras crianças as vassourinhas douradas distribuídas durante a campanha eleitoral de Jânio Quadros para a presidência da república, acompanhei pelo rádio e jornais o seqüestro do cônsul americano no RJ, meu vizinho sendo convocado pelo exército às pressas num dia de folga, tanques do exército dando proteção a Estrada de Ferro Santos Jundiaí, o exército nas ruas, um clima tenso no ar sob meu olhar de criança.
Novos termos entravam pelos meus ouvidos como, seqüestro, AI-5, tortura, ditadura, exilados, governo militar, etc. No comando da nação não posso me esquecer daquelas imagens de presidentes em seus trajes militares, cheios de estrelas e divisas, como os senhores Geisel, Castelo Branco, Médici e, em especial, o Sr. João Batista de Figueiredo, que certo dia, dando uma entrevista, falou que preferia o cheiro dos cavalos (ele adorava cavalos) do que do “povo”, acho que ele falou brincando.
Alguns anos depois com o fim do AI-5 e a Lei de anistia me lembro da imagem de muitos exilados chegando de avião de volta ao Brasil, dentre eles o escritor Fernando Gabeira que dias depois aparecia nas praias do RJ trajando uma minúscula sunga de crochê e óculos de sol. Já mais atenta aos fatos vi minha aula de matemática ser interrompida, pois, alguns homens do lado de fora da sala vieram “conversar” com meu professor, e também vi a retirada da disciplina filosofia da grade curricular do meu curso colegial, e assim foi entre tantas outras coisas.
Cidadania no Brasil poderia ser traduzida como de deveres para os pobres e direitos para os ricos, já que a Constituição de 1988 preservou privilégios defendidos por grupos de interesses e não apresentou solução para problemas apontados por estudos como o analfabetismo, a violência urbana, o saneamento básico, a educação, a saúde, a desigualdade social, etc., herança agravada por esse período de ditadura no país.
A esperança para que se tenha uma cidadania justa e plena vem justamente do poder de transformação que pode acontecer através da educação, da conscientização do cidadão sobre seus direitos civis, em uma democracia justa para todos.
Não podemos nos omitir da responsabilidade individual de cada um de nós para avançarmos nessa direção.
Não podemos deixar passar a oportunidade de fazer acontecer.
“Para que a educação para a cidadania se torne emancipatória, deve começar com o pressuposto de que seu principal objetivo não é ajustar os alunos à sociedade existente; ao invés disso, sua finalidade primária deve ser estimular suas paixões, imaginação e intelecto, de forma que eles sejam compelidos a desafiar as forças sociais, políticas e econômicas que oprimem tão pesadamente suas vidas. Em outras palavras, os alunos devem ser educados para demonstrar coragem cívica, isto é, uma disposição para agir, como se de fato vivessem em uma sociedade democrática” (GIROUX, Henri. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986. p.262).
*- Sonia Maria Henrique é estudante do Curso de Pedagogia da FAE (Faculdade de Educação) da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais).
http://nepfhe-educacaoeviolencia.blogspot.com.br/2011/06/olhar-de-crianca-e-cidadania.html