O Ensino Médio é um caminho

O Ensino Médio é um caminho

"O Ensino Médio tornou-se um gargalo que constitui um dos entraves importantes para o nosso desenvolvimento", afirmam Julio Hadler Neto e Adriana Ferreira

Fonte: Folha.com  05 de agosto de 2014

O Ensino médio público no Brasil forma por ano 1,5 milhão de Alunos. É sabido, porém, que a baixa qualidade o impede de "alimentar" um aumento substancial no número de vagas no Ensino superior em áreas como física, química, matemática e, especialmente, nas engenharias, o que é tão necessário para que o país possa se tornar um protagonista com alguma importância em ciência, tecnologia e inovação.

Assim, o Ensino médio tornou-se um gargalo que constitui um dos entraves importantes para o nosso desenvolvimento. Além disso, e não menos importante, a má qualidade da Escola pública enseja a perpetuação da abissal desigualdade social que grassa em nosso país.

O Grupo Folha não autoriza a publicação na íntegra do conteúdo produzido pelo jornal Folha de S.Paulo

‘O ensino médio se reduziu a uma preparação para o  vestibular’, diz educadora

Filósofa e professora Viviane Mosé critica modelo  educacional do país

Para a filósofa Viviane Mosé, educadores precisam refletir sobre as reais  demandas dos alunos e adequar o ensino aos novos tempos. Ela participará do  encontro internacional “Educação 360”, que será realizado pelos jornais O GLOBO  e “Extra” de 5 a 6 de setembro na Escola Sesc de Ensino Médio, no Rio, em  parceria com o Sesc e a prefeitura do Rio e apoio do Canal Futura

A sra. já disse que precisa haver uma revolução no ensino médio. Que  revolução seria essa?

Se o ensino fundamental tem melhorado, o ensino médio permanece estagnado.  Como trata da educação de adolescentes e jovens, é hoje o olho do furacão. Mesmo  com oferta de vagas, com a melhora das condições físicas das escolas, muitos  jovens abandonam os estudos, fenômeno que já aparece nos anos finais do ensino  fundamental. A escola, do modo como está estruturada, não consegue atrair. Se  esse fenômeno acontece em muitos países, em função da democratização do saber  permitida pela internet, no Brasil se apresenta de modo ainda mais grave, já que  o ensino médio se reduziu a uma preparação para o vestibular. Como as escolas  públicas não conseguem competir com as particulares, jovens das classes  populares não encontram nada na escola: nem acesso à universidade, nem  ferramentas que o ajudem a viver melhor, nem acesso ao mercado de trabalho, nem  espaço de encontro e experiências lúdicas. Muitas medidas paliativas têm sido  tomadas, como as cotas para as escolas públicas nas universidades, mas nada  disso resolverá o problema. O Brasil precisa repensar o ensino médio, que deve  oferecer diferentes possibilidades, dependendo da vocação e do interesse do  aluno.

O que torna um projeto educacional bem-sucedido?

Um projeto é bem sucedido quando as crianças aprendem e não abandonam a  escola. Quando encontram na escola um espaço de crescimento não apenas  intelectual, mas humano. A escola não deve se sustentar na administração de  conteúdos, mas na aquisição de ferramentas para viver melhor. Os conteúdos estão  disponíveis na rede, precisamos estimular a capacidade de ler e interpretar  dados e sofisticar nossa habilidade de ler o mundo. Essa é uma escola que dá  certo, pois permite que a pessoa continue aprendendo.

Qual o novo papel do professor?

Nós, professores, nos sustentávamos nos conteúdos que tínhamos e devíamos  passar aos alunos. Hoje, esses conteúdos estão disponíveis, muitas vezes, com  mais dinamismo e qualidade nas novas mídias. Então, nosso poder passa a ser o de  preparar os alunos para lidar com as mídias. Isso significa incentivar a  inteligência, o pensamento e, especialmente, a capacidade de filtrar dados e  interpretá-los, para que não sejam levados por uma onda de informação manipulada  ou de má qualidade. O professor não é mais quem sabe tudo, mas quem se interessa  por tudo. A educação caminha para a formação de pesquisadores, e isso é muito  favorável.

As escolas precisam olhar mais para as comunidades ao  redor?

Elas devem se abrir para o mundo. Não podem mais se esconder por trás de  altos muros. Os desafios do mundo devem ser questões presentes no cotidiano das  escolas, não apenas questões acadêmicas abstratas. Mas esse mal, o isolamento,  deve começar a ser vencido nas universidades, que nasceram dos conventos, com  seus altos muros.

Muitos especialistas associam as manifestações do ano passado ao  aumento do acesso à educação. Acredita nesta conexão?

De forma nenhuma. As manifestações são consequência do acesso às novas  mídias, que rapidamente reúne pessoas. Mas essa reunião se deu em um momento em  que as pessoas ainda não têm uma educação de qualidade, voltada para a vida,  para as questões sociais. Sem rumo, elas se perderam, não produziram conquistas,  desembocaram em violência. Em breve, teremos outro cenário: manifestações, sim,  enormes, mas com direção, sentido, maturidade política e intelectual.

No encontro “Educação 360”, a senhora vai participar de uma mesa  sobre as iniciativas de educação que partem do Brasil. As ações brasileiras  guardam um diferencial comum?

Não há uma gente mais criativa que a nossa, eu penso. Depois de andar do  Oiapoque ao Chui, tenho a honra de conhecer experiências incríveis e inéditas  que dão muito certo. Muitas vezes, escolas muito pobres; em outras, mais ricas,  sempre com criatividade e vontade, conseguem produzir uma educação de qualidade.  Temos de valorizar essas práticas e compartilhá-las, precisamos adotar o modo  brasileiro de educar que dá certo, e não importar modelos, o mundo inteiro  repensa a educação.

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