Aprendizagem em primeiro lugar
Escrito por Fábio Torres
Filósofo e educador colombiano, Bernardo Toro é um dos principais pensadores e críticos da educação na América Latina. Ele não poupa críticas às atitudes de políticos e gestores da educação na região, afirmando que, enquanto não houver união entre as elites, não haverá melhora na educação. Ex-decano acadêmico da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Javeriana, em Bogotá (COL), vice-presidente da Fundação Social (entidade civil que se propõe a combater a pobreza na Colômbia) e responsável nacional da Fundação Avina, Toro palestrou no Salamundo 2013 em agosto do ano passado. Após sua fala, ele conversou com a revista Profissão Mestre sobre a penalização da criança em caso de fracasso escolar, a influência da estrutura escolar no sucesso do aluno e como ter uma educação de boa qualidade igualitária e disponível para todos. Confira na entrevista a seguir.
Profissão Mestre: O senhor afirma que não se deve penalizar a criança se ela tiver que repetir o ano na escola. Como deve ser encarada essa situação?
Bernardo Toro: Primeiro, é preciso entender que somos inconscientes quando culpamos a criança pelo fracasso. É uma cultura, que nos ensinaram, de nos culpar pelo que fazemos. Como superar isso? Primeiro, precisamos entender o que acontece com a criança. Imagine que você é pai de um menino de oito anos, que diz: “papai, eu perdi o ano”. A criança não entende o que aconteceu. O que passa na cabeça das crianças geralmente? Elas querem fazer bonito para os adultos porque querem ser aceitas por eles. Todos que têm filhos sabem disso. Mas o único jeito de enfrentar isso é mudar o conceito e a definição de escola, porque se o ensino é mais importante que a aprendizagem, quem tem culpa é a criança. Se a aprendizagem é mais importante que o ensino, somos nós, os adultos que rodeamos a criança, que temos a responsabilidade de mudar as coisas. Temos que definir a escola como lugar para aprender, e não para ensinar, além de entender que o professor é o profissional responsável pela aprendizagem, e não a turma. Um educador não é uma pessoa que dá aulas. A aula não define a profissão de educação. Todos podem dar aulas. O que não podemos é garantir que as pessoas aprendam. Portanto, o responsável pela aprendizagem é o educador e precisamos começar a convencer o professor e a sociedade disso. Por quê? Porque o professor é contratado por aulas, é pago por aulas, é punido por aulas, porque todos os mecanismos de estímulo do professor estão orientados pelas aulas. Se não começarmos a mudar os mecanismos de estímulo para focarem a aprendizagem, a criança vai continuar a culpada pelo fracasso.
Profissão Mestre: Na prática, quais as dificuldades para mudar esse conceito?
Toro: Os professores sempre se queixam de que a sociedade não os respeita nem os conhece, e a sociedade faz isso porque todos sabem dar aula. Eles pensam: “se eles fazem o que eu faço, por que eu devo pagar mais a eles?”. É importante que a sociedade exija do professor não as aulas, mas sim que as crianças aprendam, nem se acuse os alunos de fracasso, e sim a escola e os adultos que estão ao redor dela. Assim como culpamos a polícia pelo trânsito e os administradores públicos por certas coisas, temos que alertar os professores de que é responsabilidade deles que as crianças aprendam. O que isso significa? Significa também que nós precisamos criar as condições ideais para que o educador tenha êxito. Por que o que acontece? Digamos que você vá ao teatro ver um concerto. A mesma pessoa que toca o violino não é a que recolhe o ingresso, que prepara a partitura, que limpa o teatro etc. Ela só chega e executa. O professor é quem mantém a escola, é quem briga pelo salário, quem prepara a aula, aplica e corrige os exames, e ainda queremos que ele tenha bons resultados. É muito importante que a sociedade exija bons resultados do educador, porque [a sociedade] é a única responsável por prover as condições ideais para que o professor tenha êxito e as crianças aprendam. Mas isso depende da sociedade civil, e não somente dos educadores.
Profissão Mestre: Como o ambiente e a estrutura física influenciam a aprendizagem do aluno?
Toro: O que é uma escola? Uma escola é como se fosse sua casa. Imagine o seguinte: quando você ia nascer, seus pais buscaram uma casa para vocês. Eles montaram um ambiente que ajudou a torná-lo o que é. Quando eles montaram tudo, eles supunham: “meu filho vai crescer assim por causa disso”. O que é uma escola? É um ambiente de aprendizagem que tem diversas variáveis: espaço, mecanismos de estímulo, sistemas de prêmios e castigos, métodos de avaliação, atores, simbologia, muitos recursos – igual a uma casa. Montar uma escola é colocar essas variáveis em busca de uma só coisa: a aprendizagem, igual seus pais fizeram com a casa. Se não organizar tudo em função da aprendizagem, não haverá sucesso. É igual a uma fábrica, uma empresa. Tem que organizá-la em torno de uma missão. Essa é uma das coisas que eu insisto, porque eu sei do que eu falo. Se os gestores não conseguirem mudar esses conceitos na sociedade, não vamos obter os resultados que todos querem e necessitam, porque não vamos conseguir isso se não enfrentarmos o problema de vez. Quais são os problemas de países como Brasil, Colômbia, Argentina, enfim, de países da América Latina? A leitura e a escrita – 50% das crianças da América Latina não leem nem escrevem bem. Um estudo no Chile com toda a população mostrou que apenas 20% dos chilenos leem e escrevem bem. Em toda a América Latina, somente 12% dos jovens, sejam de escola pública ou privada, alcançam proficiência de terceiro nível em leitura e escrita. Se não decidirmos enfrentar o problema da leitura e da escrita, ficaremos na mesma.
Profissão Mestre: Como vencer esse desafio?
Toro: A leitura e a escrita são coisas cotidianas, que devem ser feitas todo dia. Para os meios de comunicação, é preferível falar do que é bonito em vez do que é importante. Na educação, é fundamental não confundir o que é bonito com o que é importante. Então, como podemos fazer o importante? O problema é voltar ao fundamental sem voltar ao passado. Teremos que garantir que nossas crianças leiam e escrevam bem já no primeiro e no segundo ano do ensino fundamental, pois, se não fizermos isso, podemos trazer quantos computadores e tablets quisermos que não acontecerá nada. Temos que garantir algumas coisas: que a escola é um lugar onde se aprende; uma definição de professor como responsável pela aprendizagem; voltar a aspectos básicos, que são ler e escrever bem; e aprender cálculo matemático, a trabalhar em grupo e a usar a informação.
Profissão Mestre: O senhor afirma que tanto ricos como pobres devem ter acesso ao mesmo nível de educação. Como fazer isso? No Brasil, há um projeto de lei que visa tornar obrigatório que os filhos de políticos estudem na rede pública. O senhor acredita que isso pode ser obtido por meio de uma lei?
Toro: Se as elites de um país não se articulam ao redor de um problema, este não é resolvido. Quando se fala em qualidade da educação, as elites da América Latina estão divididas. Em que sentido? Elite não são as pessoas que têm dinheiro ou grandes posses. Elite são as pessoas cujas decisões podem mudar a vida de grandes setores da população. Os taxistas de Curitiba são elite; eles podem parar essa cidade quando quiserem. Um líder sindicalista é elite: sua decisão tem influência sobre muita gente. Gilberto Gil é elite. Caetano Veloso é elite. Se Caetano Veloso decidir usar um chapéu vermelho, no dia seguinte grande quantidade de gente vai usar o chapéu vermelho. Quem é elite na Colômbia? Shakira é elite lá. Se ela colocar um enfeite na cabeça, no dia seguinte milhões de meninas vão usar o mesmo enfeite. Ou seja, quando as elites sindicais, políticas e econômicas se reúnem em torno de um problema, ele é solucionado quase instantaneamente. Qual é o problema da qualidade de educação na América Latina? É que as elites não se uniram ainda, porque podem pagar pela educação que querem e não se importam com o que acontece com o filho dos outros. A tese que defendo é a de que se todos nós sentíssemos a angústia de não poder aprender bem, a educação mudaria em um ano. Não é um problema de dinheiro. Não é um problema de espaço. Não é um problema de educadores. Imagine se esse projeto de lei fosse aprovado e os filhos de senadores, deputados, chefes de Estado e diretores de empresas multinacionais fossem obrigados a frequentar escola pública? O que aconteceria no Brasil? Todo mundo começaria a se preocupar com a educação e, em menos de um ano, o Brasil teria uma das melhores educações do mundo. Assim, o problema não é o dinheiro, a estrutura ou a forma da escola. É como enfrentar o problema. E, se mudarmos como fazer isso, podemos progredir.
Entrevista publicada na edição de maio de 2014.
http://www.profissaomestre.com.br/index.php/reportagens/entrevistas/871-aprendizagem-em-primeiro-lugar