Eleições 2014 e educação
Eleições 2014 e educação: vamos desarmar a armadilha?
Escrito por Ilona Becskeházy
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Publicado em 24 Julho 2014
A construção do sistema educacional brasileiro foi marcada por tantas escolhas equivocadas por parte da sociedade brasileira que, agora que o desenvolvimento econômico do País depende da qualidade e da atualidade da formação acadêmica de sua juventude, nos vemos diante de uma grande enrascada.
Em primeiro lugar, passamos praticamente todo o século XX ignorando a importância da educação para a formação humana e o desenvolvimento individual e o da sociedade. Imaginamos que poderíamos crescer sem inovação tecnológica e sem ganhos de produtividade e que a democracia era algo vago, que não mudaria em nada a estrutura hieráquica e opressora com a qual estávamos acostumados. Fizemos o mínimo pela educação para que o País pudesse ser recebido “nos salões” da diplomacia internacional sem passar muita vergonha, principalmente a partir dos anos de 1990. Mas nada que fosse radical em termos de gastos ou padrões de qualidade e equidade.
Assim, apesar de termos entrado no século XXI com quase todas as crianças em idade escolar matriculadas na educação básica, ainda não temos nenhuma definição cabal quanto ao que se deve aprender em cada etapa ou quanto à adequação da idade do aluno com a série escolar que ele cursa. Temos 200 dias de aula por ano, com apenas quatro horas letivas por dia, mas o tempo real de instrução é apenas uma vaga ideia de que os alunos devem trabalhar sob a supervisão de um professor em algum momento do dia.
O resultado do desleixo crônico é uma armadilha praticamente inescapável, porque o custo político para rerverter uma situação tão cristalizada é infinito. A população brasileira não conta com referências de qualidade para cobrar, de maneira específica, as decisões de política pública que devem ser tomadas para que o Brasil possa formar jovens motivados a contribuir com seu país nas dimensões humana, cidadã, política e econômica. Fica difícil achar um político que queira “queimar seus cartuchos” adiantando a agenda de reformas que boa parte dos países desenvolvidos já fizeram.
Mas, se tivermos a sorte de ter candidatos a governador ou a presidente que realmente estejam comprometidos com o desenvolvimento do Brasil e dos brasileiros, eles (ou elas) deveriam propor o que se segue. Em primeiro lugar, a definição clara do que se deve aprender em cada semestre escolar, com um sistema de aferição de aprendizagem que permitisse a cada professor e escola tomar providências para garantir que nenhum aluno fique para trás. Obviamente esse currículo deveria seguir as referências do estado da arte internacional para que não caíssemos na tentação de manter o sistema em sua zona de conforto atual.
Em segundo lugar, mas de forma concomitante, é crucial que se defina que tipos de recursos humanos e materiais são necessários para se concretizar o conjunto de conhecimentos e habilidades que se deseja desenvolver em cada aluno. Esse cálculo é previsto em lei e fundamental para garantir o funcionamento e o controle do sistema, mas é explosivo para um contexto de personalismo e patrimonialismo, no qual o que conta são os presentes generosos e as ideias mirabolantes da semana.
Com base nessas definições, todo o sistema de formação continuada de docentes e profissionais especialistas da educação deveria ser urgentemente revisto, para que a ênfase seja na construção do sucesso escolar e do desenvolvimento pessoal dos alunos a partir de salas de aula eficazes, para que, paralelamente, o mesmo fosse feito com a formação inicial, nas escolas de educação e nas licenciaturas pelo País afora.
Já não é pouco chegar até aqui, mas para que as reformas sejam sustentáveis ao longo do tempo, novas carreiras e lógicas de promoção e permanência dos docentes devem ser o norte para atrair, manter e promover os profissionais mais comprometidos com o aprendizado dos alunos e o desenvolvimento institucional de suas escolas. É um trabalho hercúleo, mas é apenas o começo para se sair da inércia em que nos metemos e começarmos a navegar em outra direção. Resta saber se vamos ter a sorte de contar com líderes políticos dispostos a aceitar o desafio.
Artigo publicado na edição de maio de 2014.