Aprendendo com a vitória da Alemanha
O que aprender com a vitória do futebol alemão
18 julho, 2014
A principal lição do futebol alemão vem não de dentro do campo, mas de fora. E se relaciona à essência da formação não apenas de atletas, mas de todo um povo: a educação.
18/07/2014
Por Antonio Lima
Após a conquista do mundial pela seleção alemã e, especialmente as duas goleadas sofridas pela seleção brasileira nesta copa (as duas maiores da nossa história, a propósito), se faz necessária uma profunda análise sobre o que está acontecendo com o nosso futebol. Uma análise que, se verdadeiramente profunda concluirá a necessidade de uma também profunda reformulação em toda a organização do nosso futebol. E que não se diga que futebol não é assunto para revolucionários, pois tudo o que toca profundamente ao nosso povo, deve tocar também aos revolucionários.
Vamos então aos fatos. Não creio que devamos demonizar este conjunto de jogadores da nossa atual seleção por estes 2 resultados pontuais. Grandes equipes também já sofreram grandes goleadas, em diferentes momentos históricos. Porém, devemos lembrar, mais que isso, de que o Brasil já está há 12 anos fora da hegemonia do futebol mundial. E no ano de 2013 chegamos a nossa pior colocação na história, no ranking de seleções, ficando na 22ª posição.
Por outro lado, diz-se que as grandes lições são tiradas antes das derrotas do que das vitórias. Derrotas fragorosas como as sofridas pelo Brasil frente à Alemanha e Holanda podem servir justamente como o impulso decisivo que faltava para as grandes mudanças necessárias. O futebol alemão, em especial, pode nos ensinar bastante neste sentido. Muitos analistas agora falam do exemplo do futebol alemão. Mas poucas sínteses têm sido feitas neste sentido.
Com a atual geração alemã poderíamos aprender com sua força coletiva, sem endeusar grandes individualidades, apostando na força do conjunto e na complementaridade de talentos (inclusive entre “reservas” e “titulares”), desde que bem treinados e com padrão tático de atuação. Poderíamos aprender com sua tenacidade, apostando em suas convicções ao, por exemplo, preservar seu técnico durante seis anos, mesmo sem conquistar um único campeonato. Ou mesmo, como ensina a arte da guerra, saber ser prudente quando a correlação de forças se torna desfavorável (como os alemães fizeram ao serem surpreendidos por Gana e Argélia) e crescer de maneira irresistível sobre o inimigo quando este apresenta suas fragilidades (ainda que temporárias), como feito contra Portugal ou Brasil. Lições úteis para o esporte e para a política.
Mas mais que isso, a principal lição do futebol alemão vem não de dentro do campo, mas de fora. E se relaciona à essência da formação não apenas de atletas, mas de todo um povo: a EDUCAÇÃO.
Após a vexatória campanha na Eurocopa de 2000, e o vice-campeonato na Copa de 2002, o governo nacional decidiu que a Federação Alemã de Futebol (equivalente à CBF no Brasil) deveria ser reinventada e o país passou a debater o papel revolucionário que o esporte poderia ter, em uma articulação profunda entre Educação de base e formação esportiva de base. Foi organizado, assim, um Plano Nacional, de longo prazo.
A partir deste Plano decidiu-se modificar toda a estrutura do futebol alemão, priorizando-se a formação de atletas desde a base e incentivar-se a prática do esporte a partir das escolas públicas. Mais do que formar atletas de ponta, o objetivo central era mudar o papel do esporte na sociedade alemã e fortalecer a educação de base. Foram assim construídos 390 centros públicos de treinamento por todo o país, integrados às escolas, e sem vínculos com clubes, garantindo a formação esportiva e escolar das novas gerações. A escola pública incentiva o esporte e o esporte incentiva a escola pública.
Além disso, todos os clubes foram obrigados a organizar escolinhas desde, ao menos, o sub-14. Os clubes mais ricos deveriam inclusive financiar os mais pobres, sob pena de serem excluídos do campeonato nacional. Para tanto, as cotas de TV passaram a ser administradas de forma centralizada, de modo a dividir de maneira mais equânime os recursos entre todos os clubes.
Com o objetivo de profissionalizar a formação de treinadores, desde as equipes de base, foi organizada uma Federação Nacional de Técnicos de Futebol, que dá formação centralizada aos técnicos do país, em diferentes níveis. Com isso, formaram-se cerca de 1.200 treinadores profissionais, outros 5.000 com licença “tipo A” e outros 2 mil com licença “tipo B”. Ou seja, há hoje mais de 8 mil técnicos certificados no país, com formação técnica, tática, fisiológica e psicológica, acompanhando mais de 25 mil jovens praticantes do esporte. Os jogadores de base são treinados em todas as posições, antes de escolherem onde se aperfeiçoarão (o que faz com que os goleiros, por ex, joguem tão bem com os pés, os atacantes saibam marcar e os volantes cheguem tão bem na frente), encurtando também a distância técnica entre potenciais jogadores “titulares” e “reservas”, como vimos na Copa.
A propósito: não há na Alemanha também separação entre “jogador de futebol” e “estudante”. Todos os participantes das escolinhas de futebol são acompanhados em sua escolarização até no mínimo o Ensino Médio. Os milhões antes gastos com grandes estrelas passaram a ser investidos no programa, em cada cidade alemã.
Os clubes, por sua vez, devem ter no mínimo 51% de seu patrimônio na mão dos sócios, proibindo sua aquisição por estrangeiros ou mesmo empresários privados. Para manter, junto a isso, a força dos clubes e a paixão nacional crescente pelo esporte, os preços dos ingressos foram congelados, e foram feitas parcerias com as escolas públicas, garantindo uma média de 45 mil torcedores por partida na Liga Nacional. Graças a isso, a 2a divisão do futebol alemão tem hoje uma média de público superior à 1ª divisão do Campeonato Brasileiro.
Tudo isso, como dito, a partir de uma integração entre a formação esportiva e escolar, que uniu Estado, Federação de Futebol, clubes das 3 principais divisões do país e especialmente as escolas públicas. Özil e Neuer, por exemplo, tinham 11 e 14 anos, respectivamente, quando a sua escola pública passou a integrar o projeto nacional. Na verdade, com exceção do veterano Klose, todos os demais 22 jogadores da atual seleção alemã fizeram, em algum momento, parte deste projeto.
O Brasil, porém, segue ainda, também no esporte, o modelo colonial de mero “exportador de matéria-prima”. Isso não se alterará sem uma maior intervenção do Estado, sem uma grande mobilização nacional por parte de todos aqueles que apreciam o esporte e, especialmente, daqueles que acreditam na integração entre a prática do esporte e a Escola Pública.Mais importante do que o tetra-campeonato conquistado pela Alemanha neste domingo, seu principal campeonato já foi vencido há 12 anos: a ampliação do incentivo à prática do esporte e de maiores investimentos na escola pública, para as novas gerações.