Sem equipamentos para exibir filmes
Pelo menos 43 mil escolas brasileiras não têm equipamentos para exibir filmes
Número corresponde às instituições que não têm televisão, de acordo com o Censo Escolar de 2013
Fonte: Agência Brasil 14 de julho de 2014
Pelo menos 43 mil escolas brasileiras não estão preparadas para atender à nova lei que determina a exibição mensal de, pelo menos, duas horas de filmes produzidos no Brasil. O número corresponde às instituições que não têm televisão, de acordo com o Censo Escolar de 2013. O número aumenta quando se trata de aparelhos de DVD – do total de 190,7 mil colégios, mais de 48 mil não têm o equipamento. Em relação aos retroprojetores, que também podem ser usados na exibição de filmes, apenas um terço (63 mil) tem o equipamento.
A lei entrou em vigor no final do mês de junho. Pelo texto, a exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola. "Infelizmente, a lei ainda vai permanecer como desafio, por mais que tenha a norma, ela não será implementada imediatamente. Somos um país gigante, com muita diversidade. Temos escolas que não dispõem de recursos mínimos como TV e vídeo. Elas terão que ser equipadas", diz o vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima.
A maior deficiência está entre as escolas públicas, de acordo com a plataforma de dados educacionais QEdu, em que 74% têm TV e 71%, DVD. Entre as particulares as porcentagens aumentam para 90% e 88% respectivamente. As escolas municipais são a maioria no Brasil (119,9 mil) e são também as que apresentam as maiores deficiências. Entre esses centros de ensino, 69% têm TV e 66%, DVD.
Alessio Lima é também secretário de Educação de Tabuleiro do Norte (CE) e diz que no município o desafio de implementar o serviço está praticamente vencido. Das 23 escolas públicas do município, 22 têm TV e aparelho de DVD. "Já temos essa prática nas escolas, de exibir filmes. Mas, agora o incentivo será para planejar a aquisição de um acervo e orientar a prática de forma sistemática". Uma das possibilidades é que os recursos transferidos para as escolas pelo Programa Dinheiro Direto na Escola sejam usados também para esse fim.
Entre os estados, o Acre é um dos que têm a pior infraestrutura para a exibição dos filmes. No estado, 41% das escolas têm TV e 37% DVD. "Não estamos preparados, não houve planejamento, até porque eles decidiram isso sem o conhecimento das escolas. O Parlamento brasileiro deveria ouvir mais a sociedade", diz o diretor da Secretaria de Educação do Acre, Hildo Cézar Freire Montysuma. A maior dificuldade está nas escolas da área rural, onde não há equipamentos são muito antigos, conta o professor.
No Amazonas, 35% das escolas públicas têm televisão e 30% DVD. A Secretaria de Educação, por meio da assessoria, diz que está projetando estratégias para inserir a proposta no Plano Político Pedagógico nas escolas. "Por enquanto, as ações ainda estão sendo projetadas para futura execução", informa o órgão.
O Ministério da Educação informa que desde 1996 tem políticas de disponibilização de conteúdos audiovisuais por meio da TV Escola, do Portal da TV Escola e do Portal do Professor, além da distribuição dos kits de DVDs da TV Escola, que poderão auxiliar as redes e escolas no cumprimento da lei.
Esses conteúdos audiovisuais, com exceção dos kits de DVD da TV Escola – que são enviados somente para as escolas –, estão disponíveis para livre acesso por todos os cidadãos brasileiros que tenham captação de imagem por meio de antena parabólica, TV a cabo e acesso à internet. Além disso, o MEC diz que vem articulando com o Ministério da Cultura mecanismos e orientações para ampliar o acervo de filmes nacionais, conforme as diretrizes curriculares nacionais.
Sobre os equipamentos, a pasta estimula a aquisição do Projetor Interativo Proinfo pelas licitações de registro de preços promovidas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Por se tratar de uma compra nacional, os preços são inferiores aos praticados no mercado e aos obtidos em licitações em um único município ou estado. O projetor pode ser usado na exibição de películas.
Cineastas chamam a atenção para seleção de filmes e planejamento das aulas
Nova lei pretende levar o cinema brasileiro para todas as escolas. Agora, elas terão que exibir mensalmente pelo menos duas horas de filmes produzidos no Brasil. Para cineastas e especialistas, a exibição obrigatória vai ajudar a escoar a produção nacional, além de formar plateia. Será necessário, no entanto, cuidado na seleção dos filmes e no planejamento das aulas.
"Há pelo menos duas formas de o cinema entrar na sala de aula: uma, a mais danosa para a sociedade brasileira, quando entra como substituto do professor ou como simples dispositivo para compensar buraco na ausência do professor. A outra é o cinema como espécie de mediação para que os alunos comecem a entender o mundo. Aí está a grande potência, até mesmo política", explica a professora e pesquisadora Ramayana Lira – integrante do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual.
Ramayana explica que existe uma especificidade na linguagem audiovisual, que não se trata apenas do conteúdo mostrado no filme, mas também da estética e de outros elementos. Para trabalhar as produções por completo, os professores devem ser capacitados. Segundo ela, é importante a participação dos pesquisadores em cinema nesse processo, além do Poder Público e dos próprios produtores, que terão mais uma canal de divulgação das obras.
"Deve haver uma preocupação com os filmes adequados a determinadas faixas etárias, se os filmes funcionam interdisciplinarmente ou só em uma disciplina. A mesma discussão que existe para a escolha dos livros didáticos deverá ocorrer com os filmes", defende.
Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Marciel Consani, a exibição dos filmes em todas as escolas do país será "uma tarefa desafiadora". Não há um hábito de ir ao cinema para ver filme brasileiro", diz ele, que é especialista em educomunicação. "A escola é uma plataforma interessante para criar esse hábito. Mas isso tem que ser feito da maneira correta, amparada metodologicamente, para que não se consiga o contrário, traumatizar os jovens com filmes maçantes e desinteressantes."
Um filme, segundo Consani, é um produto indivisível que deve ser analisado como obra completa. A exibição de trechos de filmes para que se dê tempo de analisá-los em um a aula pode ser algo danoso. A sugestão para tempos menores é que os professores escolham média e curta-metragens. Outra preocupação é não usar como verdade filmes que contenham erros históricos, por se tratarem de adaptações.
Nas salas de cinema, os filmes brasileiros têm ganhado espaço e público. Segundo o Informe de Acompanhamento do Mercado do primeiro trimestre de 2014 da Agência Nacional do Cinema (Ancine), no período, foram vendidos 35,8 milhões de ingressos. O público para filmes brasileiros aumentou em 15,9% em relação aos três primeiros meses de 2013, enquanto os estrangeiros tiveram uma redução de 0,6%. Apesar disso, as produções estrangeiras ainda detêm a maior parte da audiência (79,6% dos ingressos).
"O maior gargalo do cinema brasileiro é a distribuição. Fabricamos, fazemos filmes, mas eles não chegam às salas, ficamos a ver navios", diz o diretor de cinema Cláudio Assis. Seus longa-metragens Amarelo Manga (2002), Baixio das Bestas (2006) e Febre do Rato (2011) foram premiados em festivais de cinema nacionais e internacionais e todos receberam o título de melhor filme por um ou mais júri. As produções, no entanto, chegaram a poucas salas de cinema no Brasil.
"Nas escolas vamos ter a possibilidade de contribuir culturalmente para a formação social, a possibilidade de educar a criança para um olhar sobre a realidade brasileira, sobre o cinema brasileiro. O Brasil precisa de formação de plateia", analisa Assis.
O informe da Ancine mostra que foram 17 estreias de filmes brasileiros no primeiro trimestre nas salas de cinema e apenas cinco tiveram mais de 100 mil espectadores. Segundo o vice-presidente da Associação Paulista dos Cineastas, Sérgio Rosizenblit, a maior parte da produção não é exibida no cinema. Para se ter ideia, apenas em São Paulo estão sendo produzidas 100 obras.
Rosizenblit diz que existem grupos de trabalho discutindo formas de escoar melhor a produção e que um diálogo mais próximo com as escolas poderá entrar em pauta. Com o cumprimento da lei, o cinema brasileiro chegará a mais de 190 mil escolas em todo o país, segundo o Censo Escolar de 2013. O número é bem maior que o de salas, que, de acordo com a Ancine, são 2.738 no Brasil. "As escolas são essenciais. Vão multiplicar os espaços de exibição."