Escolha fatal
Escolha fatal: 10% do PIB para a educação
A lei que obriga a aplicar 10% do PIB em educação é equivocada. Quase dobra os atuais 5,8% do PIB, que é a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A regra será cumprida até 2024. O gradualismo dá a ideia de responsabilidade e realismo. Teríamos tempo para nos preparar. Nada disso. Trata-se de escolha inconsequente, irrealista e futura causa de oportunidades perdidas.
A história está cheia de escolhas fatais, adotadas com boas intenções ou com o mero objetivo de poder e fama. Quando erradas, podem condenar um país ao declínio ou à pobreza por muitas gerações. No século XV, a dinastia Ming interrompeu a exploração marítima chinesa por considerá-la a fonte da crise nas finanças públicas. Segundo o historiador americano David Landes, quem fosse ao mar, mesmo para comércio, podia receber a pena de morte. A China era uma potência naval.
Seus navios eram dez vezes maiores do que as caravelas portuguesas. Em 1421, o almirante Zheng He navegou pelo mundo com uma frota de 317 navios e 28 mil homens.
Assim, Portugal e Espanha — e não a China — lideraram as grandes descobertas e estenderam seus domínios à África, à Ásia e às Américas. Landes afirma que tal isolamento explica os cinco séculos do declínio chinês. A China, a maior potência mundial da época, tornou-se pobre e humilhada por invasores europeus e japoneses. Somente quando Deng Xiaoping decidiu abraçar a economia de mercado (1978) a China iniciou a recuperação.
Outro historiador, o britânico Ian Kershaw, analisou dez escolhas fatais na II Guerra, entre 1940 e 1941. Destaco duas delas, que contribuíram para a vitória dos aliados: (1) a invasão da União Soviética pela Alemanha, que enfraqueceu seu poder bélico; e (2) o ataque a Pearl Harbor pelo Japão, que fez com que os Estados Unidos entrassem no conflito.
A educação não precisa de mais dinheiro, e sim de uma revolução na gestão e na forma de remunerar os professores, para melhorar sua qualidade
Claro, a nova lei não terá a dramaticidade dos casos citados, que tiveram forte repercussão mundial. Aqui, vai ser apenas nosso o ônus do aumento de gastos em educação. Será mais um efeito do ambiente criado pelos governos do PT, segundo os quais sempre é possível ampliar gastos sociais, mesmo que seja inviável sua continuidade ou que beneficiem essencialmente os não pobres, como nas despesas previdenciárias. Criticar o aumento desses gastos é considerado preconceito contra os pobres, insensibilidade, neoliberalismo e semelhantes. Como ser contra investir mais em educação? Daí o amplo apoio do Congresso ao projeto de lei.
Dois êxitos dos últimos cinquenta anos — Coréia do Sul e China — se devem à boa formulação e gestão de políticas de educação, que resultam em ganhos de eficiência nos gastos. Seus dispendios na área equivalem, proporcionalmente, a somente dois terços dos nossos. Dinheiro não é tudo.
Defensores da lei dos 10% já reconhecem que isso é muito mais do que se vê nos países ricos, mas agora recorrem a outro parâmetro: nosso menor gasto per capita em educação. No Brasil, a despesa por aluno é de 3067 dólares, contra 9313 dólares da OCDE (devo esses dados a Hélio Schwartsman). Na verdade, em relação às nações desenvolvidas, o Brasil gasta menos per capita em quase tudo, e não apenas em educação, pelo simples fato de ainda não sermos ricos. A renda per capita média da OCDE em 2009 era de 35.900 dólares, mais de quatro vezes a do Brasil, de 8.472 dólares. Ninguém faz comparações desse tipo. Por exemplo, não se avalia a carga tributária pela arrecadação, mas por sua relação com o PIB. Se a ideia valesse, os benefícios per capita do INSS, equivalentes a 4.157 dólares, deveriam ser igualados aos da OCDE, de 17.880 dólares, também de mais de quatro vezes os nossos (sempre dados de 2009, por razões de uniformidade). Em proporção do PIB, a despesa do INSS iria de 7,5% para 32,2%, quase a carga tributária (então de 32,3% do PIB).
A lei tem outros problemas, advindos da ideologia e do corporativismo que impregnam seu texto. No caso dos 10% do PIB em educação, seu efeito será piorar a já grave situação fiscal.
A educação não precisa de mais dinheiro, e sim de uma revolução na gestão e na forma de remunerar os professores, para melhorar sua qualidade. A lei pouco ou nada contribuirá para isso. Tende a ser uma escolha ruinosa.
Mailson Ferreira da Nóbrega
Fonte: Veja, 9/7/2014